Já que estamos em casa, confinados na luta contra a disseminação do coronavírus (e, portanto, com mais tempo para ler), decidi relacionar alguns dos meus livros preferidos (dentro do perfil da coluna, ou seja: obras com cerca de 200 páginas cada) no lugar da resenha da semana.
Penso que “Afetos Ferozes”, de Vivian Gornick, possa encabeçar essa seleção. É a história de uma filha que perambula por Manhattan com a sua mãe, já idosa, tentando estabelecer com ela uma relação, quase impossível, de proximidade e carinho.
Escolhi esse título porque não vai ser fácil o confinamento com a família sem que fiquemos um tanto felinos, e também para que possamos matar as saudades, por ora, de andar pelas ruas. Esse livro, preciso dizer, é muito mais do que isso, mas a pretensão dessa lista quase temática é despretensiosa.
“Pouco Amor Não É Amor”, do Nelson Rodrigues, é um livro de contos espetacular. Lá você vai encontrar o caldo precioso do autor: muita ironia, muito exagero e muita gente que vive de pose sendo desnudada sem dó.
Mas esse título não está aqui à toa. Ele também tem tudo a ver com nosso confinamento. Não fosse SUA essa criança, enlouquecendo na sala, sem a escola para te salvar, teria você tamanha paciência? Não fosse SEU esse marido-mala-sem-alça, reclamando o dia todo na sua orelha, teria você tamanho saco? Enfim, só com muito amor! Força, guerreiros!
“Isso Também Vai Passar”, além de ser uma frase boa de pensar e de se dizer em tempos de coronavírus, ainda dá título ao livro mais elogiado da catalã Milena Busquets. Blanca, a protagonista, é, ao mesmo tempo, tão sincera, perdida e divertida, que você mergulha em seu luto (pesadíssimo) e em suas férias bastante sexuais e ensolaradas.
“Do que É Feita a Maçã”, de Amós Oz, é a dica perfeita para você não se sentir, durante o período de isolamento, longe de bons interlocutores. Na saudade de tomar um café com seu amigo mais genial, leia a conversa do brilhante autor com uma amiga a respeito de tudo o que lhe inspira, lhe causa culpa e ainda sobre o amor, a paternidade e seus hábitos de escrita.
“Coisa de Menina?” dos psicanalistas Maria Homem e Contardo Calligaris é outra conversa aberta e honesta da qual você pode participar trancado em casa e ainda “sair” bem informado sobre as discussões de gênero e o feminismo.
“O Lobo da Estepe”, de Hermann Hesse, mostra um tipo diferente de você, que está aí achando o isolamento terrível. Esse cara adorava. Bem, ele quase se mata por isso mas, assim como você, pode acabar sendo salvo pelo amor (ou pela Netflix, mas eu não escrevi isso pois esta é uma coluna de livros).
“O Conceito da Angústia”, de Kierkegaard. Olha, você pode tratar a ansiedade e a bola de pelo na garganta com grupos de WhatsApp e tarja preta. Mas, conselho meu, o primeiro só vai piorar tudo e o segundo vai te deixar sem memória. Melhor entender de uma vez do que se trata essa vertigem de liberdade (mesmo em tempos de quarentena) e depois você ainda pode dizer que leu pelo menos um livro cabeça na vida.
“Formas de Voltar Para Casa”, de Alejandro Zambra. Eu sei que o que você quer é SAIR de casa, mas essa dica é somente para reforçar que a ditadura é um absurdo e que o Zambra é um dos maiores escritores vivos.
“Dias de Abandono”, da Elena Ferrante, vai te lembrar que Olga, depois de 15 anos de casamento, foi simplesmente largada pelo desgraçado do Mario. Você, com tudo que a vida em família tem de chata, pelo menos não está aí sozinho. Ou, se estiver, vai segurar nas mãos dessa protagonista enquanto dias melhores não chegam. Ou ainda: comemore e abrace essa solidão, confesso que tenho certa saudade.
“Quando os Pais se Separam”, da psicanalista Françoise Dolto, é uma boa dica para o final do confinamento. Mas, se tudo der certo, você não vai precisar. Esqueça esse por enquanto.
Reprodução da Folha de São Paulo.
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