sexta-feira, 10 de agosto de 2018

A coruja de Ipanema

Há um mês que a vemos, todas as manhãs, empoleirada num toco fincado na areia, em Ipanema. Quando passamos por ela no calçadão, a menos de três metros, gira o pescoço a 200 graus e arregala os olhos. Podem ser olhos de sono, porque estão sempre circulados por duas ou três voltas de olheiras. É uma pequena coruja marrom. O que está fazendo ali, não sabemos. Sua presença naquele cenário é tão improvável quanto seria a de uma gaivota num galinheiro.  
Não entendo de corujas, mas sempre pensei nelas como bichos reclusos, avessos ao sol, vivendo entre folhas de árvores altas e dando expediente noturno. Pois, de repente, sai-me um exemplar a poucos palmos do chão, exposto ao céu mais azul que o inverno carioca pode produzir. E, pelo visto, gostando —ou não estaria ali, dia após dia, mesmo toco, mesma praia, mesmo céu. 
Isso não lhe tornava o cenário menos inóspito e comecei a me perguntar. De onde teria vindo e como voltaria para casa? Como conseguia dormir, com o barulho do trânsito dia e noite aos seus ouvidos? De que se alimentava? E, indefesa como parecia, estaria a salvo de predadores, inclusive do mais cruel, o homem? Para me instruir sobre corujas, recorri à enciclopédia móvel com a qual convivo diariamente: os taxistas do Rio. Com eles já aprendi sobre marés, ventos, fases da Lua e até as intimidades de Arubinha, personagem de uma famosa crônica de Mario Filho. 
No terceiro taxista inquirido, fiquei sabendo que nossa coruja não era assim tão indefesa. Com a envergadura de suas asas, poderia voltar quando quisesse para o vizinho Cantagalo, morro de onde devia ter saído. Que, se ainda estava por ali, é porque talvez fosse onde botaria seus... ovos. E, finalmente, que as corujas se alimentam de roedores, morcegos e insetos, bichinhos abundantes à noite na praia.
Pronto. Fiquei tranquilo. É só mais uma para o folclore —a coruja de Ipanema.


Texto de Ruy Castro, na Folha de São Paulo

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