O arquiteto-chefe do Império Otomano
Fui à Turquia numa peregrinação arquitetônica. Embora o design e a arte contemporânea estejam em alta por lá, eu ansiava por saber mais sobre o trabalho de Sinan (1490-1588), chefe dos arquitetos e engenheiros civis do Império Otomano. Seus patrões, o sultão Suleyman, o Magnífico, e seus descendentes, eram os homens mais poderosos da Terra.
Os guias costumam compará-lo ao seu contemporâneo Michelangelo, mas Michelangelo fez contribuições espetaculares a alguns poucos prédios em Roma e Florença, enquanto Sinan construiu cerca de 300 estruturas no Leste Europeu e Oriente Médio, das quais centenas continuam em uso.
"Como na [praça] São Pedro, em Roma, seu olho é atraído para a própria cúpula", disse Dogan Kuban, autor de muitos livros sobre arquitetura islâmica. "As cúpulas rasas de Sinan, porém, com sua decoração abstrata pintada, parecem flutuar magicamente. Em vez da estrutura, você contempla o espaço."
Visitei mais de uma dúzia dos seus edifícios em Istambul, uma cidade com quase 3.000 mesquitas, para melhor compreender como a sua experimentação com composições geométricas complexas transformou grossas paredes de pedra em colunas, arcos e abóbadas -e em coisas chamadas trompas e tímpanos- na hora de fazer a transição vertical do piso quadrado das mesquitas para os seus tetos redondos.
A mesquita Sehzade, em Edirnekapi, foi concluída em 1548, no começo da carreira de Sinan. Nas paredes exteriores da mesquita, Sinan organizou habilmente os contrafortes que sustentam a cúpula sobre as colunas. Para criar simetria, ele posicionou portas no centro delas. Mas, dentro da mesquita, as portas faziam os fiéis entrarem e saírem no meio da sala, e não pelo fundo. "Um local sagrado destinado à oração e contemplação se tornou um corredor", disse meu guia, "um erro que ele nunca mais repetiria".
Perto dali fica a mais importante mesquita de Sinan em Istambul. Encomendada por Suleyman para ser a sua própria tumba, e concluída em 1558, a mesquita Suleymaniye está entre os monumentos mais visíveis da cidade. Sinan modulou a altura dos quatro minaretes, reforçando a ilusão de que a mesquita flutua sobre a cidade.
A mesquita Rustem Pasha fica no movimentado mercado de especiarias da cidade. Sinan enfrentou os desafios de construir neste lugar não exatamente pacato elevando todo o complexo acima do nível da rua.
Uma serena praça flutua sobre a algazarra. No interior, os brilhantes azulejos de Iznik, do século 16, criam um jardim de tulipas encarnadas, turquesas e cobalto.
A mesquita Mihrimah Sultan, em Edirnekapi, foi encomendada por Mihrimah, filha de Suleyman. Decoradas com vitrais e vidros translúcidos, as paredes são uma maravilha da alvenaria.
Dizem que Sinan estava apaixonado por Mihrimah, mas, como ela se casou com o grão-vizir de Suleyman, ele se contentou em fazer a mesquita ser a mais luminosa possível, de modo a refletir o nome dela, que significa "sol e lua".
Meu guia, adequadamente chamado Sinan Yalcin, também me contou que, no dia em que um novo sultão era proclamado, seus irmãos eram mortos, para evitar disputas de poder.
A mesquita Sokollu Pasha também é famosa por seus azulejos. A chegada oferece uma vista impressionante do amplo teto que protege a fonte das abluções, em primeiro plano, e a repetição aparentemente infinita de cúpulas e arcos da mesquita.
No outro lado do Bósforo, no lado asiático de Istambul, fica a mesquita Semsi Pasha, versão em miniatura de templos enormes como a famosa Mesquita Azul. Seu discreto interior é uma elegante e comedida evocação do paraíso terrestre.
A três horas de carro de Istambul, em Edirne, ex-capital otomana perto da fronteira com a Bulgária e a Grécia, fica a mesquita Selimiye. Com seus quatro esguios minaretes, ela coroa o centro da cidade. Sinan a considerava a sua obra-prima.
Em 2011, o conjunto foi tombado pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade.
À primeira vista, ela parece uma tensa mistura de esferas, cones e cilindros, nas cores bege ou cinza escuros.
Mas a complexidade artística das paredes externas aparentemente impenetráveis se dissolve em um bordado de colunas e arcos de pedra que abraçam um espaço vasto e harmonioso.
Apesar da sua escala impressionante -a cúpula ultrapassa em alguns centímetros a da Hagia Sófia, em Istambul-, nenhum detalhe era pequeno demais para escapar à atenção de Sinan.
Texto de Andrew Ferren, no The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo, de 9 de julho de 2012.
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