O de Camus é uma peça de resistência: a cidade de Oran, infestada de ratos, se transforma em alegoria da Europa ocupada pelo nazismo. O de Saramago é um thriller de terror: a epidemia de cegueira branca mostra a que ponto se pode chegar diante de uma situação de caos. Invadir supermercados para esvaziar prateleiras com papel higiênico e álcool gel é só o início.
Há outras indicações na literatura, a competir com a maratona de séries e flash mobs sonoros. Num conto de Edgar Allan Poe, "A Máscara da Morte Vermelha", o príncipe Próspero despreza as alusões à peste negra e resolve dar uma festança, trancando mil amigos num castelo e deixando a miséria lá fora.
Qualquer semelhança com o Brasil atual é mera coincidência.
O tema era caro a Gabriel García Márquez: em "Cem Anos de Solidão", a peste da insônia contamina os habitantes de Macondo; o título "O Amor Nos Tempos do Cólera" dispensa explicações. Nas duas obras, revela-se a admiração do autor por "Um Diário do Ano da Peste", de Daniel Defoe. Há quase 300 anos este livro é um modelo, não só para abordagens sobre epidemias como também do registro de informações jornalísticas utilizando-se da narrativa ficcional. Suposto relato de uma testemunha ocular, a ação se passa no verão londrino de 1665, quando o autor tinha quatro anos de idade.
Lave as mãos depois da leitura.
Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário