Acho sempre difícil atender a quem me pede recomendações de livros para ler. Essas consultas têm vários tipos. Uma pessoa não lê nada, nunca. Um belo dia acha que deveria começar a ler. Haveria uma lista de indicações para ela?
O caso me parece sem esperança. Pessoas que não gostam de ler simplesmente não gostam de ler, e pronto. É como se eu pedisse que me recomendassem as melhores marcas de chuteira e bola de futebol. Posso comprar, mas não jogarei futebol mais do que 15 minutos.
Quanto aos livros bons (importantes, indispensáveis), todo mundo sabe quais são.
O melhor, em todo caso, é responder qualquer coisa simpática e tocar adiante.
A poeta polonesa Wislawa Szymborska (1923-2012) não tinha medo de ser antipática, e mesmo cruel.
Quem já viu o seu rosto, estampado por exemplo na capa dos livros publicados pela Companhia das Letras —"Um Amor Feliz", "Para o Meu Coração num Domingo", "Poemas"—, imagina uma senhorinha viva e simpática, algo mexeriqueira e maledicente, mas não brutal.
É grande, contudo, a quantidade de maus-tratos, safanões e murros em seu "Correio Literário", que a editora Âyiné publicou recentemente.
O livro reúne algumas das contribuições de Szymborska para uma revista literária polonesa. O objetivo era atender a consultas de pessoas interessadas em publicar livros e seguir uma carreira literária.
Szymborska, que viria a ganhar o prêmio Nobel em 1996, não tinha a menor piedade com os manuscritos que recebia.
Alguns exemplos.
"Nem todo aquele que sabe desenhar um gato sentado, uma casinha com fumaça na chaminé ou um rosto feito de um círculo, duas linhas e dois pontos será no futuro um grande pintor. Por enquanto, querido Marlon, seus poemas estão justamente no estágio desses desenhos."
Ela pode ser até pior.
"Difícil acreditar que a senhorita já tenha 18 anos, mais parece ter apenas 12 e ainda não teve tempo de ler nem o mais modesto dos livrinhos de divulgação científica sobre as estrelas. Porém, se a senhorita tem de fato 18 anos, então é melhor que outros escrevam poemas."
Quem lê esses comentários, hoje em dia, talvez sinta o "frisson" que sempre se teve ao ver um professor sádico reduzindo a pó, merecidamente, o aluno do fundão que sempre fez bullying em cima da gente. Mas é claro que se trata de bullying também.
Pobres aspirantes ao ofício de poeta! São em geral muito chatos e, se escrevem maus poemas, não serão capazes de entender quando alguém lhes diz que os poemas são maus. O "consultor" faz todos os esforços para explicar com gentileza. Não adianta, porque eles vão se ofender do mesmo jeito.
É por isso, sem dúvida, que Szymborska põe as garras de fora. Seus ataques, sempre expressos com um sorriso, não ajudarão os pretendentes a poeta, mas servem como catarse para todos os professores de literatura, críticos e editores que passaram pelo aperto de dar sua "opinião sincera" a quem quer que seja.
"Correio Literário" não se esgota, contudo, nessas descomposturas sem culpa. Há recomendações que, em geral, correspondem ao bom senso da estética moderna: evitar palavras pomposas, fugir de comparações batidas, jogar fora boa parte do que se escreve. Há também uma confiança, bem menos moderna, no talento —para Szymborska, ou existe, ou não. Tema espinhoso, que mereceria outro artigo.
Os conselhos de Szymborska melhoram quando se tornam mais concretos. Nada contra escrever fábulas, diz ela, mas seria melhor usar outros animais em vez de um lobo, um leão ou um carneiro. Para falar de si mesmo, observa ela em outro texto, vale a pena buscar referências em uma realidade completamente exterior —é assim que Blake fala, por exemplo, de um tigre na escuridão da selva.
Szymborska parece, neste livro, uma gata selvagem, enganosamente cochilando na poltrona, mas capaz de despedaçar quem chegue perto. Antes de ter compaixão por suas vítimas, penso entretanto que, na maior parte, são ficcionais. As batatadas e infelicidades de quem a consulta são, talvez, típicas demais para ser verdade, ou tão extravagantes que só podem ter sido inventadas.
Diverti-me. Não consegui, para dizer tudo, parar de ler. Mas não me senti muito melhor por isso.
Termino com esta nota azeda —mas não é sincera. É puro efeito de imitação, diante de um livro raro, que não mereceria (se tudo for ficção) ser chamado de destrutivo: é antisséptico.
Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo.
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