Quando a secretária anunciou a próxima paciente, a ginecologista sentiu um frio percorrer a espinha. Pediu cinco minutos, nos quais permaneceu imóvel feito uma escultura de mármore, encarando um ponto fixo na parede. Seu diploma emoldurado parecia julgá-la: foi para isso que você estudou oito anos?
A paciente era seu pior pesadelo. Uma mulher em idade fértil, solteira, sexualmente ativa, terrivelmente heterossexual e avessa à ideia de ter filhos. Tinha o hábito de inserir coisas estranhas em sua vagina. Geralmente, músicos. Seus parceiros eram mais radioativos do que uma cápsula de Césio-137.
Não se protegia. E não estamos falando de preservativos. No caso dela, uma fina camada de látex ainda era insuficiente para defendê-la dos agentes do caos que desequilibravam sua flora vaginal. O desespero da médica era tão grande que ela cogitou receitar um esparadrapo no umbigo para repelir energias negativas e só não o fez por medo de perder sua licença.
Abriu a ficha da paciente como quem arreganha uma caixa de Pandora. Revisitou a época em que ela tomava pílulas do dia seguinte como jujubas, embarcando numa montanha russa hormonal cheia de parafusos soltos, mesmo sabendo dos riscos aos quais estava se expondo. Com ela, aprendeu a jamais subestimar a força de vontade de uma mulher que deseja evitar uma gravidez.
Reviveu os traumas da época em que a paciente cismou com ginecologia natural. Para curar-se de uma candidíase, introduziu um dente de alho em seu canal vaginal, achou que ele tinha se perdido lá dentro e invadiu o consultório implorando por uma operação de resgate. Também tinha o hábito de usar iogurte para equilibrar seu pH vaginal, dividindo o processo de fermentação com grande riqueza de detalhes à ginecologista, que nunca mais consumiu laticínios.
Arrependeu-se, mais uma vez, do dia em que sugeriu à paciente que congelasse seus óvulos, transformando uma simples consulta de rotina em um simpósio sobre maternidade compulsória. E ainda foi acusada de etarismo por demonstrar predileção a gametas mais jovens.
Ouviu os passos da paciente no corredor e já sabia o que estava prestes a acontecer. Ela entraria no consultório com seus olhos imensos de cachorro que mijou no tapete. Então se despiria e se deitaria na maca, abrindo as pernas e um portal para o desconhecido.
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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