terça-feira, 10 de agosto de 2021

Tirar férias de si próprio deveria ser considerado um direito universal


Gostaria de saber para qual RH devo me reportar para tirar férias de mim mesma.

Nada mais justo após 34 anos ininterruptos de muita dedicação e overthinking —infelizmente não encontrei uma tradução para o termo. “Pensar demais” não tem a força de sucção da espiral à qual me refiro, mas não quero ser acusada de colonialismo e agora estou overthinking o uso da expressão overthinking, o que acaba por ilustrar perfeitamente minha situação.

Não precisam ser 30 dias corridos, estou topando até um feriado emendado, um fim de semana, que seja. O importante é dar uma pausa no trabalho interno antes que eu tenha uma crise de burnout, digo, estafa.

A pandemia desgastou bastante os processos por aqui. Já estou sendo obrigada a suportar uma crise sanitária, um presidente negacionista e reuniões diárias no Zoom.

Agora, suportar a mim mesma em um regime de isolamento social ultrapassa os limites da dignidade humana.

Se torturar a si próprio fosse um esporte, eu traria o ouro para casa. Estou com uma música da banda Fruto Sensual martelando na minha cabeça há dias. Acordo no meio da noite me perguntando por onde anda o Max Fercondini. Stalkeio a prima da melhor amiga da atual do meu ex no intervalo de almoço. Atocho termos em inglês no meio das frases. Acompanho as notícias.

Invejo essas pessoas que se orgulham de dizer que são suas próprias chefes. Já que estamos compartilhando feedbacks, preciso confessar que sou uma chefe tóxica.

Me cobro com a truculência de um agiota, não respeito os horários comerciais e sou excessivamente controladora, indecisa, narcisista, teimosa, instável e competitiva. Em suma, um péssimo exemplo para mim mesma.

É preciso admitir que aquele discurso de coach do LinkedIn de que a pandemia é uma grande oportunidade de aprendizados não se sustenta na prática. Particularmente, a única coisa que aprendi após um workshop intensivo com a minha pessoa é que eu preferia ter continuado burra.

No geral, acredito que essa pausa beneficiaria não só a mim, como outras pessoas, direta ou indiretamente.

Meus aguerridos colaboradores —terapeutas, amigos e familiares— também estão sobrecarregados, inclusive por eles mesmos. Por isso defendo que as férias de si próprio deveriam ser um direito universal. Atenciosamente, eu mesma.


Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo

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