sábado, 15 de janeiro de 2022

Cento e cinquenta


O Ilan Kow me apresentou o podcast do Alan Alda, o Alan Alda me apresentou aos estudos do Robin Dunbar, o Robin Dunbar não me apresentou a ninguém –mas falou coisas muito interessantes na entrevista.

O Ilan foi meu editor no Estadão. O Alan foi o protagonista de M.A.S.H. O Ilan é meu amigo. O Alan, infelizmente, não. Robin Dunbar, antropólogo, psicólogo e primatologista britânico, não é meu amigo, nem do Ilan, nem do Alan, mas em compensação descobriu e batizou o "Número de Dunbar". Cento e cinquenta é, na média, a quantidade de pessoas com quem um ser humano consegue estabelecer relacionamentos significativos, simultaneamente.

Não só um ser humano. Perto de 150 é o número máximo em qualquer bando de primatas. Passou disso, divide-se em dois. Quando éramos caçadores e coletores, 150 era a média de indivíduos de cada grupo. O Facebook fez uma pesquisa com 60 milhões de usuários e descobriu que, apesar de uns perfis terem trocentos "amigos", os que realmente importam são, tchananam: 150.

Segundo Dunbar, num povoado com até 150 moradores, todo mundo se conhece e as relações pessoais funcionam como instituições. Você evita bater a carteira da senhora sentada sobre o monte de feno não pelo imperativo moral, mas porque a senhora sentada sobre o monte de feno é a dona Magali, filha do Elcinho Bola Sete, que tocava triângulo na banda de salsa do tio Olavo –que Deus o tenha. Passou de 150, virou bagunça: entra polícia, juiz, farol, catraca, pulseirinha VIP e outros balangandãs foucaultianos.

Robin Dunbar cita estudos: pessoas com muitos vínculos significativos adoecem menos e vivem mais. Tocar triângulo na banda de salsa do tio Olavo faz com que o cérebro do Elcinho Bola Sete libere dopamina, que colabora no fortalecimento do sistema imunológico. Imagina quantos meses de vida não garante um abraço coletivo num gol do Corinthians?

Entre os 150, cada indivíduo tem uma relação íntima com apenas cinco pessoas. Durante a pandemia, aos trancos e barrancos, demos um jeito de continuar próximos desses cinco. Dos outros 145, não. Minhas maiores alegrias nesta reabertura (momentaneamente pausada pelo pentelho do ômicron, mas em breve retomada, inexorável e definitivamente) têm sido ver estes 145.

Outro dia visitei minha amiga Flávia. Quem abriu a porta foi o marido dela, Luiz. A gente se conhece pouco. Pra mim, ele é marido da minha amiga. Pra ele, eu sou amigo da mulher. Mas foi bater o olho pra sentir meus leucócitos bombando e entender que o mesmo ocorria no sistema imunológico adiante. Deu vontade de abraçar e pular gritando "arrá, urrú, 150 é nosso!".

Desde que se aposentou, há 20 anos, o pai do Ilan encontrava seus cinco amigos duas vezes por dia. De manhã, tomavam café na padaria da esquina. Mesma mesa. Mesmos lugares. Fim da tarde, tomavam café numa doceria do shopping. Mesma mesa. Mesmos lugares. Ano retrasado, a padaria foi reformada e meteram uma catraca bem onde a turma do pai do Ilan se sentava. Não consultaram os caras, nem avisaram. O pessoal chegou pra tomar café e o programa tinha morrido.

Num bom bando de uns, digamos, 130 macacos-prego, duvido que isso acontecia. O primeiro que chegasse com a catraca recebia uma sova de cocô e desistia da estupidez. É meio nojento, mas, convenhamos, tem sabedoria.


Texto de Antonio Prata, na Folha de São Paulo

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