segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Livro provoca o interesse das famílias alemãs pela história da era nazista


Soldados alemães derrubam uma barreira na fronteira com a Polônia no primeiro dia da  Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

O historiador Moritz Pfeiffer pergumentou ao seu avô sobre a era nazista e ficou surpreso pela falta de empatia do ex-soldado para com as vítimas do Terceiro Reich. Seu livro tem despertado o interesse dos alemães mais velhos perplexos e curiosos com o que fez seus pais seguirem Hitler. É uma pergunta que pouco interessa as gerações mais jovens.

O historiador alemão Moritz Pfeiffer inovou este ano com um livro analisando por que seus avós apoiaram o regime nazista, baseado numa entrevista com seu avô e um sistemática verificação dos fatos de suas declarações.

Sua abordagem foi sem precedentes. Os papéis desempenhados pelos pais e avós durante a era nazista têm sido um assunto tabu em muitas famílias alemãs.

No livro, “Meu avô na Guerra 1939-1945”, publicado em março, Pfeiffer disse que seus avós haviam sofrido da mesma “insanidade moral” que tomou muitos alemães de sua geração – uma frieza emocional, uma falta de autocrítica e “um forte déficit de julgamento moral”.     
Ele disse esperar que outros de sua geração sigam o exemplo e comecem a questionar parentes dessa geração antes que o Terceiro Reich saia da memória viva.

A julgar pela reação ao seu livro nos últimos meses, o chamado encontrou ouvidos surdos no que diz respeito aos alemães mais jovens. Mas atingiu as pessoas mais velhas nascidas durante ou logo após a guerra, muitas das quais sentem que ignoram o que seus pais fizeram e pensavam, disse Pfeiffer à “Spiegel Online”.

Das centenas de pessoas que assistiram às leituras de seu livro este ano, a maioria tinha entre 50 e 70 anos.

“Em cada uma das minhas leituras, pessoas daquela geração disseram que seus pais não lhes contaram nada”, disse Pfeiffer, historiador que trabalha num museu sobre a SS no Castelo Wewelsburg. “A vida familiar foi marcada por silêncio, evasão e supressão em relação às experiências durante o período de 1933-1945. Além disso, as pessoas me disseram que sentem não ter aprendido muito sobre isso na escola também”.

Por outro lado, as gerações mais jovens, os netos e bisnetos, aprenderam extensivamente sobre o Holocausto e o nazismo na escola, através de documentários de televisão, de memoriais públicos e da internet, disse Pfeiffer. Mas, embora sejam bem informados, veem isso como um evento abstrato desconectado de sua própria história familiar pessoal – muito embora milhões de alemães soubessem do Holocausto enquanto ele estava acontecendo.

“Meu livro parece tratar de um ponto sensível para a geração dos filhos, enquanto os netos não parecem ver ou querer ver a ligação entre suas próprias famílias e o nacional-socialismo, ou simplesmente consideram o assunto irrelevante”, disse Pfeiffer.

Ele acredita que as conversas com os avós oferecem uma oportunidade importante e que está desaparecendo para entender como as pessoas comuns caíram no discurso de Hitler. As famílias alemãs correm o risco de deixar essa chance passar, disse ele, embora as pessoas que já eram adultas no período de 1933-1945, muitas das quais estão agora confinadas a asilos, estejam começando a quebrar o silêncio.

"Falando francamente, as testemunhas oculares querem falar, mas ninguém mais as está ouvindo”, disse Pfeiffer. “Acho que é uma reação natural do ser humano refletir sobre a vida quando se aproxima do fim. A juventude e o início da vida adulta são capítulos especialmente importantes da vida. E a geração que agora está nos asilos testemunhou coisas extremas com essa idade. A guerra, o perigo da morte, ataques aéreos, talvez tornando-se refugiados, vendo suas vidas ruir e tendo que começar tudo de novo.

“Além disso, é claro, existe o debate sobre os crimes alemães, a questão por muito tempo reprimida sobre o que eles sabiam ou as coisas pelas quais também foram responsáveis.”
Este impulso para relembrar não resulta necessariamente de qualquer desejo de expressar culpa ou responsabilidade coletiva, acrescentou.

Seu próprio avô, Hans Hermann K., que foi um oficial de carreira num regimento de infantaria da Wehrmacht e lutou na França, Polônia e União Soviética, disse não se sentir parte da culpa coletiva pelo Holocausto.

No livro, Pfeiffer escreve que achou a indiferença de seu avô para com o sofrimento da população polonesa, 6 milhões dos quais morreram na guerra “cambaleante”.

Durante o curso de sua pesquisa, Pfeiffer encontrou lacunas e contradições no testemunho de Hans Hermann – a respeito de sua suposta ignorância quanto às execuções em massa de civis, por exemplo. Tanto seu avô quando sua avó morreram em 2006.

Pfeiffer disse que a maioria das 100 cartas e e-mails que recebeu em resposta ao livro foram positivos. “Fiquei muito satisfeito quando os leitores reconheceram que o meu amor por meus avós não foi colocado em dúvida por minha pesquisa e as descobertas”, disse Pfeiffer. “Por outro lado, as respostas negativas, acusando-me de uma espécie de traição familiar me irritaram e machucaram.”

Ele disse ter recebido muitos pedidos de ajuda para pesquisas sobre história familiar. “As fontes mais diretas podem ser encontrados na casa da família, talvez no sótão ou em prateleiras: álbuns de fotos antigas, cartas da frente de batalha, diários etc”, disse Pfeiffer.

Além disso, arquivos por toda a Alemanha, como o arquivo nacional Bundesarchiv em Berlim e o arquivo militar em Freiburg contêm documentos oficiais, tais como arquivos pessoais, correspondência oficial e arquivos militares que podem lançar luz sobre a história da família.

Pode-se também apresentar um pedido de pesquisa para a Dienststelle Deutsche, uma agência que mantém registros de antigos membros da Wehrmacht alemã mortos em ação ou tomados como prisioneiros, disse Pfeiffer.

Ele disse que também recebeu cartas de pessoas contando sobre seus próprios parentes. Algumas respostas de alemães que haviam emigrado revelaram uma visão revisionista da história nazista, disse ele. “Por exemplo, eu fui acusado de não abordar os crimes de guerra dos aliados e de ter adotado uma visão unilateral da história escrita pelas potências vencedoras”.

Hoje, muitos jovens alemães preferem esquecer a época e com razão sentem que não há necessidade de assumir qualquer culpa pessoal, disse ele.

“Acho que os jovens estão numa situação muito complexa. Em contraste com a mentalidade de silêncio e repressão dos anos do pós-guerra, eles são bastante confrontados com o período de 1933-1945 em sua vida privada e pública. Acho que há uma grande desejo de ser 'normal'”.

Texto de David Crossland, para a Der Spiegel, reproduzido no UOL. Tradução de Eloise de Vylder.

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