Recentemente, um jornalista me perguntou: “O que muda na vida amorosa e sexual quando envelhecemos?” Antes de responder, lembrei-me de uma situação constrangedora que aconteceu há alguns anos.
No fim da tarde de um sábado de Carnaval, em uma das ruas mais movimentadas da Zona Sul do Rio de Janeiro, meu marido me beijou apaixonadamente. Imediatamente um grupo de jovens fez um círculo ao nosso redor. Eles deram risadas, gritaram e aplaudiram alegremente.
Uma menina fantasiada de princesa gritou: “Tá melhor que a gente!”.
Fiquei completamente desconcertada com a situação embaraçosa. Nunca poderia imaginar que seria o foco de interesse de tantos jovens no Carnaval carioca, já que milhares de outros casais também se beijavam, se abraçavam e protagonizavam cenas mais ousadas. Por que um casal, que só estava se beijando, chamou tanta atenção?
Um garoto fantasiado de príncipe gritou: “Olha que bonitinho, dois velhinhos se beijando”.
Só então percebi o motivo da aglomeração. Como dois velhinhos têm a coragem de se beijar apaixonadamente sem se preocupar com o olhar dos outros? Como dois velhinhos têm a ousadia de não serem invisíveis e de não esconderem o seu amor? Como dois velhinhos caquéticos e decrépitos podem ser tão ridículos e sem noção?
Acho que não tínhamos nem idade ou aparência para sermos classificados como velhinhos. Mas, aqui no Brasil, depois dos 50 (talvez antes) já somos enxergados como velhinhos que não podem namorar, beijar na boca, transar, ter tesão. Já somos considerados assexuados e invisíveis e experimentamos uma espécie de “morte simbólica” no amor e no sexo.
É o que eu chamo de velhofobia: a violência verbal, psicológica e física, o estigma, a intolerância, a discriminação, a exclusão, os xingamentos, as “brincadeirinhas” e os preconceitos contra os mais velhos. Para os jovens foliões, eu e meu marido deveríamos ter ficado escondidos dentro de casa no Carnaval. Deveríamos sentir vergonha, e até mesmo culpa, por sermos um casal apaixonado, pois vivemos em uma sociedade velhofóbica que só valoriza a sensualidade, tesão e beleza da juventude. Não é à toa que os brasileiros têm pânico de envelhecer.
Conversando com o jornalista, descobri um outro lado que não consegui enxergar naquele momento constrangedor.
O grito da princesa: “Tá melhor que a gente!” tem um fundo de verdade. Estou muito melhor agora do que quando tinha a idade dela. Só com a maturidade aprendi que reciprocidade é receber do meu amor o que eu mais preciso para ser feliz, e retribuir dando o que ele mais precisa. Aprendi que muitos conflitos conjugais decorrem da falta de reconhecimento das reais necessidades do outro. Aprendi a não brigar, criticar, reclamar e discutir por bobagens; a ser mais companheira e generosa; a escutar com mais atenção e doçura; a rir das coisas que antes me irritavam; a confiar e me sentir segura; a não economizar beijos, abraços e cafunés; a respeitar o tempo e o espaço do outro; a compartilhar a vida com carinho, cuidado e compreensão. Aprendi a importância de dizer todos os dias: “eu te amo, você é o amor da minha vida”.
Em meio à tragédia brasileira, não consigo nem imaginar como conseguiria sobreviver física e emocionalmente sem ter o meu amor juntinho de mim.
Como aconteceu comigo, muitos homens e mulheres que eu tenho pesquisado somente na maturidade encontraram um amor mais recíproco, verdadeiro e prazeroso.
Hoje, se a princesa gritasse: “Tá melhor que a gente!”, eu daria um beijo ainda mais apaixonado no meu amor. Talvez até conseguisse dar risadas e considerar um elogio as “brincadeirinhas” dos jovens carnavalescos.
Será que a princesa encantada e seu príncipe consorte já sabem que serão os “velhinhos bonitinhos” de amanhã?
Texto de Mirian Goldenberg, na Folha de São Paulo.
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