Para os palestinos, vale a pena o risco de apostar na ONU
Isabel Kershner
Em Kalandia (Cisjordânia)
Está longe de ser claro o que acontecerá quando os palestinos forem à Organização das Nações Unidas (ONU) na próxima semana, para buscar o reconhecimento de seu Estado. Mas a iniciativa está engajando uma população palestina que se tornou profundamente cínica, após 20 anos de negociações de paz intermitentes entre israelenses e palestinos.
Muitos palestinos aqui, neste campo de refugiados entre Ramallah e Jerusalém, disseram estar empolgados com a perspectiva de seu território ser declarado um Estado, mas eles reconhecem que isso não melhoraria imediatamente suas vidas. Em vez disso, eles se preparam para medidas possivelmente punitivas por parte dos Estados Unidos e de Israel.
“Abu Mazen está fazendo uma coisa boa, mas as reações podem ser ruins”, disse Khairiyya Abd al Rahman, 66 anos, uma moradora matrona do campo de refugiados.
Abu Mazen é o nome popular do presidente palestino, Mahmoud Abbas. Ir à ONU permanece uma aposta cara para Abbas. Independente de seu sucesso ou fracasso, a frustração dos palestinos provavelmente aumentará se a realidade não mudar. E apesar de muitos palestinos dizerem que não preveem o estouro de um terceiro levante, eles alertam que algo pode vir a ocorrer se não houver um progresso mensurável.
“É claro que a frustração pode se transformar em caos”, disse Najeh Abd al Majid, outro morador do campo, um local frequente de confrontos entre jovens palestinos e militares israelenses.
Quando a reunião anual da ONU tiver início na segunda-feira, a liderança palestina poderá levar sua solicitação de reconhecimento do Estado ao Conselho de Segurança, onde os Estados Unidos prometeram usar seu poder de veto, ou poderá optar pela votação na Assembleia Geral, uma rota mais modesta, que elevaria a representação palestina ao de um Estado observador não-membro, semelhante ao da Santa Sé.
Israel e os Estados Unidos tentaram impedir o confronto, alertando sobre consequências nefastas. Israel não expressou as possíveis consequências de uma votação, mas alguns na direita pediram pela suspensão da transferência da receita dos impostos à Autoridade Palestina, o cancelamento dos acordos e a anexação dos territórios contendo assentamentos judeus na Cisjordânia. Também houve conversa em Washington sobre corte de fundos.
Mas o sentimento da população palestina é fortemente favorável à ação na ONU, sejam quais forem os riscos. “Nós temos que fazê-lo”, disse Selwa Yassin, 51 anos, do vilarejo de Ein Yabrud, no distrito de Ramallah.
“As consequências não podem ser piores do que perder toda a Palestina”, disse Yassin. Por ora, a liderança palestina está tentando estimular o clima festivo.
Em Ramallah na terça-feira, voluntários distribuíram aos donos de lojas e motoristas bandeiras com logo da campanha “Palestina, Estado Nº194 da ONU”, uma referência a se tornar o 194º membro da organização.
Aqueles com conhecimento dos detalhes dizem que a meta é se tornar um Estado membro pleno. “Nós não queremos uma posição honorária”, disse Qusai Khatib, 40 anos, um barbeiro e professor em Kalandia. “Isso não teria nenhum gosto.”
Para os palestinos que buscam a independência, mesmo um Estado virtual representaria uma nova fase de uma longa luta. Mas em um reflexo da postura conflituosa da liderança palestina em relação à sua própria iniciativa, Abbas parece querer agitar as coisas no exterior, evitando ao mesmo tempo qualquer grande turbulência em casa.
Suas instruções são para que manifestações pacíficas ocorram no centro das cidades palestinas, longe de quaisquer pontos de atrito com os israelenses.
Os organizadores pediram que a população palestina vá às ruas duas vezes, em 21 de setembro, na abertura do debate geral na Assembleia Geral da ONU, e em 23 de setembro, quando Abbas deverá discursar.
“Do nosso lado, nenhum confronto, nenhum caos”, Abbas disse aos repórteres em Ramallah na semana passada. “Nossas instruções são muito rígidas: não ir aos bloqueios de estrada, não provocar nenhum atrito com os israelenses, não ir na direção dos israelenses. Se eles vieram às cidades, não reagir.”
A liderança palestina recrutou Abdallah Abu Rahma, um defensor da não-violência e um líder do movimento de resistência popular de Bilin, um vilarejo da Cisjordânia, como coordenador da campanha “Palestina 194”;
“Nós estamos tentando ser como a Primavera Árabe”, disse Abu Rahma, “e levar um grande número de palestinos às praças”. A disposição de evitar confronto deriva do desejo da liderança de preservar seus interesses, segundo especialistas palestinos. Entre outras coisas, a Autoridade Palestina, que governa na Cisjordânia, deseja manter a cooperação de segurança com Israel e impedir que seu rival, o Hamas, o grupo militante islâmico que controla Gaza, explore qualquer tumulto. Ela também deseja continuar com os esforços de construção de Estado e evitar mais danos à situação financeira já precária da autoridade.
“Este é o resultado de um processo de barganha dentro da liderança palestina”, disse Khalil Shikaki, um proeminente analista político palestino em Ramallah. “Trata-se de um equilíbrio entre aqueles que querem fazer algo dramático e aqueles que desejam manter o status quo, por mais desprezível que a situação possa ser.”
Shikaki acrescentou que Abbas, que é cauteloso por natureza, também não deseja colocar em risco a chance de retomada das negociações com os israelenses.
Os palestinos dizem temer provocações dos colonos israelenses. Os extremistas já aumentaram suas atividades, vandalizando duas mesquitas em vilarejos da Cisjordânia neste mês.
As forças armadas israelenses disseram que tolerarão manifestações palestinas dentro dos limites das cidades e que, de modo geral, agirão com restrição.
O general Michael Edelstein, o oficial de comando de paraquedistas e infantaria, responsável por manter a ordem neste mês, disse aos repórteres que o exército se equipou com uma grande variedade de armamentos não letais. Ele adquiriu mais de 20 caminhões com canhões de água, que podem disparar jatos de água ou espalhar um líquido malcheiroso; enormes alto-falantes que podem emitir um barulho intolerável para dispersar manifestantes; e lançadores de gás lacrimogêneo adaptados com miras, para permitir que os soldados mirem melhor quando dispararem as bombas de gás.
Os palestinos insistem que a nova ênfase é na resistência pacífica, após duas intifadas que resultaram em poucos resultados. Mas há preocupação de que encorajar manifestações populares nas ruas possa liberar forças imprevisíveis.
“As pessoas não estão interessadas em confrontos”, disse Yusef Ehab, 18 anos, que trabalha na loja de brinquedos de sua família, no centro de Ramallah. Isso seria do interesse dos israelenses, ele disse, porque “Israel está interessado em mostrar como os palestinos são violentos”.
“Pacificamente, pacificamente”, ele disse, erguendo suas mãos em um sinal de rendição.
Tradução: George El Khouri Andolfato
The New York Times, reproduzido no UOL.
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