Em 1931, o jornalista Mário Filho, jovem de 22 anos, criou o Mundo Sportivo, um jornal dedicado de cabo a rabo ao esporte. De curta duração, o jornal cobriu o campeonato carioca de futebol e patrocinou, em 1932, o primeiro desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro.
No final da década de 1920, o alufá (sacerdote de um culto que misturava o islamismo à devoção aos orixás) José Espinguela já tinha organizado a primeira disputa entre sambistas das escolas que surgiam. Não foi ainda um desfile: o concurso de Espinguela visava julgar apenas os sambas que os compositores das escolas faziam.
O desfile que Mário Filho promoveu contou com a participação de dezenove agremiações, que se exibiram frente a um coreto montado na Praça Onze. Ao promover o concurso, Mário Filho manteve o jornal ativo durante o recesso de verão do futebol. A popularização do jogo e do carnaval, na visão do jornalista, faria deles os dois elementos mais emblemáticos da cultura popular brasileira.
Em 1936, já com fama de ser o craque da imprensa esportiva que surgia, Mário Filho recebeu a ajuda dos amigos Roberto Marinho, seu companheiro de sinuca, José Bastos Padilha e Arnaldo Guinle para comprar o Jornal dos Sports.
O jornal tinha sido fundado também em 1931, pouco depois do Mundo Sportivo, por Argemiro Bulcão e Ozéas Mota. A ideia original era a de valorizar todos os tipos de esportes e estava expressa no logotipo, que unia praticantes de futebol, remo, tênis, boxe, hipismo, golfe, modalidades de atletismo e natação. Em 23 de março de 1936, o jornal foi impresso em cor de rosa pela primeira vez, como o francês L'Auto e o italiano La Gazzeta dello Sport. Em outubro, passou às mãos de Mário Filho.
A construção do estádio que sediaria os jogos da Copa do Mundo de 1950, no Rio de Janeiro, despertou paixões. O vereador Carlos Lacerda, por exemplo, defendia aos berros que a obra fosse erguida na Baixada de Jacarepaguá.
Mário Filho fez dupla com o compositor e vereador Ary Barroso na luta para que o estádio fosse erguido no Maracanã, uma região da cidade acessível não apenas aos habitantes da Zona Sul, mas também aos cariocas de baixa renda, já que ficava pertinho da estação ferroviária da Mangueira.
Como militante da causa, Mário Filho criou no Jornal dos Sports a coluna “A batalha pelo estádio”, insistindo em uma construção que incluísse o que chamava de “grandes massas”: pobres, ricos, brancos, pretos, homens, mulheres e crianças.
Grande estimulador do esporte de massa, Mário inventou a sigla Fla x Flu, criou os Jogos da Primavera, os Jogos Infantis, os torneios de peladas no Aterro do Flamengo e o Torneio Rio-São Paulo de futebol. Fazia todo sentido, portanto, que o estádio por ele defendido fosse fundamentalmente popular.
Além de ser um homem de ação –os amigos desconfiavam que ele não dormia nunca– Mário Filho foi um escritor de mão cheia. Livros como “O Negro no Futebol Brasileiro”, “Histórias do Flamengo”, “Viagem em Torno de Pelé”, “Copa do Mundo de 62”, “Infância de Portinari" e as crônicas reunidas em “Sapo de Arubinha” colocam o autor na prateleira de cima das nossas letras.
Mário Filho morreu aos 58 anos, em 1966. O radialista Waldir Amaral foi o primeiro a sugerir que o nome do jornalista fosse incorporado ao do estádio, proposta que logo recebeu adesões entusiasmadas e se concretizou.
Por tudo isso, a ideia de tirar o nome de Mário Filho do estádio para homenagear Pelé é inconcebível. Pelé merece todas as homenagens, sem dúvidas. No bairro do Maracanã mesmo, pertinho do estádio, existe uma praça chamada Presidente Emílio Garrastazu Médici. Fica a sugestão: tirem da praça o nome do ditador e coloquem o do Rei do Futebol.
Os golpes que o Maracanã sofreu nos últimos tempos foram terríveis. O estádio virou uma arena elitizada, a marquise, uma obra-prima da nossa arquitetura, foi destruída. É difícil diferenciar o Maracanã do estádio de Kiev, na Ucrânia. Agora vem a ideia de se apagar da memória do lugar o nome de Mário Filho, homem que passou a vida cerzindo a cidade que tantos preferem retalhar.
O Maracanã foi a encarnação do sonho de um país fraterno, que hoje parece se esfarelar em ódio. Um sonho popular feito de pedra, cimento, grama, paixão e gol. Mário Filho foi o maior dos seus sonhadores.
Texto de Luiz Antonio Simas, na Folha de São Paulo.
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