Começar de novo, após sete anos em Guantánamo
"Rememoro a minha vida toda. Não sei até agora por que estive em Guantánamo"
Por SCOTT SAYARE
NICE, França - Segundo Lakhdar Boumediene, foi um atarracado interrogador apelidado de "Elefante" quem primeiro contou a ele que os investigadores estavam seguros da sua inocência, mas que isso não importava.
Os interrogatórios continuariam ao longo dos sete anos, três meses, três semanas e quatro dias passados na baía de Guantánamo, em Cuba.
Boumediene, assistente social que trabalhava com órfãos em Sarajevo, acabou tragado pelo pânico que se seguiu aos atentados de 11 de setembro de 2001. Agentes americanos o algemaram pelos pés e mãos, jogaram um saco preto sobre a sua cabeça e o levaram de avião para a base naval americana de Guantánamo.
"Aprendi a paciência", disse Boumediene, 46. "Não há escolha além da paciência." O governo dos EUA nunca admitiu qualquer erro ao deter Boumediene, mas um juiz ordenou sua libertação, em 2008, por falta de provas.
Desde então, Boumediene, argelino de nascimento, vive no sul da França. Guantánamo foi um "buraco negro", disse ele. "Rememoro a minha vida toda. Não sei até agora por que estive lá."
Houve acusações de conspiração para bombardear a embaixada americana em Sarajevo, na Bósnia, onde ele vivia com a família trabalhando para o Crescente Vermelho, ramo muçulmano da Cruz Vermelha.
Com o tempo, essas acusações foram substituídas por perguntas sobre o seu trabalho com grupos assistenciais muçulmanos. Segundo um documento sigiloso divulgado pelo site WikiLeaks, os investigadores acreditavam que ele era membro da Al Qaeda e do Grupo Islâmico Armado da Argélia. Essas acusações, também, mais tarde desapareceram.
No tribunal, a única alegação do governo foi que Boumediene pretendia viajar ao Afeganistão para lutar contra os EUA. Um juiz federal rejeitou a acusação.
Agora, cai dinheiro mensalmente na sua conta bancária na França. Ele não sabe exatamente quem paga (os termos da sua libertação não foram revelados nem a ele mesmo). Ele vive com a mulher e três filhos e há anos procura emprego. Recrutadores examinam seu currículo com ar de aprovação, disse, até notarem que termina em 2001. Ele então conta que é um "caso particular", porque esteve preso. Evita a palavra "Guantánamo", que inspira mais medo do que simpatia.
Boumediene disse que, uma vez em Guantánamo, foi espancado. Como se recusava a receber comida nos últimos 28 meses de detenção, era alimentado à força por um tubo inserido na sua garganta, contou.
Nascido nas montanhas do noroeste argelino, Boumediene passou dois anos no Exército antes de acompanhar um amigo ao Paquistão, em 1990, para ajudar refugiados da guerra civil afegã.
Ele encontrou trabalho como inspetor de alunos num orfanato e escola administrados por uma organização assistencial kuaitiana. O diretor do grupo, Zahid al Sheikh, é irmão de Khalid Sheikh Mohammed, mentor dos ataques do 11 de Setembro, preso em Guantánamo desde 2006 e atualmente submetido a um tribunal militar.
Boumediene se mudou para o Iêmen. Os combates do país o levaram para a Albânia, onde trabalhou no Crescente Vermelho. Distúrbios surgiram em 1997, e ele foi transferido para a Bósnia. A violência parecia acompanhá-lo, diziam os seus interrogadores.
Em Nice, Boumediene ficou amigo de uma vizinha, Babette, que lhe traz café e presentes para o seu filhinho.
Ele temia que ela não viesse mais se soubesse do seu passado. Em janeiro, porém, foi o décimo aniversário da prisão de Guantánamo, e houve cobertura da imprensa. Babette perguntou se era verdade.
"Eu disse a ela: 'É o destino, e é a vida'", contou Boumediene. Ela ainda faz visitas.
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