segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Grécia: "Estamos nos tornando uma colônia de Bruxelas"


Grécia: "Estamos nos tornando uma colônia de Bruxelas"

Alain Salles
Em Atenas

“Acham que somos preguiçosos?” Mal começara o encontro com Chris Bossinikis e Maria Sotiraki, um casal de funcionários públicos, e Chris lançou a pergunta.

Assim como muitos gregos, Chris se sentiu humilhado pela imagem de um país que tomava banho de Sol enquanto o Norte da Europa trabalhava no frio. O economista Patrick Artus mostrou que o clichê não tinha fundamento, e que os países mediterrâneos trabalhavam até mais do que outros países europeus, mas a imagem ficou.

Chris é jardineiro no principal centro de reciclagem de Atenas, onde ele cuida dos entornos e planta. Quando suas horas de trabalho terminam e não há nenhuma manifestação – é muito difícil ele perder uma - , ele trabalha na casa de famílias ou em empresas. Sua mulher também trabalha no centro de reciclagem, no escritório.

São funcionários públicos sem estabilidade. Há oito anos trabalham sob contrato e nunca foram efetivados. E, desde o outono de 2010, o governo, intimado pela “troika” dos financiadores de Atenas – o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia – a fazer economia, vem tentando terminar seu contrato. Mas a cada seis meses Chris e Maria recorrem à Justiça, que invalida a decisão administrativa.

Assim como 16% da população ativa, eles correm o risco de se verem desempregados. “Desde setembro, um em cada dois pacientes perdeu seu trabalho durante o ano”, constata o psiquiatra Dimitris Ploumidis, que atende no subúrbio de Atenas.

A Grécia está doente. O número de casos de depressão vem aumentando, bem como o de suicídios, sendo que o país por muito tempo se orgulhou de ser o lanterninha da Europa nesse domínio. Uma espécie de depressão coletiva, nascida nesse túnel da recessão que não tem fim.

Manifestantes regulares ou ocasionais, candidatos a partirem para a Austrália ou outros destinos menos distantes, todos eles falam nesse mal-estar: “Não há futuro na Grécia”.

O governo socialista de Georges Papandreou se esgotou. Dentro do país ele é criticado pelo radicalismo de suas medidas de austeridade, e fora dele é criticado pela demora em colocá-las em prática. A oposição tem avançado nas pesquisas, mas a rejeição aos políticos afeta os dois partidos que se alternam no poder desde 1974. O memorando e as medidas de austeridade haviam sido aceitos em maio de 2010. Estas últimas são consideradas dolorosas demais – e ineficazes – pela maioria dos gregos, de todas as classes sociais, desde o desempregado até o diretor de empresa. Eles estão apertando o cinto e não veem resultados.

A “troika” acaba de reconhecer isso implicitamente, estabelecendo para 2021 uma volta aos mercados para o Estado grego, o que significa mais dez anos de subsídios monetários e de privações. As manifestações, marcadas por violência, como mostram as imagens que passam continuamente em todas as televisões do mundo, servem para extravasar a raiva. Elas não impediram nenhuma medida de austeridade.

Do lado da Europa, cujas cúpulas anunciadas como decisivas resultaram em uma decepção após a outra, as esperanças também parecem vãs. Desde a queda da ditadura, o horizonte político grego se voltou para a Europa. A marcha na direção da União Europeia e a entrada na zona do euro eram sinônimos de modernidade e de prosperidade. “É a primeira vez que os gregos têm tantas reservas quanto à maturidade da liderança europeia”, constata o cientista político Georges Sefertzis.

Segundo as pesquisas, ainda existe uma maioria de defensores da moeda única e da construção europeia. Mas as dúvidas se instalam. E se exprimem. Iannis Mavris, do instituto de pesquisa Public Issue, falou em maio sobre “a erosão gradual do sentimento pró-europeu na Grécia”.

“Não queremos ser os pobres dessa comunidade europeia”, explica Maria. Os fundos europeus – tão mal utilizados e muitas vezes desviados na Grécia – deveriam, no entanto, ajudar a diminuir a diferença com os países mais ricos. A História mostrou que o crescimento grego dos anos 2000 se dava sobre a areia do endividamento.

Os atrasos acumulados pelo governo para realizar as privatizações e outras reformas prometidas levaram a um reforço dos controles e das iniciativas da Europa ou da “troika”. “Sinto-me humilhado como grego quando ouço que a venda do patrimônio do país poderá ser feita em Bruxelas. Nós nos tornamos uma colônia”, se revolta Dimitris Ploumidis.

“A Europa não vai dar certo. O Norte quer se separar do Sul. Não temos a mesma mentalidade”, explica Savvas Lazos. Esse garagista de Salônica, no norte do país, quer ir embora para a Austrália; ele não consegue mais vender seus veículos 4 x 4, que eram mania na década de prosperidade dos anos 2000.

Georges Karambelis faz muito sucesso nas manifestações com seu cartaz “Wanted” [“Procura-se”] e a imagem de Georges Papandreou e de seu ministro das Finanças, Evangelos Venizélos, esses “fantoches da troika”. Recompensa prometida: “uma vida livre”. Karambelis, que é diretor da revista de extrema esquerda nacionalista “Ardin”, é favor da Europa, indispensável para Atenas diante da ascensão da Turquia. Mas, para ele, a Europa e a Grécia estão em “um impasse”: “A União Europeia está sendo irresponsável ao obrigar o governo a continuar com as medidas de austeridade. Isso cria uma dinâmica da crise em toda a Europa”.

A relação entre a Grécia e a Europa é complexa. Sem o apoio financeiro e militar das grandes potências europeias, o país helênico teria tido dificuldades para se libertar do jugo otomano menos de duzentos anos atrás e tornar-se independente.

Paris, Londres e outros, que então falavam do passado prestigioso da Grécia antiga, berço da democracia, hoje lembram Atenas de sua dívida.

Em seu romance “Le Dicôlon” (publicado em 1995 na Grécia e traduzido em 2011 pela Ed. Verdier), Yannis Kiourtsakis menciona essa difícil relação com a Europa e o peso desse legado de antiguidade: “Essa admiração transformava nosso sentimento de inferioridade permanente em relação à Europa e aos europeus em sentimento de superioridade inabalável, uma vez que agora nada poderia tirar a pequena Grécia do pedestal sobre o qual, há muitos séculos, a História a havia colocado para sempre na consciência universal!”

A entrada na União Europeia, e depois no euro, assim como os Jogos Olímpicos de 2004, fizeram pensar que a Grécia chegara à igualdade. O dinheiro era tão fácil de gastar quanto de se emprestar para os cidadãos gregos e ainda mais para os governos. A crise chegou, e a Grécia teve de descer brutal e dolorosamente de seu pedestal.

Tradução: Lana Lim



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