Eu amava minha avó, mas tive que matá-la. Na frente de casa tem uma agência bancária da qual gosto muito. É lá que vou quando preciso sacar dinheiro do caixa eletrônico que, diferente da minha finada avó, funciona 24 horas.
Minha avó começava a bocejar às seis da tarde e capotava de sono às nove da noite, seu tempo de operação era incomparável ao de um caixa eletrônico. Por isso, quando nosso presidente me mandou
escolher entre minha avó e a economia, matei minha avó.
escolher entre minha avó e a economia, matei minha avó.
Vovó fazia bastante carinho em meus cabelos. Ela também me elogiava: “Minha filha, você está cada dia mais bonita”. Mas, francamente, o salão de beleza do shopping faz muito mais por mim. Corta, lava, hidrata, escova, faz botox capilar, balayage e mechas californianas. Quando vou pagar a conta, me dizem o quanto sou chique, divina e poderosa.
Então, quando nosso presidente me mandou escolher entre minha avó e a economia, matei minha avó.
Sinto saudades, claro. Mas ela já caminhava com certa dificuldade e, segundo o médico, não tinha muito como melhorar. Já nosso ministro “Chicago boy” vive dizendo que a economia brasileira, hoje mais manca que minha finada vozinha, em breve estará correndo maratonas. Por isso, matei minha avó. Te aconselho a fazer o mesmo.
Não adianta só se vestir inteiro de verde e amarelo e ir pra Paulista mostrar que não tem medo de “gripezinha”. Arminha com a mão é para amadores. É preciso provar que é um verdadeiro patriota, matando sua avó.
Vovó falava mal dos irmãos, das amigas com quem viajava pra Serra Negra em excursão e, muito cá entre nós, metia o pau na minha mãe. Completamente diferente do pastor da igreja aqui do bairro. Esse aí só fala bem de todo mundo. Diz que somos escolhidos, abençoados, maravilhosos.
O presidente declarou que se não continuarmos lotando as igrejas… bem, ele não explicou exatamente o que isso tem a ver com a economia. Mas eu sei que tem porque não sou completamente idiota.
Então, entre uma velhinha fofoqueira e um dízimo salvador, eu preferi matar minha avó. Entre os R$ 100 que ela me dava no Natal e as facilidades que estão dando na hora de pagar as faturas dos cartões Havan, eu decidi matar a minha avó.
Entre seu afetuoso bolinho de bacalhau e o Baby Back Ribs com delicioso molho barbecue do Madero Steakhouse, escolhi dar cabo da velha.
Ah, eu estava cansada de ficar trancada aqui. Tudo pra quê? Evitar, como disse aquele empresário-apresentador (não à toa ele carrega justiça em seu nome) a morte de 10% a 15% de idosos?
Li em algum lugar que jovens também podem vir a óbito mas, francamente, só se eles não forem atléticos como o próprio empresário-apresentador e o nosso presidente-mito. A pessoa não malha e quem fica fraca é a economia?
Há dias em que saio bem cedo e volto bem tarde. Pelo caminho, encontro muita laranja e bananinha, um sinal divino de que estou no rumo certo. Claro que não é fácil! Estou péssima, deprimida, arrependida.
Nada no mundo compra o que eu sentia deitada no colo da minha avó (e, mesmo que comprasse, ainda está tudo fechado e pela internet pode demorar). Mas eu vejo uma luz no fim do túnel: acho que é uma agência de publicidade funcionando. Vai ficar tudo bem.
Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo.
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