sábado, 12 de fevereiro de 2022

As aventuras de Pixinguinha em Paris


No passaporte com visto da Embaixada da França constava que o rapaz era "pardo, de 23 anos, solteiro, 1,78 m de altura, nariz regular, boca idem, olhos castanhos, barba raspada, rosto oval, cabelo preto, músico". O documento poderia acrescentar uma informação: tratava-se de um dos maiores flautistas de todos os tempos.

À frente dos Oito Batutas —que modificado e com menos um instrumentista virou Les Batutas—, Pixinguinha ia aprontar na Paris dos anos 20. A temporada no dancing Le Shéhérazade, na rue du Faubourg Montmartre, está fazendo aniversário redondo: 100 anos.

Quando o magnata Arnaldo Guinle, em cujo apartamento os batutas Pixinga, Donga e China se apresentavam em saraus para a elite carioca, aceitou uma sugestão do dançarino Duque e anunciou que bancaria as despesas da viagem, os racistas de plantão, já fulos da vida com o sucesso da orquestra no país, estrilaram de vez. Pela imprensa, atacaram a "pretalhada" e os "pardavascos que tocam violas, pandeiros e outros instrumentos rudimentares" e lamentaram "não haver uma polícia inexorável que legalmente os fisgasse pelo cós e os retirasse de bordo".

Os parisienses não estavam nem aí. Acostumados ao som dos negros americanos, curtiram os brasileiros. As parisienses também. Pixinguinha perdeu as contas das namoradas que teve: "Quatro ou seis. Lá a coisa era diferente", recordou numa entrevista à revista Manchete, em 1972. Ainda foi enganado pelo maître do Shéhérazade, que ao fim de um mês de trabalho lhe cobrou uma conta com 120 litros de rum Negrita. Por mais intenso o frio de Paris e por mais chegado que ele fosse, era Negrita demais.

No saldo musical, a convivência com jazzistas e a descoberta do saxofone. "Você toca aquele instrumento?", perguntou Guinle. Baseado nas escalas, Pixinga respondeu: "Toco", e ganhou um novinho de presente. Um dia depois o saxofone tinha sido apresentado ao choro.


Texto de Alvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo

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