Foi João Amendola, o primeiro livreiro de Campinas (a 93 km da capital paulista), quem deu à filha Cármen Sampaio Amendola o apelido de Caramela.
Ela era a "senhorinha de bengala nas manifestações". Marcava presença em todos os protestos realizados nas ruas de São Paulo. De cabelos brancos, punhos erguidos, camisetas com recados políticos e sorriso aberto, conquistou o respeito dos militantes de diversas causas sociais e era admirada pelos jovens que a cercavam.
"Ela se metia em todas as lutas que via pela frente", escreveu a filha, Maria Amendola, no texto de despedida logo após a morte da mãe, no dia 24 de fevereiro, aos 82 anos. "Passeata era onde ela mais gostava de estar."
Caramela apoiava as causas feministas, do movimento negro, dos sem-teto, dos sem-terra e da população LGBTQIA+. Também participou dos atos contra o governo Bolsonaro e, antes, das manifestações Fora, Temer.
Durante a ditadura militar, atuou na Juventude Universitária Católica, Ação Popular e no PCdoB. Foi presa, torturada e viveu no exílio ao lado do companheiro Albérico Martins Gordinho, 75, advogado. De volta ao Brasil, participou da formação do PT. Em 2003, foi para o PSOL.
Simultaneamente, ingressou em ciências sociais e letras neolatinas na Universidade Católica de Campinas —o título de Pontifícia foi atribuído ao nome em 1972. Largou a primeira e formou-se na segunda. Pós-graduou-se em teoria literária pela USP.
Apaixonada por livros, gostava de indicá-los aos mais novos. Chegou a dar a biografia de Karl Marx como presente de casamento para um de seus protegidos.
Como queria ter liberdade, trocou a vida oprimida de uma cidade conservadora pela capital paulista, segundo contou Albérico. Os dois se conheceram na revista dos Tribunais, onde Caramela trabalhou menos de um mês, e foram companheiros durante 51 anos.
Além de revisora, foi jornaleira, tradutora, professora e funcionária da Justiça Federal, sempre ligada aos sindicatos das categorias.
"Com a Caramela, como nosso pai a chamava, aprendemos a nos solidarizar com a luta dos mais fracos, do povo humilde, dos negros, da causa gay, dos injustiçados, dos palestinos", afirmou a jornalista Dina Amendola, uma das irmãs de Cármen.
"Ela era uma mulher carinhosa que conseguia ver as coisas pelo coração, mas com a clareza da necessidade de mudanças na sociedade. Dizia que as pessoas não podiam ser felizes desta maneira.
Meiga e decidida, não se conformava com a vida de opressão e queria mudar", afirma o companheiro.
Das pessoas, Caramela queria ver a generosidade em prática. Para ela, todos tinham que exercer a solidariedade e a caridade.
Nos 51 anos de convivência, nunca dormiu sem receber um beijo de Albérico, mesmo quando estavam brigados. Para ela, o beijo era o ato de amor que deveria ser renovado diariamente.
Caramela morreu em decorrência de complicações causadas por estenose mitral.
Antes de ir ao hospital, disse para a filha que sua vida havia sido maravilhosa. Ela pediu para não ser velada. O corpo foi cremado, e a família fará em breve uma homenagem aberta aos amigos.
"Devo dizer que ela viveu da forma que quis viver", disse a filha.
Caramela deixa o companheiro, dois filhos, duas irmãs, cunhados, sobrinhos, amigos e a cachorrinha Frida.
Obituário escrito por Patricia Pasquini e Cristina Camargo, para a Folha de São Paulo.
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