"Foi bom te ver outra vez, tá fazendo dois anos, foi no Carnaval que passou!", cantavam os foliões do Carnaval que não era pra ter acontecido. Ou pelo menos foi o que me contaram. Eu não estava lá. Achei que nem fosse ter Carnaval.
Fui pro meio da serra da Mantiqueira, onde não pegava celular. Sorte a minha. Nem fiquei sabendo do Carnaval que não era pra estar acontecendo. Devia ter suspeitado que ninguém segura um carioca com três doses.
Ou seja: o Carnaval não foi adiado pra abril. Ele foi esticado até abril. O governo fez com o Carnaval o mesmo que Doria fez com a cracolândia: querendo reprimir, espalhou. Agora é tarde demais pra desmarcar o Carnaval de abril. E tudo indica que vai ser muito maior, porque vai ser em abril, quando a temperatura há de ter baixado, e a pandemia, também.
O Carnabril começa com Tiradentes, e o dia 21 de abril cai milagrosamente numa quinta-feira, permitindo ao brasileiro a ironia de enforcar, de novo, o inconfidente (aproveito pra lançar aqui o bloco "Liberta que serás também").
O Carnaval começará com a celebração daquele que morreu por todos nós, não por acaso uma semana depois da ressurreição daquele outro que também morreu por nós, e que também haverá de ser celebrado. Pode escrever que vai ter Carnaval na Sexta-Feira da Paixão (um dia que já tem nome de bloco), no sábado de aleluia ("Amanhã Eu Ressuscito") e no domingo de Páscoa ("vem procurar meus ovos" ou, se o conflito na Ucrânia continuar: "Guerra e Páscoa").
Mas antes disso sugiro que tenha um Carnaval da mentira no primeiro de abril —e será melhor ainda se os músicos marcarem e ninguém aparecer. E seria bonito ver um Carnaval no dia 25 de Março na rua 25 de Março —esse ano cai num sábado, só pode ser um sinal.
Entendo que a ideia de um Carnaval tão longo seja um suplício pra muita gente, mas quem não gosta de aglomeração passou dois anos inteiros sem ouvir um surdo ou uma cuíca. Não custa nada aguentar um mesinho. O folião merece um Carnaval prolongado —e os músicos e ambulantes, mais ainda.
O Carnaval de abril fará até surgir uma rima onde não havia. "Foi bom te ver outra vez, tá fazendo um ano" —sempre acho que pedia a palavra mês. Poderemos cantar, pela primeira vez, rimando: "Foi bom te ver outra vez, tá fazendo um mês, foi no Carnaval que passou."
E em maio teremos que fazer o Carnaval dos trabalhadores, e em junho o Carnaval junino, e assim sucessivamente, até o Carnaval da democracia, quando dia vai raiar sem lhe pedir licença, e esse dia há de vir antes do que você pensa.
Texto de Gregorio Duvivier, na Folha de São Paulo.
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