Foi como num desenho do Zé Colmeia, só que comunista. Ou pós-comunista, digamos.
Já era 2018 e eu estava na república independente da Lituânia, precisamente no meio da floresta. Cercada por mesinhas de piquenique e estátuas do Lênin, num museu a céu aberto. Até que me deparei com um casebre clichê, de madeira. Ali, um astro internacional me aguardava. E era um urso.
Sei que fui guiada até lá pelo fascínio de uma vida inteira. Tal como eu, muita gente nascida antes do fim da União Soviética criou algum vínculo com aquela terra que ocupava um pedaço imenso do atlas escolar, bem como do noticiário.
Ideologias à parte, ela continha várias pátrias dentro de si, mas também era uma matrioska de referências pop que iam da mancha na careca do Gorbachev à lenda de Anastasia, a princesa esquecida. Passando por filmes que davam qualquer desculpa para ter balé e Mikhail Baryshnikov rodopiando.
Tudo isso —e o Misha. Ursinho que a cada quatro anos sai de sua caverna para brilhar nas pautas esportivas. A mais famosa e fofa mascote que já existiu, além de mais emotiva.
Como esquecer sua famosa lágrima derramada no encerramento das Olimpíadas de Moscou? A partir dali, não teve para mais ninguém. Nem mesmo Naranjito, o boneco da Copa da Espanha com ginga de ídolo do McLanche Feliz.
De volta à floresta lituana, eu não estava pronta para aquele reencontro. Sempre que visitei ex-países da URSS, as feiras de quinquilharia me ofereciam apenas flâmulas e broches do Misha. Itens colecionáveis que refletiam a alma simples do meigo ursinho.
Só que, ao entrar no tal casebre, veio o choque. Eram Mishas do chão ao teto. Em todos os tamanhos e cores, até mesmo de ouro. Misha cosmonauta, Misha dentista, Misha escriturário. Aquela carinha, antes tão tímida, agora estampada em camisetas, brinquedos, cadernos e latas de biscoito.
Julguei ter visto uma caixa de Sucrilhos do Misha, mas pode ter sido a violenta emoção. Sim, a chorosa mascote soviética era uma máquina gracinha e capitalista de fazer dinheiro.
Dessa viagem, é claro, trouxe meu próprio Misha. Humilde, pequeno. Guardo com carinho, numa vitrine que é uma gulag particular. Sei lá, vai que ele escapa para fazer publis e merchans, agenciado por ursinhos carinhosos ou pelo Fuleco. Melhor não. Se derramar outra lagriminha, eu repenso.
Texto de Bia Braune, na Folha de São Paulo.
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