terça-feira, 16 de março de 2021

Não vejo a hora de reencontrar semiconhecidos e fazer uma festa para celebrar

 

A chegada da pandemia ao Brasil está fazendo seu primeiro aniversário. Uma data impossível de passar em branco, já que a crise sanitária atinge seu pior momento até agora.

Sobreviver a uma pandemia no berço esplêndido do negacionismo, às margens plácidas do colapso, ouvindo o brado retumbante do pior líder mundial a lidar com o coronavírus não é para qualquer um.

Completamos um ano de saudades, das mais brutais às mais caprichosas. Saudades de pessoas, hábitos, subsistências. Mas entre tantas as variantes, hoje me chamou a atenção talvez a mais esquisita de todas. A saudade dos semiconhecidos.

Um semiconhecido é, em essência, alguém de quem você jamais sentiria falta.

Alguém que você não conhece, mas que conhece alguém que você conhece. Alguém a quem você talvez já tenha sido apresentada, mas vocês fizeram um acordo telepático de fingir que esse momento nunca aconteceu. Alguém que você cumprimenta com as sobrancelhas, quando não prefere atravessar a rua e poupar os músculos da testa.

O semiconhecido é o pesadelo dos tímidos e antissociais. Eu, que não sou tímida nem antissocial, também não era grande entusiasta dessa galerinha. Enchia a boca para dizer que tal bar de esquina em Botafogo era infrequentável pelo excesso de semiconhecidos.

Gente com a qual você não tem nem assunto nem intimidade. Já tentou conversar com um semiconhecido? Se sim, qual foi seu recorde de gafes por minuto? O cara se chama Diego, você falou Diogo. Duas vezes. Você pergunta da namorada, eles já terminaram há dois anos. Vocês se despedem, mas vão para a mesma direção e caminham, em silêncio, lado a lado, enquanto desejam no íntimo que um ônibus desgovernado suba na calçada e acabe de uma vez com aquela agonia.

Sinto mais falta dos conhecidos, sem dúvidas, mas para esses existe a tecnologia. Agora, para um semiconhecido eu não posso fazer uma ligação de vídeo por WhatsApp e responder perguntas retóricas com perguntas retóricas. Eu não tenho o WhatsApp dessas pessoas.

Os semiconhecidos desapareceram do meu radar feito submarinos fantasmas. É como assistir a um filme sem figurantes, você não acredita naquele universo. Quem vai furar a minha bolha agora?

Quando a gente voltar a ter motivos para comemorar, prometo convidar todos os meus semiconhecidos para uma festa.


Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário