"Preciso contar uma coisa, mas você tem que acreditar em mim. Senta primeiro. Vai parecer absurdo, eu sei. Mas aconteceu. Bom, não existe nenhuma maneira de lhe preparar para isso, então vou falar de uma vez. Essa semana, eu estive na presença de um homem desconstruído."
"Você usou algum tipo de droga recentemente?"
"Não."
"Então você tem razão, é absurdo. Onde foi isso? Será que colocaram alguma coisa na sua bebida? Não pode dar mole com o copo, já falei mil vezes."
"Calma, deixa eu terminar. Eu estava em um churrasco, na casa do Paulinho..."
"O contato imediato de primeiro grau teria sido num churrasco? E na casa do Paulinho, que chama a porta da picape de mulher de malandro porque precisa bater com força? Seria mais verossímil você dizer que participou de um ménage com o fantasma do Kurt Cobain e o Chupa-Cu de Goianinha."
"Também achava que homem desconstruído era lenda urbana, até esse dia. Bebi de barriga vazia e acabei passando mal. Foi quando esse amigo do Paulinho me ofereceu uma carona. Entrei no carro e apaguei. Lembro que ele subiu comigo, pegou a chave na minha bolsa, me arrastou até a cama como se eu fosse um saco de batata e... Adivinha o que ele fez."
"Maldito. Isso não vai ficar assim."
"Nada. Ele não fez absolutamente nada. Me deixou lá, dormindo, e foi embora."
"Essa história tá um pouco mal contada. Como você pode ter certeza que foi isso que aconteceu?"
"Eu fui na ginecologista no dia seguinte e ela encontrou tudo do jeitinho que eu tinha deixado."
"Gay. Matei a charada."
"Pior que não. Eu peguei o telefone dele, fiquei intrigadíssima com a criatura. Pois bem. Jantamos, depois fomos pra casa dele. Foi quando ele disse que não tinha camisinha, que tinha esquecido de comprar. Até aí tudo dentro do esperado. Mas depois ele me pegou pela cintura e falou bem assim: sem camisinha não rola, não é seguro."
"Deus amado. Eu estou perplexa. O mundo precisa ouvir essa história."
"Nada disso. Você não pode contar para ninguém. Nunca viu 'E. T.' do Spielberg? Se descobrem que esse homem existe, vão trancar o pobre coitado num laboratório pra fazer um monte de experimento invasivo. E ele não merece isso."
"E o que pensa fazer com ele?"
"Ghosting. Não estou podendo me envolver agora."
Texto de Manuela Cantuária, na Folha de São Paulo.
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