Há tempos, no rádio, um jogador de futebol foi classificado como “de meia tigela”. Um jovem ouvinte, desconhecendo a expressão, veio me perguntar o significado. Expliquei: “Um jogador de meia tigela é o que não é lá essas coisas”. Ele não se contentou: “Tudo bem, mas por que ‘de meia tigela’?”. E, aí, quem embatucou fui eu. Um craque, por exemplo, será de tigela inteira? E tigela de quê?
Eu próprio às vezes classifico alguém como tendo uma “voz de taquara rachada”. Acontece que não me lembro de jamais ter visto uma taquara, inteira ou rachada, e não sei como se pode falar por ela. E o que será uma coisa que “não vale dez mil réis de mel coado”? Posso entender que dez mil réis nunca tenham valido grande coisa, mas por que de mel e, ainda por cima, coado? E o que significará “responder na lata” a alguém que nos ofende? De onde sairá a lata com a qual responderemos?
Há muitos casos. Uma “piada de salão” é, naturalmente, uma piada inocente, que se pode contar na presença de senhoras. Mas ainda haverá salões onde tais piadas possam ser contadas ou senhoras a quem contar e, em havendo, valerá a pena contá-las? Alguém achará graça? E “orador de sobremesa”? Eu mesmo, há décadas, não participo de banquetes em que, servida a sobremesa, um comensal se levanta, pigarreia e faz um discurso chatíssimo. E “passar a pão e laranja”? Antigamente, isso era passar fome. Hoje, pão e laranja devem compor um lauto café da manhã para bacanas de dieta.
Até há pouco, quando se dizia a uma mulher que ela era “de fechar o comércio”, a frase era entendida, e com razão, como um grande elogio. Hoje não é mais. Aliás, nem é mais entendida. Nem pela mulher, nem pelo comércio.
O que prova que certas expressões podem atravessar os séculos e continuar em uso, mas seu significado original irá se perdendo até para seus usuários mais antigos. Mesmo que, como eu, linguistas de meia tigela.
Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo.
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