sábado, 5 de fevereiro de 2022

A China do futuro


As pessoas superestimam a China a curto prazo e a subestimam a longo prazo. No Ano do Tigre, que começou nesta semana, o medo é que a ômicron vá vencer a estratégia Covid zero do país, jogando o mundo em uma recessão. Mas mais importante que o futuro do país ao fim de 2022 é que acontecerá em 2032. Ou 2042, ou 2052.

Não vai demorar muito para a economia chinesa ser o dobro da economia americana. E é essa China, que pode chegar a um terço do PIB mundial, que é desconhecida no Brasil.

A escala do que acontece aqui é quase inimaginável. A cada dois anos, usa-se mais cimento na China do que em todo o século 20 nos Estados Unidos. O país, sozinho, responde por mais de 50% da demanda de cimento do mundo. E essa procura está longe de arrefecer.

Mais de 400 milhões de chineses vivem no campo, com renda comparável à de um brasileiro em zona rural (em Gansu, província pobre, a renda per capita é de R$ 2.500 por mês, contando as cidades), enquanto em Xangai essa renda é cinco vezes maior. Só que na China os direitos a serviços públicos estão ligados ao lugar de nascença, o chamado hukou.

Assim, um migrante pode ir para a cidade grande, mas não tem direito a escola para os filhos, nem saúde pública (que é gratuita só até certo ponto —tratamentos caros são problemas das famílias). O que acontece é que cidades gigantescas acabam sendo criadas nas províncias mais pobres.

E essa urbanização é um grande motor de crescimento. A crise da Evergrande é um problema de curto, mas não longo prazo. Apesar de a infraestrutura básica nas grandes cidades estar pronta, o que ainda tem por vir é muita coisa.

Um dos medos do governo para manter a estratégia de Covid zero é porque faltam hospitais e clínicas em grande parte do país. E uma das grandes questões que devem ser respondidas nos próximos anos é: a China vai criar uma rede de seguridade social?

Hoje, aqui é capitalismo quase na pura essência. O Estado dá alguma coisa, como educação quase gratuita, mas as famílias são responsáveis por cuidar dos seus se houver algum problema, como desemprego ou doença.

Mesmo na pandemia, com as pessoas em lockdown, o governo não distribuiu renda em larga escala como fizeram outros países. No máximo, houve alguma ajuda pontual, para os mais pobres.

Grande parte do país é atrasada. Tem gente que mora em casas com chão de barro, não muito diferente das partes mais pobres do mundo. E as escolas do interior são fracas, na média. Se por um lado isso gera imensa desigualdade, por outro é um mar de oportunidades para o crescimento do país, já que o desenvolvimento do resto do país continua a puxar mudanças nas áreas mais atrasadas.

Não há limite para a China crescer 5% ao ano nos próximos 30 anos. Se isso acontecer, em 2052 a produtividade do trabalhador médio ainda não passará de dois terços de um americano.

Cidades como Xangai já estão em franco processo de desindustrialização. As indústrias de cacarecos e roupas já estão saindo do país, pois mesmo nas províncias mais pobres os salários já não são de fome há anos.

Nos próximos 30 anos, uma população que é o dobro da brasileira vai sair da pobreza. A China vai ser um país rico? Mesmo que isso não aconteça, pois o autoritarismo pode desestabilizar a economia, e há barreiras demográficas, as mudanças para o resto do mundo serão tremendas. Estaremos preparados para isso?


Texto de Rodrigo Zeidan, na Folha de São Paulo

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