Se Antonio Maria —100 anos na quarta-feira (17)— estivesse entre nós, reagiria à altura a dois insultos recorrentes contra um patrimônio musical brasileiro: o samba-canção. O primeiro, o de que ele seria "o nosso bolero" —um disparate, porque quando o bolero chegou por aqui, nos anos 40, o samba-canção já era velho de pelo menos dez anos. E outro, mais sutil e ainda mais ofensivo, o de chamá-lo de "pré-bossa nova", subentendendo que ele seria um estágio anterior, inferior e preparatório de um gênero musical mais completo.
Maria diria, com razão, que, com sua exuberância melódica, sensualidade rítmica e beleza lírica, o samba-canção não devia nada a ninguém. Em seu apogeu, 1945-65, foi uma das grandes músicas românticas do mundo, no tempo em que todos os países produziam música romântica. E, para provar, Maria poderia exibir sua própria obra como compositor e letrista, sozinho ou com parceiros como Ismael Neto, Vinicius de Moraes, Fernando Lobo, Pernambuco e Luiz Bonfá, e toda ela na voz dos grandes cantores.
É só ouvir "Ninguém me Ama", "Menino Grande" e "Madrugada Três e Cinco", com Nora Ney; "Valsa de uma Cidade", com Lucio Alves; "Canção da Volta", com Dolores Duran; "Suas Mãos", com Maysa; "A Noite é Grande", com Heleninha Costa; "O Amor e a Rosa", com Elizeth Cardoso; "Se Eu Morresse Amanhã" e "Quando Tu Passas por Mim", com Aracy de Almeida; "A Canção dos Seus Olhos", com Sylvia Telles; "Samba de Orfeu", com Luciene Franco; e, claro, "Manhã de Carnaval", com Agostinho dos Santos.
É uma senhora obra, brindada também por Nat King Cole cantando em português "Ninguém me Ama" e "Suas Mãos"; Frank Sinatra, "A Day in the Life of a Fool" ("Manhã de Carnaval") e as dezenas de jazzistas americanos que gravaram "Samba de Orfeu".
Maria morreu de infarto em 1964, aos 43 anos, mas viveu para ouvir tudo isso. E ainda foi casado com Danuza Leão.
Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo.
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