Esses dias eu estava em uma reunião de trabalho quando comecei a sentir inveja. E não era pouca, não. Era da brava. O cabelo da moça, o corpo, a voz, a boca, a idade, os brincos grandes e verdes, as maçãs do rosto buliçosas, as ideias, o bronzeado, a atenção que ela recebia. Meu coração disparou, minhas unhas afundaram nas palmas, lembrei que preciso deixar a magnésia bisurada na bolsa. Fiquei rapidamente muito engraçadinha e agitada para depois emudecer, com o corpo pesado e dolorido. Cansada, inflamada e vencida.
Primeiro, eu achei que queria morar naquela jovem inteligente, doce e de beleza incômoda, depois tive certeza de que só queria destruí-la. Foram horas digerindo minha derrota vexatória até entender o tamanho da liberdade artística que aquela experiência me proporcionaria.
Pensei nos meus amigos escritores algorítmicos. Presos ao que precisam escrever. Ao que está na moda dizer. Ao que pega bem ser. Eles até recebem ótimas resenhas, mas, por Deus, como são chatos! Alguns mudam a voz, o jeito de olhar. Ao menos para mim, o seriíssimo estrabismo que lançam para o horizonte, sem a gentileza da autoironia, mata a arte e o meu interesse todos os dias. Gente que se leva a sério demais porque leva a sério demais os problemas da sociedade. Gente que faz harmonização facial antes de ir dormir no chão de uma cabana indígena para sair bem nas fotos.
Enfim, tudo isso para dizer que não há licença poética maior do que, em tempos de infinitos livros sobre sororidade, lançar esta crônica desnecessária sobre inveja. E, se der tempo, também sobre falsidade.
Ah, amigos, eu estava humilhada. Já tem uns dois anos que minhas axilas caíram. Eu tento de tudo no pilates, mas elas não voltam para o lugar. Meu sovaco é uma boquinha triste olhando para o meu passado de glórias físicas. Bunda e peitos caem, e eu estava preparada para isso. Mas nenhuma mulher havia me contado das axilas. Era um dia muito quente, e aquela roteirista de 25 anos exibia seus sovacos atléticos diante do meu nariz. E ainda dava boas ideias e havia escrito ótimos diálogos. Ou seja: nem o consolo que sempre me dou, “pelo menos sou mais esperta que ela”, estava rolando naquele momento.
E que liberdade, amigos! Odiar meu cabelo perante aquela beldade. “Ah, mas temos que amar nossos pelos o tempo todo e jamais gritar com nossos filhos e meditar e peidar linhaça e ter gratidão pelas nossas rugas e pela nossa pança molenga e arrotar kombucha.” Meu cabelo tem um buraco pós-amamentação do lado esquerdo e um redemoinho escroto do lado direito que faz minha franja levantar um topete anos 90 ensebado e me deixa com uma cara de “quem é essa tia meio equivocada e abatida?”.
Depois dos 40 anos, muitas coisas desagradáveis acontecem com a gente. A começar pelo sol, que não nos deixa mais saudáveis, mas sim parecendo que alguém tomou todinho e espirrou com a boca cheia em cima de nós. Aquela garota, a ninfa de 25 anos da inesquecível e odiosa reunião, se divertiu muito ao ver que aumentei as letras do meu celular porque já não enxergo direito nem mesmo com meus óculos de leitura. “Ai, para, você é tão engraçada.” Que bom, querida, que estou fazendo seu dia melhor. Seu dia de mocinha desejada que mora sozinha e ainda tem essa pele firme que não acorda toda amassada por um simples lençol. Que bom, e, espero, talvez um ônibus te encontre na esquina quando você sair daqui. Literatura: desejo de meter a cara belíssima de uma jovem roteirista no meu menisco lesionado. Inveja: poesia, ruptura, arte puríssima.
Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo.
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