De sua espreguiçadeira, ele a observa entrar no mar. E tudo o que sente é um arrependimento absoluto. Lamenta estar ali, ter posto essa garota nessa situação. Pergunta a si mesmo como fará para sair disso, para voltar, para deixá-la. Gisele, bonita, de biquini, entrando na água turquesa. O que acontece com este cara? Martín vai morrer. Lhe bateu uma vontade terrível de morrer. Em meio às suas férias na Itália, nessa praia da Sicília. Ele tem um dejà vu olhando essa mulher entrando no mar. Eu já fiz isso, ele pensa. Quem é ela? Por um instante duvida. A recordação se sobrepõe à do primeiro casamento na lua de mel na Grécia, e à da sua segunda mulher, na lua de mel em Morro de São Paulo. Uma bela mulher de trinta anos entrando no mar. A juventude e o riso. E ele envelhecendo na espreguiçadeira. A mesma situação. Como se essas mulheres fossem sempre a mesma mulher imortal. E ele indo embora, esvaindo-se. E por que tão melancólico, se já superou um câncer e a químio tempos atrás? Por que tão impregnado de escuridão em meio à luz do verão mediterrâneo?
Talvez tenha sido aquela moça em Roma, que lhe cedeu o assento no ônibus. Uma garota loura como a Vênus de Botticelli. Simonetta Vespúcio de short jeans, mascando chiclete, lhe cedeu o assento, tratando-o gentilmente como um velho. Ele, com 69 anos. E ela fez isso diante de sua reluzente namorada argentina. Martín não quis se sentar e então Gisele, ao notar a punhalada que ele acabava de receber, sentou-se de repente como se sentasse sobre a tampa de um cesto onde estaria escondida uma cobra. Ele sorriu, fingiu que achou alguma graça naquilo tudo e foi o sorriso mais doloroso do mundo.
Desceram do ônibus e foram à Basílica de São Clemente de Letrão. Ele queria mostrar a ela os afrescos do teto, tinham lhe ficado na cabeça a recordação de uns cordeiros em fila sobre um fundo verde. Ele tinha visitado a basílica com sua primeira mulher, fazia já quatro décadas, e não tinha conseguido ver os templos antigos que havia debaixo dos subsolos, pois estavam em restauração. Entraram, havia muita gente, viram as imagens do teto, foram descendo as escadas da basílica medieval em direção a um templo subterrâneo e mais antigo. Escutavam a voz de um guia italiano. Martín ia traduzindo para Gisele o que ele entendia, à medida que desciam escadas cada vez mais estreitas e escuras. A capela fazia parte de um templo secreto dos primeiros cristãos. Desceram mais. O guia gritava para que não empurrassem. Non spingere! Um longo contingente de turistas vinha atrás deles. Sob o templo romano havia outro templo de um culto pagão. Martín ia na frente e, na penumbra, chegaram até umas barras enferrujadas na pedra. Não se podia passar dali. Através da grade via-se o templo de culto a um deus que matava um touro. Martín Santos se agarrou na grade e sentiu que tinha chegado no fim de sua vida. O animal que ele era chegava até ali, até aquele princípio dos tempos, ao touro sangrando sacrificado, e as pessoas se amontoavam atrás. Não empurrem! Ele ia morrer asfixiado. Vamos sair daqui, disse ele a Gisele, e ela o ajudou a sair.
Decidiram partir para a Sicília no dia seguinte. Basta de Roma. Mas as férias das férias não o tranquilizavam e agora, na praia, da areia, ele sorri a ela, que lhe diz Amor, vem pra água! Sua Vênus nascendo do mar, outra vez, mas cada vez mais distante. Porque Martín Santos vai morrer, não hoje, mas vai morrer, como os povoados e as religiões, os exércitos, os glóbulos brancos de uma batalha que desta vez ele vai perder.
Texto de Pedro Mairal, com tradução de Livia Deorsola, publicado na Folha de São Paulo.
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