segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A China pode comprar a Grécia

A China pode comprar a Grécia

E SE A CHINA comprar a Grécia? O que aconteceria se a China incorporasse a Grécia como sua província mais ocidental?
A dívida grega desapareceria no mar de haveres chineses. Assim desapareceria um fator imediato do tumulto mundial. No limite, a megapoupança chinesa poderia resolver grande parte dos problemas financeiros do mundo.
Parece piada, se a coisa é posta nesses termos. Mas não se trata mais de piada, e os termos não são muito diferentes do absurdo.
Rumor ou não, ontem "os mercados" se acalmaram depois de ouvir que a Itália foi pedir um dinheiro à China, segundo o "Financial Times".
A Itália está no bico do corvo. Paga juros cada vez mais altos para rolar sua dívida. Ontem, teve um dia de cão pegando dinheiro caro com seus credores. Os credores cobram juros maiores porque, acham, subiu o risco de a Itália dar calote (o país deve muito e "ganha pouco": seu PIB cresce pouco).
Caso aparecesse um credor rico e disposto a não esfolar a Itália, os italianos respirariam melhor. Aumentaria a procura pelos títulos da dívida italiana, que subiriam de preço, o que significa queda de juros.
Os chineses já deram uma ajuda a Portugal, à Espanha e à Grécia, comprando títulos da dívida desses países (isto é, tornou-se credora deles). Foi um auxílio muito marginal, mas colocou água na fervura de alguns dias de crise.
Mas volte-se à fábula greco-chinesa. Para melhorar a história, note-se que não vale a pena comprar a Grécia. A dívida grega equivale a 160% do PIB (PIB: a renda da atividade econômica de um ano). O país está em recessão faz três anos, deve encolher 5% em 2011 e paga juros de 20% ao ano para dívidas de dez anos de prazo. Mau negócio.
Melhor seria comprar a dívida grega, que paga juros altos. Mesmo se os chineses cortassem os juros gregos a um quinto do que são hoje, ganhariam o dobro do que recebem aplicando em dívida dos EUA.
A Grécia pode calotear, decerto. Mas, "na margem", "aos pouquinhos", vale a pela colocar parte do dinheiro em aplicação de risco. Se a China aplicasse uns trocados das suas reservas de trilhões de dólares em Grécia, Portugal, Espanha e Itália, o mundo mudaria.
Para continuar a levar a hipótese ao absurdo, mas não muito: para investir na Europa, a China teria de desinvestir nos EUA. Os juros talvez subissem um pouco nos EUA.
Mas o mundo ficaria mais estável. Mais importante, a fábula greco-chinesa indica um problema central da economia: o excesso de poupança chinesa e o consumo excessivo do mundo rico ocidental: o "grande desequilíbrio".
Os EUA (e parte da Europa) viveram uns 20 anos à base de bolhas financeiras, que sustentaram o endividamento de famílias que ganham mal ou que têm trabalhos cada vez piores (quando têm), na média, pois muito emprego migrou para regiões mais produtivas (como China e vizinhos) e a desigualdade aumentou nos EUA.
Um começo de solução da crise é a China assumir parte do planeta, poupar menos e permitir que seu povo consuma mais. Que a finança do Ocidente seja domada. Que o Ocidente rico consuma menos e/ou redistribua melhor sua renda interna. Mas tudo isso é política pesada: não acontecerá tão cedo, se acontecer.


Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo, de 13 de setembro de 2011.

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