segunda-feira, 22 de março de 2021

O que faria se sua mãe jamais soubesse que você é o maior ídolo das novelas?


No capítulo em que Carlão acha uma mala com notas de cem cruzeiros dentro de seu táxi, dizem que faltou espaço no sofá lá de casa. Todos amontoados diante do televisor.

Francisco Cuoco já era o artista mais popular das novelas, além de galã favorito da autora Janete Clair —e da minha mãe. Da minha avó. De todas as vizinhas do bairro.

Não havia nada sobre ele que as fãs e a revista Amiga não comentassem: das exuberantes sobrancelhas à respeitada carreira no teatro, passando pela simpatia com que valsou na festa de 15 anos da sobrinha de uma conhecida.

O pop não poupava Cuoco. “Teve uma vez que ele foi cercado por tanta gente que congestionou o Viaduto do Chá”, relatava minha madrinha.

Cresci tão próxima de “O Astro” que só faltava conhecê-lo de perto. Logo eu, que nem ligava para famosos. Ou pelo menos achava isso, até que esbarrei em Francisco Cuoco nos bastidores. Foi como se um coro de parentas me berrasse ao ouvido: “Vai lá, fala com ele! Pergunta se ele beijava a Regina Duarte pra valer!”. Ai, que vergonha alheia da minha memória afetiva.

Por sorte, intervalos de gravação são demorados e conversamos por horas. Veio até mais gente ouvir. Com seu vozeirão inconfundível, contou da sua vida como feirante no Brás.

Da marcenaria que a família teve no Jaçanã. E um fato trágico, digno dos folhetins que interpretou —em 1964, no mesmo dia em que seu pai morreu, a mãe teve um AVC que a deixou em coma por 11 anos.
Antonieta Cuoco simplesmente não viu seu filho fazer sucesso. Ela o perdeu sendo descoberto pela TV Tupi, virando mocinho nas tramas da Excelsior e escalado como o primeiro Roque Santeiro da Globo, censurado pela ditadura.

Não estava, sobretudo, entre os que deram 100% de audiência ao lendário capítulo de “Selva de Pedra”. Morreu enquanto o ator estrelava “Pecado Capital”, vivendo seu protagonista até hoje mais lembrado.

Perguntei o que sonhava a mãe do ídolo que para ela ficou inédito. Que planos tinha? Sorrindo nostálgico, relembrou Antonieta lhe pedindo para estudar direito. “Já que você não quer ser médico, Nino.”

Em tempo: “Nino” foi médico pelo menos três vezes na TV. Na novela “Redenção”, fez o primeiro transplante de coração do Brasil —antes do doutor Zerbini, na vida real. Isso sim é ser mito. Melhor do que muito ministro da Saúde.


Texto de Bia Braune, na Folha de São Paulo

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