sábado, 19 de fevereiro de 2022

Nídia Caldas Mafra (1960-2022): Missionária, hippie e comunista, viveu para amar ao próximo


Tão logo nasceu, Nidia Caldas Mafra foi apresentada ao bisavô materno, que era índio guarani, como a "bugrinha linda" que Deus tinha enviado para a família. E desde então, para alguns familiares e muitos amigos era apenas a Bugra.

Bugra era muitas vezes comparada a uma jaguatirica, lembra a filha Tamara Chaves Caldas Mafra Ramos, 38. "Ela era muito brava e peitava mesmo", recorda.

A braveza, porém, era só uma aliada de seu desejo de querer mudar o mundo. E, para isso, desafiou alguns padrões estéticos e de cultura. Foi comunista e hippie, mas foi como missionária que viveu plenamente.

Era início da década de 1970, quando tinha apenas 13 anos, que Bugra se juntou ao Partido Comunista de Florianópolis, onde vivia com a família.

"Ela queria mudar as coisas, fez amizades com pessoas do partido e se apaixonou pelas ideias", lembra Tamara.

A vida revolucionária caminhava com as orações da irmã mais velha, Sônia, para que ela conhecesse a Jesus.

Por insistência de Sônia, concordou em ir a um acampamento de adolescentes da igreja, mas com uma condição: se fosse e ficasse até o fim, nunca mais a irmã iria falar de Jesus para ela nem deixar bilhetes com versículos da Bíblia pela casa, como fazia com frequência.

Condições aceitas e orações atendidas. Bugra não só conheceu a Jesus como também o grande amor de sua vida, o João, que viria a ser o seu marido e pai de seus dois filhos.

E foi a partir deste acampamento que a vida de Bugra começou a ter um novo sentido: amar os amados de Jesus, em especial os mais necessitados.

Seu primeiro chamado foi quando passava pela praça 15 de Novembro, no centro de Florianópolis, e ouviu Deus dizer para que ela voltasse à praça, pois ali estava parte do povo dele. Na época, a praça 15 era tomada por hippies.

Em meio a dúvidas sobre como abordá-los, Bugra pediu confirmação e orientação a Deus, que respondeu prontamente, segundo a filha.

"Ela foi e simplesmente viveu no meio dos hippies sem dizer que era crente. Viveu com eles durante um ano. Não usou drogas e só namorava o meu pai, de quem era noiva na época. Foi durante esse tempo que ela exercitou o que acreditava: amor não é só palavra. Amor é atitude", conta Tamara.

A filha lembra que da praça 15 de Novembro saíram ao menos 30 missionários, hippies que se converteram ao Evangelho e foram para o mundo pregar o amor de Jesus. Bugra só deixou de ser missionária entre os hippies para se dedicar aos filhos.

Em 1991, após uma pregação na igreja Batista de Florianópolis, fundou o Projeto Siloé, ONG que acolhe dependentes químicos e seus familiares, além de atuar em hospitais e presídios.

Em 2006, quando ficou viúva, Bugra decidiu intensificar sua vocação missionária e se dedicava integralmente à pregação do Evangelho e à Capelania Hospitalar.

"Ela amou muita gente que muitos não conseguem amar. Ela sempre dizia: ‘se a gente não for [ajudar os necessitados], quem é que vai? Não podem nos impedir de amar’", conta a filha.

Bugra teve um AVC em 2018, mas se recuperou completamente. Em 31 de janeiro deste ano, teve uma série de convulsões em casa e foi levada ao hospital já em coma. No dia 7 de fevereiro, não resistiu às complicações das convulsões. Morreu no mesmo dia em que completaria 41 anos de casada.

Viúva, Bugra deixa dois filhos, Tamara e Josué, três netos e muitos irmãos e irmãs de fé, que conheceram o amor de Jesus por meio de sua missão.


Texto escrito por Regiane Soares, publicado na Folha de São Paulo.

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