O início desta última semana de setembro foi estranho. Depois de uma forte baixa na semana anterior, após o Fed adotar a “Operação Twist” para tentar estimular o investimento, as principais bolsas do mundo estiveram novamente em alta, atribuída ao otimismo dos investidores em relação a uma solução da crise europeia. As ações dos bancos franceses mais ameaçados subiram 13% a 17% na terça-feira 27 de setembro, quase 33% em três dias.
Enquanto isso, dirigentes das economias do mundo punham as barbas de molho à espera de uma moratória da Grécia já tida como inevitável. Os riscos-país da Itália e Espanha são agora superiores ao Brasil. Os riscos dos bancos dos EUA, Alemanha e Reino Unido são comparáveis ao da dívida soberana do Brasil e o dos franceses o ultrapassa (para não falar dos italianos e espanhóis).
A recessão, segundo vários analistas, já é realidade nos EUA e na Zona do Euro e deve durar pelo menos até o primeiro trimestre de 2012. No Brasil, segundo o jornal Valor Econômico, a presidenta Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda Guido Mantega voltaram de reuniões com autoridades e empresários nos Estados Unidos convictos de que a crise mundial é pior do que esperavam e a Grécia “está por poucos dias”. Analistas apostaram que o Copom reduzirá a Selic em 0,75% a 1% na reunião de 19 de outubro. O banco central de Israel, liderado pelo ortodoxo Stanley Fischer, cortou seu juro básico de 3,25% para 3% no dia 26, apesar de a inflação no país estar acima da meta.
Nos termos do acordo acertado em 21 de julho, a Grécia receberia um segundo resgate de 109 bilhões de euros (além dos 110 bilhões de 2010) e os credores da Grécia trocariam cerca de 135 bilhões em títulos com vencimento até 2020 por outros, garantidos pela União Europeia, com vencimentos em décadas futuras e sofreriam uma perda de 21% em valor presente. Mas isso agora parece insuficiente. Com a piora do desempenho econômico da Grécia, suas necessidades de financiamento aumentaram.
Ao mesmo tempo, sete dos 17 integrantes da Zona do Euro, liderados pela Alemanha, passaram a exigir que o setor privado (principalmente bancos franceses) arque com uma parcela maior da perda. Trata-se de uma queda de braço entre alemães e franceses sobre como salvar os credores.
O suposto novo pacote europeu, no qual as bolsas estariam apostando, consiste em autorizar a Grécia a um “calote” de 50% do valor da dívida, que assim cairia de 150% para 75% do PIB. O país permaneceria na Zona do Euro e continuaria a receber ajuda. Além disso, haveria uma recapitalização em massa dos bancos da região (o FMI estima que precisam de 200 bilhões de euros, analistas privados falam em 390 bilhões) e o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira seria ampliado de 440 bilhões de euros para 2 trilhões a 3 trilhões, valor compatível com o das dívidas soberanas na berlinda (4,5 trilhões de euros na soma dos PIIGS, sem contar Bélgica e França).
Tal programa pode bastar para equacionar o problema dos bancos no médio prazo, pois o valor do Fundo garantiria as dívidas soberanas europeias até o fim de 2014, pelo menos. Mas não resolve o problema da Grécia (para não falar de Portugal e outros países em dificuldade que alegarão, com razão, que precisam do mesmo desconto), pois com o crescimento econômico travado pela perda de competitividade e medidas de austeridade, a dívida voltará a crescer. O beco seria esticado, mas continuaria sem saída.
O pacote serviria apenas para ganhar mais tempo e, o que é mais importante sob a ótica de curto prazo do mercado financeiro, tem poucas chances no atual quadro político europeu. Mesmo sendo pensado para contornar tanto quanto possível a necessidade de aprovação parlamentar, pois deixa aos governos nacionais a responsabilidade por apenas 20% do drástico aumento do Fundo Europeu e o restante aos tecnocratas do Banco Central Europeu. A Europa apela cada vez mais a subterfúgios para evitar o debate público e democrático de seus problemas e isso a faz perder apoio popular, num círculo vicioso que pode conduzir à desintegração ou a um autoritarismo disfarçado.
E mesmo o subterfúgio não é tão simples. O presidente do Bundesbank, banco central da Alemanha, criticou a proposta dizendo que alavancar o Fundo pelo BCE equivale a financiar o orçamento do Estado pela emissão de moeda, algo que é proibido pelo tratado da UE. A Standard & Poor’s advertiu que isso pode levar ao corte da nota AAA de que o Fundo Europeu hoje desfruta e terá consequências negativas também para o crédito da França e Alemanha. Para acalmar a enfurecida coalizão governista alemã, que tem sofrido sucessivas derrotas eleitorais para a centro-esquerda devido ao voto de protesto contra sua política europeia, o ministro da Fazenda alemão Wolfgang Schäuble negou oficialmente a existência do plano e se disse contrário à ampliação do Fundo.
Foi contestada até mesmo a atuação do BCE ao comprar títulos de dívida para conter a disparada do risco-país da Itália e Espanha, que se mostrou relativamente bem-sucedida nas últimas semanas. O jurista alemão Marcus Kerber quer processar no Tribunal Europeu o presidente do banco, o francês Jean-Claude Trichet, por violar o artigo 123 do Tratado de Lisboa sobre o funcionamento da União Europeia, que proíbe ao BCE e aos bancos centrais nacionais a compra direta de dívida pública, para garantir sua independência.
No dia 28, o português Durão Barroso, atual presidente da Comissão Europeia, foi ao Parlamento Europeu garantir que a Grécia continuará na Zona do Euro e defender a criação de eurobônus e de um imposto sobre transações financeiras (análogo à CPMF brasileira) que arrecadaria 55 bilhões por ano. Ao mesmo tempo, porém, queixou-se da necessidade de aprovar todas as medidas por unanimidade. Negociá-las entre 27 governos leva um tempo enorme – e fazê-las aprovar por todos os parlamentos é ainda mais difícil. A autorização ao Fundo Europeu para comprar títulos de dívidas soberanas, decidida em 21 de julho, ainda dependia da ratificação do parlamento da Eslováquia – que se recusava a por um só centavo nele –, depois de a Comissão Europeia muito ter custado para persuadir os deputados da Finlândia. Cada um desses dois países tem apenas 1% da população da União.
As novas medidas com que sonha Barroso sofrem oposição ainda mais substancial: o Reino Unido não quer ouvir falar de imposto financeiro. Países mais prósperos, como a Alemanha, são contra os eurobônus, que ao unificar a dívida europeia nivelariam o juro e o risco europeu pela média. E o tempo corre. O governo grego pode pagar suas contas só até meados de outubro, mas a Alemanha adiará a decisão sobre os 8 bilhões da sexta parcela do acordo de 2010 até o último momento – e a resposta pode ser “nein”.
Se os políticos alemães estão de mau humor, o povo grego, do lado mais fraco da corda, tem muito mais razões para estar farto. Os funcionários públicos que ainda têm emprego – inclusive professores, policiais e fiscais da receita – perderam 20% ou mais dos vencimentos, o rendimento familiar médio caiu 50% e o desemprego cresceu de 8% para 16%, com um salário-desemprego de meros 454 euros mensais. O número de suicídios mensais dobrou desde o início da crise. Aumentaram os moradores de rua e os dependentes de drogas, pelo desemprego, corte nas pensões e aposentadorias e expulsão de instituições psiquiátricas que não podem mais sustentar seus pacientes. Pobres e idosos remexem latas de lixo e restos de feira para sobreviver.
“Não é mais seguro para nós sair à rua”, disse um político do partido governista grego (socialista) ao jornal alemão Frankfurter Rundschau. Quando aparecem em público, são alvo de assédio, ovos e pedras. No dia 26, estudantes invadiram os estúdios da TV estatal para protestar contra os cortes de gastos na educação. Uma greve dos transportes voltou a parar Atenas no dia 28 e greves de servidores foram marcadas para outubro.
O primeiro-ministro Giorgios Papandreou foi a Berlim no dia 27 e dizer aos empresários alemães que seu país faz “esforços sobre-humanos” para cortar o déficit, mas se os gregos receberem apenas punição e desprezo dos europeus, a crise “não será uma oportunidade, mas uma causa perdida”. Pior que as privações é a percepção – muito realista – de que não há perspectiva de recuperação. A Grécia topode ser empurrada a uma solução “argentina” – um calote unilateral com impacto muito maior que o de uma moratória organizada, mesmo de 50% do valor.
Naquele dia, o Parlamento grego aprovou, com o voto de 154 dos 300 deputados, um imposto de emergência sobre imóveis, em média de mil euros anuais por família e deveria render dois bilhões de euros anuais. Mas manifestantes fizeram fogueiras com as notificações, entregues junto com a conta de luz, e uma pesquisa de opinião diz que 23% das famílias recusarão pagá-la. O próprio vice-primeiro-ministro, Theodoros Pangalos, que possui várias propriedades por herança, diz não ter os 17.500 euros que deve e terá de vender uma delas. E se não achar comprador? “Então Venizelos (ministro da Fazenda) terá de me prender”. É o dilema de todo um país. Como não se pode colocá-lo todo na cadeia – até porque isso apenas aumentaria os gastos de um Estado já sobrecarregado – tudo indica que o país acabará por se ejetar da Zona do Euro, por mais que haja Polianas dispostas a apostar em contrário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário