A política brasileira embrutece e emburrece. Não só por causa de Bolsonaro. Ele diz mentiras às pencas porque sabe que são engolidas com casca e tudo. Preside uma destruição sem paralelo na história nacional e ainda assim trota rumo ao golpe. Mas não é só ele que esculhamba o Brasil.
O que abate a política atual é a pasmaceira. Bolsonaro continua nas boas graças de megaempresários e microexecutivos, de senadores e deputados risíveis, de pastores e padres cúpidos, de generalecos e juízes chinfrins, da banca cinzenta e da juventude dourada.
O 1% está com ele. Porque lucram com a Bolsopeste; ou descolam escrivaninhas para si e os seus; ou abocanham verbas e concorrências; ou babam por privatizações na bacia das almas; ou porque querem passar a boiada toda e acabar com os direitos dos desprezados.
Para piorar, uns 29% dos brasileiros aclamam qualquer pestilência do presidente. São os mata-mouros de ignorância rompante, os marombados que cravam o sorvete na testa. Os bofes de maus bofes que estão doidos para dar um pau nos maricas.
Por fim, 70% oscilam entre a frescura e o mimimi, segundo o presidente. Como bater panela na janela não é agir, eles já aguentaram 261 mil mortes, o bilu-bilu nos filhos, o desmonte da democracia, o desemprego na estratosfera, as boquinhas da milicada que açambarcou o Planalto —e só sairá de lá escorraçada.
A maioria silenciosa tem como porta-voz uma minoria iracunda, a dos profissionais da indignação. É com as veias do pescoço intumescidas que eles lançam reptos, impropérios, mandingas, sarcasmos, perdigotos, imputações. Puxa, que coragem.
Uma coragem discursiva, porém. A retórica briosa é válvula de escape, tagarelice que disfarça o raquitismo da nano-oposição, sua incapacidade em enfrentar Bolsonaro. Como ele é o campeão da baixaria, e bate abaixo da cintura, não há como encurralá-lo no ringue da baixeza verbal.
É de propósito que chama a galera para bate-bocas. Pois assim troca evidências materiais, como o palacete kitsch de 6 milhões de pixulés de Flávio Rachadinha, por delírios metafísicos do tipo spray antipeste. Acha melhor ser bucéfalo que trombadão.
Há raposas que entram na esparrela por esperteza. São os interesseiros do quanto-pior-pra-ele-melhor-pra-nós, a turma do lero-lero que cabe numa cifra: 2022, o ano santo em que ficarão por cima da carne seca. São parceiros do descalabro presidencial.
E há a maioria da maioria: os cansados de tanta guerra. São os que iriam à rua dar um basta a Bolsonaro, mas temem voltar para casa com a peste no sangue. Os acabrunhados pela traição do PT, pela lhaneza com que seus chefes foram corrompidos por empreiteiros.
Entre eles há também os que confiaram na Lava Jato, mas viram que seus heróis são manipuladores em proveito próprio, gananciosos vulgares.
De modo que, parafraseando Adorno, morrer de peste no Brasil de hoje atesta a irrelevância do ser vivo diante do absoluto social. A situação é tão sem saída que o ceticismo parece ter se entranhado no tecido nacional. Daí o embrutecimento e emburrecimento.
O mal-estar é evidente. Mas talvez ele seja sinal de uma volatilidade prestes a forçar saídas inesperadas. Como é melhor imaginar que se conformar, cabe tirar a política do piloto automático.
Pé no chão, porém. Se vingar a tradição, pode até ocorrer um estouro social. Algo entre a campanha das Diretas e o levante de 2013: uma revolta que sacuda a nação e o poder.
As explosões de massa em países pobres costumam ter fôlego curto. Por eles por não contarem com uma classe forte o suficiente para lhe servir de coluna vertebral. Também não constroem estruturas organizativas que imponham suas reivindicações. Tanto que as Diretas e 2013 foram derrotadas
Outro costume nacional, que serve de recurso para as autoridades civis, militares e eclesiásticas de todos os séculos, é a conciliação. Nesse cenário, governadores, Congresso e o Supremo, mancomunados com o empresariado e o Exército, mandariam Bolsonaro passear.
As duas alternativas implicam na queda do presidente. Num caso, ele apontaria para uma Assembleia Constituinte. Noutro, poria de pé um governo de união nacional. Ele organizaria a vacinação coletiva e daria um primeiro trato na debacle econômica. Depois, veria o que fazer.
Uma terceira possibilidade é tudo continuar como está. Ou seja: aprofundamento da degradação e do apodrecimento. A pasmaceira seria coroada por um golpe, uma saraivada de mortes à la Mianmar.
Texto de Mario Sergio Conti, na Folha de São Paulo.
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