Certa manhã acordei de sonhos intranquilos, me olhei no espelho e lá estava ele: o buço. Um punhado de pelos ralos repousando sobre meu lábio superior, bem embaixo do meu nariz. Filamentos de queratina enraizados na epiderme do meu rosto ou, em outras palavras, a hecatombe da feminilidade.
Lembrei aquele ditado: "com mulher de bigode, nem o Diabo pode". Nunca pensei que uma penugem facial pudesse ser ameaçadora a ponto de intimidar a própria besta-fera. Nesse sentido, o buço feminino é um superpoder. Uma estratégia de defesa infalível, capaz de repelir qualquer homem que atravesse o nosso caminho. Mais eficaz do que spray de pimenta, calcinha bege ou medida protetiva.
Mas as revistas femininas me convenceram a abrir mão dessa força extraordinária e decidi me depilar, tal qual Dalila tosando os cabelos de Sansão. Afinal, o bigode é um símbolo supremo da masculinidade e ai da mulher que ousar usurpá-lo. Para não ser apelidada de Frida Carlos pelos moleques da escola, declarei guerra à mãe natureza.
Dispunha de um arsenal diverso, composto por pinça, cera quente, cera fria, laser, creme depilatório, linha, descolorante, mola, depilador elétrico. O que essas opções têm em comum? Causam dor para um cacete.
Depilar o buço é como ser atingida por uma chicotada de fogo na cara. E o resultado imediato nunca é estético. A região em volta dos lábios fica vermelha ao ponto de você parecer um palhaço. Pelo visto, é melhor parecer um palhaço do que um homem.
Isso sem contar as manchas, queimaduras, inflamações e foliculites que você pode ganhar de brinde ao longo do processo. Tudo por causa de uma peruquinha labial. Ah, sim, há uma maneira de se livrar dos pelos sem dor e sofrimento. Raspá-los. Mas a vingança contra uma mulher que passa uma lâmina de barbear no rosto não tarda: os pelos voltam a nascer mais grossos, com a fúria de Pablo Escobar.
Hoje recebi de uma amiga um cupom de desconto para uma depilação de buço definitiva. Uma espécie de esquema de pirâmide pelofóbico no qual você convida mais amigas, e elas convidam mais amigas, e assim sucessivamente. Encarei minha tímida, porém aguerrida, penugem no espelho. Nossa batalha chegou ao fim. É chegada a hora de quebrar esse ciclo de opressão e descontos. Eu e meu buço selamos a paz. Juntos, somos invencíveis.
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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