sábado, 14 de agosto de 2021

Pançudos que usam fardas sustentam o Bolsonaro custe o que custar


Em dez minutos, os pançudos que vestem fardas Prada avacalharam a ideia que darão um golpe de Estado. Caricatos por vontade própria, os pavões verde-oliva grasnaram o seu QI de tico-tico, cacarejaram alto e bom som o quanto são furrecas. Uma tremenda chinelagem.

Não foram só os comandantes que soltaram a franga na pajelança no Planaltódromo. Foi um país inteiro que se mostrou quando a fumaça preta (cóf, cóf, cóf) se espalhou na fuça de si mesma: somos uma nação fuleira, otária, mixuruca e vacilona.

Não se abespinhe, leitora, com o retrato chulé que os bisontes verde-amarelos pintaram do Brasil varonil, salve, salve. Como já lhe disse Brás Cubas, é melhor cair das nuvens que de um terceiro andar. O torrão pátrio não é potência emergente coisa nenhuma; é uma várzea.

A marcha-soldado-cabeça-de-papel não foi pior que a mediocridade geral. Os quartéis são, na média, tão tronchos quanto a música, a imprensa, as universidades, a engenharia ou os jogadores de futebol. Bem que Drummond notou: “Aqui a gente sabe que tudo é uma canalha só”.

É ideológica a afirmação que o Brasil é um oceano de ladroagem pontilhado por ilhas de excelência. Quem diz isso são os barões da burguesia, ou seus lacaios de alto coturno: gente de bem que mora em condomínios fechados e anda em carros blindados, com escolta e jatinhos.

Eles vivem num mundo pré-estados nacionais, numa idade média perene onde cada suserano tem servos sem direitos, uma guarda pretoriana própria, médicos e professores para seus herdeiros. É essa a utopia feudal do empresariado nacional dito moderno.

Nessa distopia, os milicos montam suas barracas num brejo tremebundo. Como a classe dominante trata o Estado a pão e água, o tropel da boiada bélica foi de uma pindaíba de dar dó. Havia calhambeques anfíbios de... 1971! Se fossem fuscas, estariam imobilizados em museus.

As guerras são hoje travadas por mísseis pendurados em drones. Ou com ogivas lançadas de submarinos a milhares de quilômetros do combate. Já as latas-velhas nacionais queimavam óleo e empesteavam o cerrado. De reluzente, ali, só as medalhinhas überbregas da cúpula ultraengalanada.

Mas o poderio militar não é uma questão tecnológica —é algo político. O Afeganistão dos talebans nunca teve tropas regulares. E venceu os dois Exércitos mais poderosos do planeta, o soviético e o americano, em 30 anos de combate. Agora, está a ponto de retomar o país.

No Brasil, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica não têm tradição guerreira: o Brasil não é cobiçado por outros países e tampouco é imperialista. Da Cabanagem à Balaiada, de Canudos à quartelada de 1964, a oficialidade verde-amarela ataca internamente.

A força estatal tem lado. É contra o povo, contra os pobres, contra os rebeldes. É tinhosa na defesa dos poderosos, dos ricões e da ordem social. Ao longo do tempo, a função de baluarte dos bem de vida tornou-se uma ideologia abilolada.

É a ideologia do anticomunismo sem comunismo. A advocacia da Amazônia quando Bolsonaro toca fogo nela. A defesa da ordem democrática na hora em que o presidente é o desordeiro-mor, o mais atilado dos antidemocratas. Por que tanta incongruência?

O primeiro motivo é trivial: os azeitonas são uma corporação e Bolsonaro é um deles. Ele lhes deu soldos maneiros, aposentadorias apetitosas, boquinhas, negociatas do arco da velha e a escuta dos paisanos.

Lá estão eles, aboletados em escrivaninhas. Com holerites invejáveis no bolso, os oficiais se entregam a uma fofocaiada contínua e mentem adoidado aos repórteres: “Não admitimos a subversão pederasta; Carluxo é um estrategista; o STF não deixa o presidente governar; grrr... au! au! au!”.

O segundo motivo é triste: os fardados fazem os que os civis mandam, e estes lhes têm temor reverencial. Tanto que os constituintes providenciaram para eles um trono na República, dando-lhes poder para defender as sandices de um Bolsonaro enraivecido.

Nenhum partido foi tão subserviente quanto o PT. Ele reequipou o Exército de alto a baixo e o mandou ser caudatário de um golpe franco-americano no Haiti. A milicada ficou 13 anos lá; massacrou; trouxe seus métodos bárbaros e os aplicou em favelas.

O pagamento que o PT recebeu foi a pressão militar para que Lula fosse preso, tirado da eleição e o estafeta chegasse ao Planalto. E agora, mesmo avacalhados, os pançudos sustentam o capitão do mato —custe o que custar em vidas, em miséria, em desmantelamento do Estado e da nação.


Texto de Mario Sergio Conti, na Folha de São Paulo

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