Não é que a morte esteja chegando perto. Desde que a Covid começou, ela nunca esteve longe. Meu primeiro amigo a partir com a doença foi o artista plástico e educador Daniel Azulay, criador da Turma do Lambe-Lambe, e isso já tem um ano. Foi em março de 2020, quando ainda começávamos a nos acostumar com as máscaras. Em maio, a morte de Aldir Blanc equivaleu a silenciar um milhão de palavras --as que ele ainda não tinha escrito. Mas foi todo um mês de devastação: a radialista Daysi Lucidi, o cantor Carlos José, o compositor Evaldo Gouveia, o romancista Sergio Sant'Anna, a poeta Olga Savary e a grande dama da sociedade Lourdes Catão.
Em junho, perdemos a cantora Dulce Nunes, uma das inspiradoras da bossa nova, o economista e historiador Carlos Lessa e o fotógrafo Pedro Oswaldo Cruz, a quem o patrimônio histórico do Rio tanto ficou devendo. Em julho, o jornalista José-Itamar de Freitas, o teatrólogo Antonio Bivar e o apresentador de TV Rodrigo Rodrigues. Em agosto, o médico e cientista Elsimar Coutinho. Nos meses seguintes, a maldita pareceu dar uma trégua, mas voltou a ceifar em dezembro, levando, entre muitos, a atriz Nicete Bruno e a jornalista e psiquiatra Germana de Lamare. E não parou mais.
A alguns fui só apresentado; com outros, convivi por décadas. Mas os admirei todos, e não é possível resumir o que deram aos seus amigos e à cultura do Brasil.
É intolerável pensar que ainda poderiam estar aqui, ativos e produtivos, não fosse um governante estúpido, cruel e debochado que, em vez de levar a nação a se proteger, semeou a morte ao instaurar de propósito a confusão. O que falta para responsabilizá-lo pela perda de cada vida e da vida de 300 mil brasileiros?
Essa lista contém apenas alguns dos meus mortos. Que cada leitor faça a sua. Quando a besta-fera começar a responder por seus crimes, precisaremos dessa contabilidade em detalhes.
Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo.
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