O Galhardo perguntou no grupo qual era a minha opinião sobre o copo Stanley. Percebi, pelo tom do meu amigo, que não era questão de opinião, mas de posicionamento. O Ted e o Gustavo logo enviaram memes e textões, mas nem vi: quis descobrir por mim mesmo o que era o tal copo Stanley, quais significados sócio-gastronômico-culturais ele traria em seu bojo e o que tais significados revelariam sobre a situação da humanidade e do Brasil na terceira década do século 21.
Pela enxurrada de ocorrências no Google, dei-me conta de que talvez fosse o único brasileiro a desconhecer o copo Stanley. Na possibilidade, porém, de haver por aí mais gente alienada no que tange à evolução das técnicas potabílicas, explico. Trata-se de um copo térmico americano que mantém a cerveja gelada por mais de dez horas e o café quente por quatro –não ao mesmo tempo, espero.
A bronca de muitos, compreendi, é porque neste verão o pacote vini, vidi, vici topzêra das redes sociais incluiu, além de peito e bunda e bíceps e tanquinho e picanha e ioga e carro e barco, o copo Stanley. É, enfim, um copão ostentação. Tipo o fonão de ouvido, uns anos atrás. Só que um fone de ouvido orna mais facilmente com uma foto, digamos, na rua. Quem sai na rua com um copo? A turma do copo Stanley. E fotografa. E posta no Instagram.
Tem gente que é visceralmente contra os modismos. "Saco, esse bolovo! Sempre existiu bolovo, ninguém dava bola pro bolovo, agora tem guia do fim de semana com ranking de melhor bolovo, palhaçada!" "Desde quando essa cópia chinesa de Rider ficou famosa?! Que que tinha de errado com as Havaianas?! Ou com o próprio Rider?!" "Ridículo esse Adam Driver! Só porque é feio, todo mundo acha cool, não dá mais pra ver um filme americano sem o Adam Driver, é que nem o Ricardo Darín na Argentina!"
Admiro os que estão aí nas trincheiras da autenticidade, sempre tentando revelar o interior das novidades ocas. Talvez me falte fibra, talvez me sobre ingenuidade, mas costumo ir com a maré. Provo o panetone salgado. Tento o beach tennis. Confesso, sem nenhum pudor –mas para o horror da minha mulher– que comprei aquela chinela chinesa colorida, imitação de Rider. (Recomendo muito e recomendo mais ainda que se discuta a questão, antes da compra, com o/a cônjuge. Afinal, ele/a será o/a calçante passivo/a das suas sandálias.)
Verdade, há modismos que devem mesmo ser combatidos com o fervor de um Aldo Rebelo querendo proibir "sale" nas vitrines –e não me refiro à bobagem de proibir "sale" nas vitrines, só ao fervor do deputado. Rebatizar picolé como "paleta mexicana" e cobrar o dobro, por exemplo, foi uma ideia cretina. Já o temaki e a tapioca, felizmente, vieram para ficar. Muito embora as palavras "temakeria" e "tapioqueria" e tudo o mais terminado em "ria" não me façam rir nem um pouquinho. Outro dia, no aeroporto de Congonhas, mudei de cadeira para não ficar de frente pro luminoso de uma, acredite, "Cuscuzeria".
O Drummond tem uma crônica antimodismos intitulada "Em ida, em ada", na qual reclama que ninguém mais dorme, só "dá uma dormida", ninguém mais caminha, só "dá uma caminhada" e assim por diante. O tempo deu uma passada, Drummond deu uma morrida, a língua deu uma incorporada no modismo, que virou só mais uma das muitas formas de nos expressar (ou dar uma expressada).
Já encomendei meu copo Stanley, Galhardo. Quando chegar, te digo o que acho e prometo não instagramar –o que não deixa de ser, claro, uma forma ainda mais boboca de ostentação.
Texto de Antonio Prata, na Folha de São Paulo.
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