Falta uma palavra na língua portuguesa. Quando um homem se casa com uma mulher, ele vira seu marido. Ela, no entanto, se torna sua… Mulher. Coisa que ela sempre foi. Mas agora é “sua” mulher. Eu vos declaro marido e… Falta uma palavra nova ali. Poxa, Guimarães Rosa. Inventou tanta palavra. Podia ter inventado alguma pra sua senhora, alguma que soasse melhor que “sua senhora”. Custava nada. Nonada.
Existe a palavra esposa, mas soa terrível: me recuso a ter uma esposa, até porque isso faria de mim um esposo. Um casamento começa a terminar quando as pessoas começam a se chamar de esposo. Daí começam as brigas pela toalha molhada em cima da cama, a tampa da privada e todas aquelas coisas que só mesmo dois esposos são capazes de ter.
Você começa chamando de esposa e quando vê tá chamando de patroa e, quando o telefone toca na frente dos amigos, você chama de “Dona Encrenca” —e só de pensar que posso me tornar essa pessoa, fiquei empolado, a glote fechou.
Chamar de companheira, no entanto, soa hippie demais, militante demais, esquerdomacho demais. “Deixa eu te apresentar minha companheira…” Não dá. Imediatamente brotam flores imaginárias na minha barba, e minha bermuda se converte em sarongue.
A palavra cônjuge, no entanto, está fora de cogitação. “Deixa eu te apresentar minha cônjuge.” Pobre senhora. Foi reduzida a uma categoria jurídica. A cônjuge está pra mulher como o pênis está pro pinto: é sua versão técnica. Erradica-se qualquer chance de erotismo. Não que a palavra marido seja sexy, como também pinto não é, mas cônjuge está no topo da lista das palavras mais feias da língua, ao lado de fronha e de íngua. Além disso, é “inrimável” e impronunciável, como bem provou o Moro, cuja única contribuição pro país foi a criação da palavra “conge”, muito mais simpática que a original. Mas não dá pra usar: a palavra vem junto da voz de marreco, da boca de CD player. Moro ressuscitou o conge, mas só mesmo pra terminar de matar de vez.
A palavra consorte parece que a sujeita ganhou na loteria, quando tudo o que ela ganhou foi um companheiro de fronha, examinador de ínguas.
Talvez o segredo seja chamar pelo nome, evitando evocar o estado civil. Na pandemia, tem dado certo. Em algum momento, imagino que a gente volte a conhecer pessoas novas. Nesse momento, alguém talvez pergunte: “Ela é sua... ?”. Até lá, torço pra que tenham inventado uma palavra nova. Marida? Tudo menos isso.
Texto de Gregorio Duvivier, na Folha de São Paulo.
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