Eu poderia ficar assim e deixar que tudo seguisse seu curso. Sei que existem decisões grandes, mas também o corpo vai escolhendo. O corpo sabe de coisas que nós não sabemos. O animal que somos sabe mais. Decide. Inclusive a história do camping foi assim. Delia e Filipa propuseram acampar. Eu tinha tomado vinho quando fizeram a proposta, achei que fosse ser divertido e acabei caindo num programa ridículo: irmos como mochileiras, nós três, à praia próxima a Indaiá. Aos 33 anos! Como mochileiras! Odeio acampar. Odeio mochila.
Fomos parar em uma pousada perto da praia, onde se podia montar a barraca no jardim. Tínhamos acesso a um banheiro compartilhado no térreo e à cozinha. Na primeira noite não dormi. A barraca era para duas pessoas. Nós três tínhamos que dormir meio de lado para caber. Filipa roncava um pouco. Me bateu angústia. O tapete de ioga não aplanava os desníveis da grama. Eu estava sobre um formigueiro, algo duro que sobressaía. Impossível.
Cada vez que eu ia ao banheiro, olhava o único quarto que havia ali no térreo, olhava a cama. Nela dormia um garoto, um hóspede. Teria lá seus 19 anos. Ele deixava a porta aberta. Os pais e as irmãs dormiam nos quartos de cima. Mas ele estava sozinho ali embaixo. Um quarto com cama grande, wifi, ar-condicionado e tomadas onde carregar o celular! Notei que ele me olhava quando nos cruzávamos. Tímido e lindo. Musculoso, de olhar límpido. Como você se chama? Marco. Oi, Marco, meu nome é Cynthia. Às vezes Marco pegava o violão do salão comum e tocava sozinho, cantando em voz baixa em uma espreguiçadeira na outra ponta do jardim. Não ia à praia. O tempo todo pedia desculpas. Cada vez que nos cruzávamos, meio que nos esbarrávamos no corredor estreito. Desculpa, desculpa. Um dia pedi emprestado o carregador de celular dele e depois o deixei em cima da cama. Outro dia entrei apressada para fazer xixi na volta da praia e ele estava tomando banho. Desculpa, desculpa, eu disse, não olha.
Na terceira noite em que eu estava na barraca sem conseguir dormir, me deu vontade de chorar, pensei em voltar sozinha; tentei dormir no carro. Havia mosquitos. Estava ficando sufocada. Fui ao banheiro às duas da manhã e cruzei com Marco na escuridão. Eu disse: Marco, preciso dormir em uma cama, só ocupo uma ponta, se não te incomodar. Acho que ele não entendeu, até que me viu entrar no quarto. Foi o meu corpo que entrou ali. Marco ficou parado e depois fechou a porta. Durmo só um pouco e depois vou embora, sussurrei. Está bem, ele disse, descansa. Sua ternura e a cama macia e o frescor do ar-condicionado, tudo isso me fez chorar. Como se alguém me abraçasse. Acho que por ser bem-educado ele quis me consolar pondo a mão nas minhas costas. Em um instante foi como se um ímã tivesse sido instalado. Nos grudamos. Eu não estava com ninguém fazia uns seis meses. O sem-vergonha sabia beijar, sabia transar. E parecia tão caladinho. Ele estava sem camisinha. Eu disse que estava tomando pílula, mas não era verdade. Foram três noites assim. Tínhamos que ser ultrassilenciosos, porque o quarto dos pais dele ficava bem em cima. Transávamos e dormíamos e voltávamos a transar. Eu escapulia cedo, entrava no banheiro, voltava para a barraca e fingia que nada tinha acontecido. A gente se cumprimentava ao se cruzar durante o dia sem nem sequer sorrir. Minhas amigas sabiam, mas ninguém mais suspeitou de nada. A mãe dele me olhou meio feio, mas por pura intuição, sem provas.
Isso foi em fevereiro. Dois meses, e não desce. Posso dizer que ele foi um doador, ou algo assim. Melhor ter sem um homem pesando na minha vida. Que tudo siga seu curso. Quem sabe nem faço o teste. Que cresça em mim. O corpo sabe. Eu sempre quis ter um filho.
Texto de Pedro Mairal, com tradução de Livia Deorsola, na Folha de São Paulo.
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