domingo, 28 de março de 2021

Jogadores do Maracanazo, como Barbosa, não são festejados ao completarem um século


O lateral direito Augusto completaria 100 anos em outubro passado e a data passou em branco.

O zagueiro Danilo também, em dezembro de 2020.

Assim como Jair Rosa Pinto, lembrado, é verdade, aqui e ali no último domingo (21), provavelmente mais pelos caçadores de efemérides em tempos de pandemia.

Neste sábado (27) Barbosa faria 100 anos.

Em setembro que vem será a vez de Zizinho, o Mestre Ziza, ídolo do Rei Pelé, dia 14.

Em 2022, Bigode, Ademir de Menezes, o Queixada e Chico.

Juvenal fica para 2023 e Bauer só em 2025. Entre um e outro, em 2024, Friaça, o autor do solitário gol brasileiro, o do 1 a 0 no fatídico 2 a 1 para o Uruguai.

De todos os brasileiros participantes da final da Copa do Mundo de 1950 no Maracanã com lendários 200 mil torcedores, o goleiro negro Barbosa é o protagonista mais dramático, bode expiatório da derrota dolorosa.

Moacyr Barbosa Nascimento morreu culpado irremediavelmente em 2000, condenado à prisão perpétua como lamentava nos últimos anos de vida.

Não por coincidência, a culpa é até hoje dividida com outro negro, o lateral esquerdo Bigode, acusado de covardia por não ter reagido à suposta bofetada no rosto desferido pelo capitão uruguaio Obdulio Varela, e em cima de quem Gigghia fez o gol da virada.

Obdulio, também negro, negou a agressão até morrer e para sempre é tido como o grande herói daquela Copa, pelos brasileiros inclusive, como se os negros uruguaios valessem mais que os nacionais.

A injustiça com Bigode, no entanto, não produziu restrição aos laterais pretos, diferentemente do que se deu em relação aos goleiros, a ponto de a seleção brasileira só voltar a ter um como titular em 2006, na Alemanha, 56 anos depois do Maracanazo.

Nunca ninguém admitiu o preconceito, nem precisava.

O centenário de Barbosa não é comemorado. No máximo, é lembrado como desagravo, tardio, sem o testemunho dele, cuja entrada na concentração da seleção, em 1993, antes do jogo contra o mesmo Uruguai que definiu a classificação para a Copa nos Estados Unidos, teria sido negada (há quem desminta) para não dar azar.

Tivesse mesmo tomado o tapa, Bigode, caso o Brasil saísse vencedor, seria elogiado pela maturidade, pelo sangue frio, por não ter caído na provocação e desfalcado o time.

Também entre o 2 a 1, marcado aos 34 minutos do segundo tempo, e o fim do jogo, houve tempo suficiente para o empate que significaria o título.

Não importa: a culpa é de Barbosa, pela falha no gol.

No dia 1º de janeiro de 2046, Roberto Rivellino, um dos heróis do tricampeonato em 1970, completará 100 anos e será devidamente festejado.

Apesar de, em 1974, ter sido responsabilizado injustamente pela derrota do Corinthians contra o Palmeiras, na decisão estadual que acabaria com o jejum de 20 anos sem títulos.

Três dias antes, no primeiro jogo das finais, empate em 1 a 1, ele recebeu milhões de elogios por ter jogado para o time, sem um pingo de estrelismo.

Pois repetiu sem tirar nem por a atuação no jogo definitivo, derrota alvinegra por 1 a 0.

O mundo caiu sobre sua cabeça, tronco e membros e, por exigência da torcida, o melhor jogador da história corintiana acabou vendido para o Fluminense.

Melhor prova impossível de que a voz do povo nem sempre é divina.

Melhor prova, não! A melhor segue sendo a da injustiça cometida com Barbosa.


Texto de Juca Kfouri, na Folha de São Paulo

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