Não parece plausível que Bolsonaro e seu bando consigam dar um golpe e acabar com a democracia daqui a menos de uma semana. Mas, seja lá o que venha a acontecer, não foi por falta de aviso.
Sete de setembro, em todo caso, é uma boa data. Se as manifestações da extrema direita forem expressivas, a simbologia verde e amarela ajudará a cimentar o caminho para os próximos passos no rumo de uma ditadura. Formulo a pior hipótese —a coisa dá certo para Bolsonaro. Um bando de malucos, não tão pequeno quanto o dos americanos que invadiram o Capitólio, ocupa o STF.
Instaura-se o impasse. Como nas velhas teorias revolucionárias, surge a tal da “dualidade de poder”. São os casos em que as forças da “ordem” (polícia, Exército) já não sabem a quem obedecer. Expulsam os manifestantes, como manda o Judiciário? Ou aderem aos rebeldes, como quer Bolsonaro?
Prossigo imaginando o pior possível. Forças Armadas e polícia abstêm-se de reprimir o movimento. Joga-se na cartada da negociação, com Bolsonaro numa posição de força. Os democratas de “bom senso” pedem calma. Alguns, é claro, organizam manifestações contra o golpe. Os indignados vão às ruas.
A maioria, entretanto, pode achar melhor esperar para ver —o momento não recomenda confrontos, meus amigos. É preciso buscar o entendimento, sem radicalizações. A “polarização” não interessa a ninguém etc. Supondo que as coisas fiquem nesse pé por um tempo, Bolsonaro pode ainda dobrar a aposta —confusão com caminhoneiros, estradas interrompidas, tratores nas estradas, um quartel ou outro em insurgência.
Loucura, você pode pensar. Nem os bancos estão a favor de Bolsonaro. A popularidade dele é baixíssima. A inflação cresce, há uma crise energética pela frente, a situação da saúde é isso que se vê, o desemprego continua… Mas é aí que Bolsonaro pode avançar. Requer do Congresso uma autorização extraordinária, do tipo Hugo Chávez, para governar por decreto.
Entra Paulo Guedes —com todas as reformas que o Congresso não quer aprovar. As chamadas “classes conservadoras” coçam a cabeça. “Haha, esse Bolsonaro é um maluco… Mas o Paulo Guedes sabe o que está fazendo…”
O banqueiro, o empresário, o economista liberal, o “formador de opinião” começam a pensar. Mais de um ano até as eleições, nessa confusão toda, com Bolsonaro enfraquecido, um impeachment “traumático”, o Congresso mandando sem fazer nada? “Não, meu caro, não há nada de desejável nisso.”
Esperar? Para que em 2022 ganhe Lula, com um novo plano de reformas liberais?
A alternativa de plenos poderes a Paulo Guedes pode parecer bem mais sedutora. Um estado de exceção de seis meses, sem o Congresso e o STF para atrapalhar… Por que não? O momento é de pacificar os ânimos... Já vejo os debates. É golpe? Não é golpe? “Afinal, o Congresso delegou poderes ao chefe do Executivo. O que há de tão irregular assim?”
Surgem novos protestos. “Ah, mas isso é só a esquerda contra o pacote do Paulo Guedes. Nenhum desses caras está pensando em defender a democracia.”
A coisa arrefece. Caminhoneiros, agricultores, polícia, Exército, tudo volta subitamente ao “normal”. Como cereja do bolo, o presidente aceita ser vacinado, sorridente. Entramos num “período excepcional”, com muita gente dizendo que será de curta duração. Se você chamar isso de golpe ou de ditadura, será “radical”.
Os autoritarismos contemporâneos não seguem o padrão do Brasil em 1964 ou do Chile em 1973. De Fujimori em diante, a fórmula do “autogolpe” parece melhor e foi levada à perfeição por Chávez.
Bolsonaro tem força para isso? Hoje eu diria que não. Como disse, imaginei apenas a pior hipótese. Acho difícil que as manifestações do Sete de Setembro levem a um impasse tão nítido. A esperança é que sejam um fracasso patético, como os de Donald Trump. Se não forem, deixam Bolsonaro numa posição melhor do que a que ele tem hoje.
Não se trata exatamente de um tudo ou nada. Mas a aposta de Bolsonaro está bem clara. Quanto mais ele blefa, mais se torna caro, para a democracia, pagar para ver.
Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo.
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