Tinha uma pedra no meio do meu rim. No meio do meu rim tinha uma pedra. Nunca esquecerei esse episódio na vida de minhas bexigas tão fatigadas.
Não foi a primeira vez. Acho que foi a décima. Mas dessa vez estava sozinho com a minha filha. Giovanna tinha ido a São Paulo fazer um TED —a palestra, não a transferência bancária. Estava brincando com Marieta no chão da sala quando comecei a sentir aquela dor que parece uma cotovelada no bucho, uma vontade de ir ao banheiro sem vontade nenhuma de ir ao banheiro. Deitado, em posição fetal, liguei pra minha mãe vir me render, enquanto minha filha via perplexa o pai enrolado feito um gongolo. "Papai vai brincar que é um neném, tá?", avisei, enquanto mordia meu próprio dedo. Por sorte, minha filha gosta de acreditar que qualquer coisa é um neném: o controle remoto, a pantufa, a babá eletrônica. Uivava de dor enquanto ela trocava minhas fraldas imaginárias, perplexa com o realismo da minha interpretação. "Não chola, neném."
Chegando à emergência descubro que meus rins parecem a caverna de Ali Babá —trocando-se o diamante pelo oxalato de cálcio. Incrustada no rim, havia uma profusão de cálculos de todos os tamanhos. "Você é o que eu chamo de pessoa calculista", me explica Eduardo Rocha, meu nefrologista, também carnavalesco e podcaster.
De fato, desde pequeno meus rins dão defeito. Fazia xixi com sangue toda semana, pra desespero dos meus pais. Demoramos uns dois anos ou 15 médicos pra descobrir que não era nada, ou melhor, era uma "hematúria recorrente benigna", que era o termo médico pra "nada". Lembro de ouvir alguém dizer que eu tinha uma tendência a ter problema nos rins. Guardei a palavra "tendência" e a palavra "rins". Outro dia encontrei minha agenda de criança com um formulário com o quesito "problemas de saúde", que preenchi com "tendência nos rins" —achei que tendência fosse o nome da doença que eu tinha.
Hoje sei que tem a ver com alimentação. Não consigo desmamar da proteína animal, essa grande formadora de pedras, como me explicou o Eduardo. Tenho a impressão de que a minha alegria é construída sobre um pilar de muçarela, e se eu tirar, cai tudo junto. Tem que cortar na carne, e tirar o leite, pra tirar a pedra —mas cortar carnes e laticínios, pra mim, é tirar leite de pedra.
Tenho fé, no entanto, de que não vai sobrar pedra sobre pedra. E com as pedras que eu expelir, construirei o meu castelo.
Crônica de Gregório Duvivier, na Folha de São Paulo.
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