Talíria Petrone, deputada federal pelo PSOL-RJ, relata que foi notificada de pelo menos seis planos que tinham como objetivo seu assassinato. De acordo com a deputada, as primeiras ameaças datam de 2016, quando foi eleita vereadora da cidade de Niterói. Já eleita deputada federal, Petrone foi oficialmente informada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro que, em junho deste ano, foram interceptadas mais de cinco gravações planejando sua morte.
Além de devastar a vida pessoal de quem as recebe, ameaças de morte a parlamentares podem significar que a violência política no Brasil ruma a um novo patamar.
Ao que tudo indica, estamos diante da consagração definitiva da ameaça e do assassinato como peças centrais da política institucional. Em teoria, instituições têm a função de manter sob controle o potencial destrutivo do conflito político. Nesse jogo institucional, o opositor se torna adversário, e não inimigo, e grupos divergentes são tratados como “oposição” e não como “facção”.
A situação de Talíria Petrone pode ser o balão de ensaio para que se impeça a livre participação política, sem suprimir o voto, ou mesmo a possibilidade de ser eleito. Quando alguém que almeja a vida política é ameaçado, forçado ao exílio ou assassinado sem que isso gere grandes consequências, o recado me parece evidente: nem tente se candidatar, mas caso se candidate, não vai ganhar; e se ganhar, não termina o mandato.
É bom que se diga que Talíria Petrone não aparece sozinha no quadro da violência política no Brasil. O caso mais emblemático de nossa história recente —o assassinato da vereadora Marielle Franco em março de 2018— segue sem resolução. Após desistir de assumir seu terceiro mandato, Jean Wyllys optou por deixar o Brasil devido a constantes ameaças. A escolha do ex-deputado não é sem razão se analisarmos os dados sobre violência politica no Brasil. Segundo pesquisa das organizações Terra de Direitos e Justiça Global, o Brasil registrou, desde 2016, 125 casos de assassinatos e atentados contra políticos.
Qualquer cidadão ameaçado deve ser motivo de indignação, repulsa e, mormente, abertura de investigação. Entretanto, o Brasil é um país em que é muito fácil matar ou fazer desaparecer alguém, especialmente se a pessoa é negra ou pobre. Segundo pesquisa do Instituto Sou da Paz, 70% dos homicídios no Brasil não são solucionados.
Em um quadro como esse não há que se falar sequer em democracia formal. Estamos vivendo um grande processo de negação, quase um delírio coletivo. É um país que caminha para uma delinquência sistêmica, que mata, deixa morrer e que é incapaz de cumprir as próprias leis, como evidencia a situação carcerária e seus milhares de presos sem condenação.
Mais não se poderia esperar de um país em que o presidente e o vice-presidente tomam como exemplo de brasileiro um notório torturador.
É difícil surgir um cenário de valorização da vida quando parte da imprensa e do empresariado abre mão de qualquer compromisso com o país e tenta transformar um presidente que já afirmou que sua “especialidade é matar” em um moderado, por interesse na manutenção de uma determinada agenda econômica.
É importante que fique registrado para o futuro: autoridades brasileiras, ao negligenciar a violência política, tornam-se jurídica e moralmente responsáveis pelos desdobramentos de tais ameaças na vida pessoal dos indivíduos, bem como por todos os prejuízos causados à sociedade brasileira.
Texto de Silvio Almeida, na Folha de São Paulo.
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