"No Brasil, pelo menos por enquanto, a ditadura venceu no propósito de
fazer da tortura um tema de natureza pessoal do torturado. Um questão
individual e não um tema político de interesse de toda a sociedade. Um
dos maiores desafios da Comissão da Verdade será romper essa blindagem.
O primeiro passo é superar a armadilha que consiste em circunscrever a
questão da tortura no perímetro das demandas de reparação. Como se fosse
um ponto fora da curva, um segmento de um tempo passado. Não é assim:
estudos mostram que o Brasil é o único lugar do mundo onde os casos de
tortura aumentaram, em vez de diminuir com o fim da ditadura.
Portanto, não se trata de uma lembrança ruim de alguns cidadãos.
Ela
está presente na vida da sociedade, ainda que a opinião pública tenha
sido preparada para não enxergá-la. Não por acaso, a Constituição de
1988 no capítulo relativo à segurança nacional é quase identica à lei de
segurança nacional da ditadura, de 1967. Não é mera coincidencia. Assim
como não o é o fato de grandes empresas conhecidas pelo financiamento à
repressão serem hoje protagonistas habituais dos casos de corrupção
envolvendo políticos e negócios do públicos. Elas não foram punidas pelo
crime na ditadura. Continuaram a trocar favores dentro do aparelho de
Estado na democracia. O mecanismo persiste intacto.
Essa face da
corrupção os conservadores preferem esquecer. Eis aí mais um sintoma da
persistencia de questões não resolvidas em nome de uma anistia mútua
falaciosa. Como se voce pudesse equiparar quem pegou em armas para
lutar contra um regime ilegal, com gente que reprimiu, prendeu e
torturou para sustentar um golpe de Estado. Nada disso, porém, deve
levar a Comissão da Verdade à armadilha da individualização e do acerto
de contas. Que interesse teria hoje prender um general de pijama de 86
anos? Nenhum.
Prefiro a solução da África do Sul. Mandela trouxe
o tema da tortura e da repressão para o presente, de forma pedagógica.
Resgatou práticas tribais do perdão. Nelas o torturador fica de frente
para a sua vítima. Ouve dela o relato minucioso dos danos que
causou.Então pede perdão. E o ofendido perdoa. É uma aula de democracia e
de educação política para as novas gerações e para toda a sociedade. O
dia em que o Brasil fizer isso, aí sim, a ditadura terá sido
derrotada".
Visno no Blog das Frases, na Agência Carta Maior.
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