quinta-feira, 30 de junho de 2016

Escolha de Ana Cristina Cesar é marca do desprestígio da literatura

Escolha de Ana Cristina Cesar é marca do desprestígio da literatura

'Quantos anos você acha que eu tenho?'

Uma professora defendia a ideia de que as pessoas podem ser consideradas ageless (sem idade) quando uma aluna perguntou: "Quantos anos você tem?"
A professora reagiu: "Quantos anos você acha que eu tenho?"
Constrangida, a aluna pensou duas vezes antes de responder: "38?"
A professora disse: "Se você acha 38, eu tenho 38!".
A aluna suspirou aliviada por ter acertado a idade que a professora tanto desejava aparentar.
As duas compartilharam um jogo tipicamente feminino: a aluna sabia que devia mentir e a professora, mesmo sabendo que é uma mentira, ficou muito feliz com os "38".
A cena é a mesma, só que com um aluno. Ele perguntou a idade da professora e ela reagiu: "Quantos anos você acha que eu tenho?"
Ele respondeu sem hesitar: "54".
A resposta feriu mortalmente a professora. O aluno, ao dizer exatamente a idade que a professora tem, sem jogar o jogo feminino de mentir a idade (provavelmente por desconhecer este tipo de jogo), desmascarou a fantasia de que ela aparenta ser mais jovem do que realmente é.
A professora descreveu a crueldade do aluno para uma colega alemã. A alemã não conseguiu entender por que a brasileira se sentia feliz quando os outros diziam –ou melhor, mentiam– que ela parecia ter menos idade.
"Por que você quer parecer mais jovem? Por que dizer a própria idade é um drama para você? Por que você sente vergonha de ter 54 anos? Este é um comportamento muito infantil, não combina com uma mulher madura. Você não acha uma falta de dignidade querer ser o que você não é?"
Em uma cultura em que o corpo jovem é uma verdadeira riqueza, um "corpo-capital", é compreensível que as mulheres tenham pânico de envelhecer e de revelar a idade. No entanto, quando a mulher é valorizada por outros capitais, ela pode envelhecer com mais dignidade, liberdade e felicidade.
Termino com um conselho de amiga. Nunca pergunte a uma mulher: "Quantos anos você tem?". Se ela responder: "Quantos anos você acha que eu tenho?", você terá que mentir muito, mas muito mesmo, para deixá-la feliz.


Texto de Mirian Goldenberg, na Folha de São Paulo

Há golpe

No sábado, dia 25, a senadora Rose de Freitas, líder do governo de Michel Temer no Senado, disse o seguinte: "Na minha tese, não teve esse negócio de pedalada, nada disso. O que teve foi um país paralisado, sem direção e sem base nenhuma para administrar."
Na segunda-feira, dia 27, a perícia do corpo técnico do Senado informou que Dilma Rousseff não deixou suas digitais nas "pedaladas fiscais" que formam a espinha dorsal do processo de impeachment. Ela delinquiu ao assinar três decretos que descumpriam a meta fiscal vigente à época em que foram assinados. Juridicamente, é o que basta para que seja condenada por crime de responsabilidade. (Depois a meta foi alterada, mas essa é outra história.)
Paralisia, falta de rumo e incapacidade administrativa podem ser motivos para se desejar a deposição de um governo e milhões de pessoas foram para a rua pedindo isso, mas são insuficientes para instruir um processo de impedimento. Como diria o presidente Temer: não "está no livrinho".
Se uma coisa tem o nome de julgamento, ela precisa guardar alguma semelhança com um julgamento, mesmo que a decisão venha a ser política.
Durante a ditadura, parlamentares perdiam seus mandatos em sessões durante as quais, em tese, era "ouvido" o Conselho de Segurança Nacional. Nelas, cada ministro votava. Ninguém foi absolvido, mas o conselho era "ouvido". Tamanha teatralidade teve seu melhor momento quando o major-meirinho que lia o prontuário das vítimas anunciou:
– Simão da Cunha, mineiro, bacharel...
Foi interrompido pelo general Orlando Geisel, chefe do Estado Maior das Forças Armadas:
... Basta!
Bastou, e o major passou à próxima vítima.
Dilma Rousseff é ré num processo que respeita regras legais, mas se a convicção prévia dos senadores já está definida na "tese" da líder do governo, o que rola em Brasília não é um julgamento. É uma versão legal e ritualizada do "basta" de Orlando Geisel.
O constrangimento provocado pelo resultado da analise técnica das pedaladas aumenta quando se sabe que a maioria do atual governo na comissão de senadores passou a rolo compressor em cima do pedido de perícia, feito por José Eduardo Cardozo, advogado de Dilma. Ela só aconteceu porque Cardozo recorreu ao Supremo Tribunal Federal e o ministro Ricardo Lewandowski deu-lhe razão.
Desde o início do processo de impeachment estava entendido que a peça acusatória não viria com a artilharia do petrolão e de outros escândalos da presidente afastada. Haveria uma só bala, de prata, contábil. No caso dos três decretos assinados pela presidente, houve crime. Isso é o que basta para um impedimento, mas deve-se admitir que esse critério derrubaria todos os governantes, de Michel Temer a Tomé de Sousa.
Os partidários da presidente sustentam que o seu impedimento é um golpe. Não é, porque vem sendo obedecida a Constituição e todo o processo está sob a vigilância do Supremo Tribunal Federal.
Pelas características que adquiriu, o julgamento de Dilma Rousseff vai noutra direção. Não é um golpe à luz da lei, mas nele há um golpe no sentido vocabular. O verbete de golpe no dicionário Houaiss tem dezenas de definições, inclusive esta: "ato pelo qual a pessoa, utilizando-se de práticas ardilosas, obtém proveitos indevidos, estratagema, ardil, trama".


Texto de Elio Gaspari, na Folha de São Paulo

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Morre aos 86 anos ator italiano Bud Spencer, ícone do western spaghetti

Conhecido por sua parceria no cinema com Terence Hill, o ator italiano de western spaghetti Bud Spencer morreu nesta segunda-feira (27), aos 86 anos, em Roma. O anúncio foi feito pela família. A causa da morte não foi divulgada.
"Temos a grande tristeza de anunciar que Bud partiu para sua última viagem", tuitou nesta segunda à noite a família Pedersoli.
Carlo Pedersoli, nome verdadeiro do ator, nasceu em Nápoles, em 31 de outubro de 1929, em uma família rica. Seu pai, originário de Bréscia, era um homem de negócios.
Em 1940, a família se mudou para Roma. Lá, Spencer curiosamente se destacou por ser um excelente nadador.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a família emigrou para o Recife, onde o italiano abandonou seus estudos e fez trabalhos ocasionais, entre eles pedreiro e bibliotecário.
De volta a Roma retomou a natação, com a qual chegou a obter sete títulos nacionais, enquanto fazia pequenos papéis no cinema, entre eles em "Quo Vadis" e em "Adeus às armas".
Casado com a filha de um produtor cinematográfico, filmou, já com 38 anos, em 1967, seu primeiro western spaghetti: "Dio perdona, Io no", traduzido em alguns países como "Deus perdoa, eu não".
Para este filme, havia decidido mudar seu nome artístico, adotando Bud Spencer, em homenagem a uma marca de cerveja e ao ator Spencer Tracy.
Seu grande sucesso europeu e latino-americano veio com o filme de 1970 "Meu Nome é Trinity", onde interpreta o papel do gigante com coração de ouro, que sempre defendia as viúvas e os órfãos, batendo forte, mas sorrindo ao mesmo tempo.
Filmou seu último filme, "Cantando dietro i paraventi" ("Cantando atrás do para-brisas"), em 2004, e nas eleições regionais de 2006 foi candidato a um cargo pelo partido de Silvio Berlusconi. Desde então, havia quase se retirado da vida pública.


Notícia da AFP, vista na Folha de São Paulo

Presídios no México usam tortura e estupro contra detentas, diz ONG

Um relatório elaborado pela Anistia Internacional e divulgado nesta terça (28) aponta o aumento da violência pelas forças do Estado no México e mostra que a maioria das detentas ouvidas é alvo de maus tratos ou é torturada no ato de sua prisão ou quando já está encarcerada.
Segundo o estudo "A Tortura de Mulheres no México", 97 das 100 mulheres ouvidas em distintas regiões do país afirmaram terem sido tratadas com violência. Trinta e três dizem ter sido estupradas por integrantes das Forças Armadas ou da polícia.
Apesar das 2.403 denúncias registradas na Justiça, afirma o documento, nenhum processo foi aberto contra os possíveis agressores. A maioria das detentas ouvidas está em prisão preventiva enquanto aguarda julgamento por crimes relacionados ao narcotráfico.
"O que mais nos espanta é a impunidade. Entre 2010 e 2015, nenhum soldado ou oficial foi suspenso ou advertido por abuso da força ou por tortura", disse à Folha Madeleine Penman, uma das responsáveis pelo relatório.
"Nosso estudo mostra que os abusos, muitas vezes envolvendo estupros, são um método rotineiro para tratar as detentas."
Entre os métodos de tortura listados pelo relatório estão choques elétricos em partes íntimas e espancamentos.
"Além disso, essas mulheres esperam julgamento longe de suas casas e famílias, com grande prejuízo aos filhos", acrescenta Penman.
A Anistia diz ter procurado o Estado mexicano para ouvi-lo sobre os números, mas não recebeu resposta.

AUMENTO DA VIOLÊNCIA
O relatório é divulgado num momento de acirramento da violência praticada pela polícia e pelas Forças Armadas, com vítimas civis e não necessariamente ligadas ao crime organizado.
Há poucas semanas, um confronto da polícia com professores em greve deixou nove mortos no Estado de Oaxaca. O envolvimento de forças do Estado em mortes de civis é investigado nos massacres de Tlatlaya, com 22 mortos, e Ayotzinapa, no famoso caso do desaparecimento de 43 estudantes.
"O aumento do uso da força pelo Estado tem sido constante desde o início da guerra com o narcotráfico, mas hoje já a extrapola; é um modo sistemático de atuação cotidiana", conclui Penman.
Durante a gestão de Felipe Calderón, do PAN (Partido da Aliança Nacional, centro-direita), entre 2006 e 2012, o Estado mexicano declarou guerra aos cartéis e iniciou ações bélicas de forma sistemática.
O saldo desse confronto chega a 80 mil mortes, incluindo milhares de civis. Já seu sucessor, Enrique Peña Nieto (PRI, direita), regionalizou ações e adotou alianças em alguns casos, com as chamadas "auto-defensas" -milícias formadas por cidadãos.
Segundo estimativas de ONGs, a estratégia não vem surtindo resultado, e a violência no México tem crescido. Só em 2016, o número de homicídios subiu 15%.
Diante do quadro, no último domingo (26), milhares de pessoas marcharam no centro da Cidade do México pelo fim da violência.
Depois de ser desautorizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que contestou a versão oficial sobre o desaparecimento dos 43 estudantes em Ayotzinapa, e de seu partido, o PRI, ter perdido em vários Estados na eleição regional mais recente, Peña Nieto vem propondo mudanças na abordagem do tema da segurança.
Uma delas é a introdução do debate sobre a despenalização da posse e do consumo de maconha e a liberação da droga para uso medicinal.


Reportagem de Sylvia Colombo, para a Folha de São Paulo

Brechó Brexit

A barulheira contra a deliberação do eleitorado britânico em sair da União Europeia expressa o mal-estar crescente com a democracia. Um Aécio Neves não faria má figura no Reino Unido. Também lá se esgoela contra o resultado das urnas e se berra que o referendo deve ser refeito.
Vale qualquer gambiarra, menos a soberania popular. Para os bens pensantes, ela é um robe de chambre puído que deveria ser recolhido a um brechó –assim como os direitos trabalhistas, o amparo a aposentados e a chance de ter emprego ao fim da faculdade. Nada disso cabe na globalização comandada pela grande finança.
Foi contra ela que os súditos de Elizabeth 2ª estrilaram. Os mapas eleitorais mostram que o repúdio à União Europeia venceu nos distritos com maior número de remediados; ou de idosos; ou de desempregados (que competem com imigrantes por vagas); ou de vulneráveis (dependentes do Sistema Nacional de Saúde).
O repúdio à política da austeridade, cuja implantação no velho continente cabe à União Europeia, não se limita ao Reino Unido. Onde quer que haja eleições, a repulsa ao desmantelamento de conquistas sociais aparece.
Foi assim há pouco, na Itália e na Espanha, onde soçobraram os partidos que pregaram a desregulamentação do trabalho e o enfraquecimento do Estado –exceto da polícia e das forças armadas, que dispõem de verbas cada vez mais formidáveis.
O mal-estar com a democracia brota da tensão entre os fundamentos econômicos do continente e a sua organização política. Desde 2008, ele vem crescendo. Porque grandes bancos ganharam bilhões de euros para sair da crise e nem por isso ela arrefeceu. Para completar, guerras no Oriente Médio levaram milhares de miseráveis a buscar abrigo na Europa.
A tensão não surge só na hora de votar. Na França, desde março se sucedem manifestações-monstro contra a lei El Khomri. Houve greves em metrôs e trens, na educação, na aeronáutica e até em centrais nucleares. A nova legislação permite que acordos entre trabalhadores e empresas se sobreponham às convenções coletivas.
A lei, que segue diretivas da União Europeia, destrói um poderoso instrumento de barganha dos trabalhadores –as campanhas salariais unificadas, de um mesmo ramo da economia. Nas reformas de base de 64, aliás, o sindicalismo brasileiro era mais radical que o francês: reivindicava a data-base única, o 1º de maio, para todas as categorias profissionais.
Como estandarte dos tempos de empoderamento, a lei leva o nome da ministra do Trabalho, a triplamente oprimida Myriam El Khomri: mulher, marroquina e muçulmana. Só um partido social-democrata, o PS, imaginaria um nome tão politicamente correto para uma lei tão antitrabalhadores. Nem Sarkozy pensou nisso.
A vaga contra a Europa da elite abalou partidos novos e antigos, à direita e à esquerda. Na Itália, o Cinco Estrelas, populista, vem de eleger prefeitas em Roma e Turim. Na Grécia, o Syriza, de extrema-esquerda, passou rapidinho da teoria antiausteridade à prática do arrocho. Virou governo e sua militância definha.
Na Espanha, um movimento de rua, o Podemos, se inspirou na Venezuela de Chávez, quis se mostrar responsável como o PT de Lula –e foi à breca no domingo. Na França, a Frente Nacional, protofascista, cresce sobre a ruína do PS. Na Escócia, o separatismo galvanizou a juventude, mas açulou a direita racista.
O brechó brasileiro é parte desse mundo. Também aqui há tensão entre democracia e regressão econômica. Entre as necessidades do capital e a aspiração a uma vida menos bruta. Entre os políticos que traíram seus eleitores e a busca de quem os substitua.

Texto de Mário Sérgio Conti, na Folha de São Paulo

terça-feira, 28 de junho de 2016

Biografia de Nem já é obra de referência sobre morros cariocas

Biografia de Nem já é obra de referência sobre morros cariocas

Brazil-self-exit da América do Sul


Nos últimos dias, o resultado do plebiscito britânico, que deixou a Europa de ponta-cabeça, e os novos episódios de espoliação do Estado brasileiro revelados pela operação Lava Jato ofuscaram dois importantes acontecimentos na América do Sul.
O primeiro deles foi a visita do subsecretário de Estado dos EUA para Assuntos Políticos e ex-embaixador no Brasil, Thomas Shannon, à Venezuela. Já o segundo foi o concreto avanço para a celebração de um acordo de paz definitivo na Colômbia, após 50 anos de conflito.
Shannon é um dos mais influentes membros do alto escalão do Departamento de Estado e conhece profundamente os interesses estratégicos brasileiros, não apenas na América do Sul, mas no mundo.
O encontro dele com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, transcende superficiais gestos diplomáticos, sobretudo por se tratar da personalidade e do contexto – esta é a primeira visita de alta autoridade de Estado dos EUA, em anos, a convite de Caracas.
Cientes da perda de influência do Brasil, os venezuelanos decidiram reabrir os canais de diálogo com Washington, trazendo os EUA ao centro do poder decisório da América do Sul na condição de palatáveis atores de mediação da crise política que assola o país.
Diante da escolha entre um Brasil com discurso hostil a Caracas e uma política externa nada "friendly", mas pragmática, caso da diplomacia norte-americana com o bolivarianismo, a Venezuela optou pelos EUA. Isso significa que a possibilidade do Brasil exercer um papel qualificado e legítimo no diálogo entre oposição e governo está, por ora, neutralizada.
No fundo, o teor da conversa entre Maduro e Shannon nem sequer precisa ser revelado. Para bom entendedor, a foto é, por si só, uma marcante poesia.
Da mesma forma, a histórica assinatura do acordo de cessar-fogo entre o governo da Colômbia e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), após exaustivas negociações, deixou a impressão de que não há lugar robusto para o Brasil na cena, e mesmo na região, para além de prestar protocolares congratulações ao povo colombiano.
Ainda que o Brasil discordasse do protagonismo que deveria lhe caber e preferisse que o processo de paz colombiano não tivesse sido tratado no âmbito do Conselho de Segurança da ONU, a maior nação da América Latina deixou de influir em boa parte do ciclo de mediações e foi solenemente colocada de lado.
No fundo, o que se pode inferir dessas lições é que Caracas de agora em diante irá ignorar Brasília; no caso da Colômbia, o Brasil limitou o seu próprio escopo de atuação.
Após longo hiato na América do Sul e em face da ausência de uma potência regional disposta a – e com os meios para – resolver problemas geopolíticos em sua esfera de influência, os EUA reocupam o vácuo de poder e retomam as rédeas dos temas políticos da região.
Abdicar de uma firme e focada estratégia sul-americana é suicídio. São fatos de suma importância política aos interesses estratégicos do Brasil na região, e seu impacto deveria ser matizado, com urgência, por Brasília. O governo precisa mudar a nau do "Brazil-self-exit" da América do Sul.


Texto de Hussein Kalout, na Folha de São Paulo

Fotógrafo de moda Bill Cunningham morre aos 87 anos

Fotógrafo de moda Bill Cunningham morre aos 87 anos

Americano trabalhou por quase quatro décadas no New York Times
O célebre fotógrafo de moda Bill Cunningham, do jornal New York Times (NYT), morreu nesse sábado aos 87 anos, anunciou a publicação para a qual trabalhou por quase quatro décadas.  Cunningham, uma lenda da fotografia de moda nas ruas, havia sido hospitalizado depois de sofrer um derrame, segundo o NYT, que classificou o artista de "antropólogo cultural atípico".
Olhos à espreita, um pouco encurvado, sempre com uma jaqueta azul e uma câmera fotográfica pendurada ao redor do pescoço, Cunningham tinha uma paixão: fotografar o estilo das ruas. Este homem discreto, nascido em Massachusetts em 1920, sabia ver antes que ninguém "o que viraria tendência em seis meses", afirmou Anna Wintour, diretora de redação da revista Vogue nos Estados Unidos, em um documentário sobre o fotógrafo, "Bill Cunningham New York".
Homem de conhecimento enciclopédico, o fotógrafo dominava a arte de descobrir as principais tendências, inclusive de vanguarda, nas ruas, nos palcos ou nas festas.  "Você deve deixar que a rua te diga qual é a história", afirmou em 2014, em uma entrevista na qual declarou "não ser bom fotógrafo". "Não se deve ter ideias preconcebidas, você tem que sair e deixar que a rua fale", completou Cunningham, que começou a carreira criando chapéus para nova-iorquinos da alta sociedade.
Em 1963, ele trabalhava para a Chez Ninon, um ateliê de roupas sob medida, quando Jackie Kennedy, uma cliente regular, enviou um terninho Dior vermelho antes do funeral de seu marido, o presidente assassinado John Kennedy.
Suas primeiras fotografias de desconhecidos, mas também de celebridades como a atriz Greta Garbo em 1987, permitiram conseguir uma coluna regular no New York Times, "On The Street" ("Na rua"), onde a cada semana eram expostas as últimas tendências.
"Sua companhia era buscada pelos ricos e famosos do mundo da moda e, no entanto, sempre foi um dos homens mais amáveis, mais doces e humildes que conheci", declarou o diretor do jornal, Arthur Sulzberger Jr. "Perdemos uma lenda", completou.

Reprodução do Correio do Povo

Morre Caçapava, ex-jogador do Inter

Morre Caçapava, ex-jogador do Inter

Luís Carlos Melo Lopes foi um dos maiores ídolos da história do clube

Um dos maiores ídolos da história colorada, Luís Carlos Melo Lopes morreu às 7h30min desta segunda-feira. Aos 61 anos, natural de Caçapava do Sul, ficou conhecido pelo nome de sua cidade: Caçapava. O ex-jogador morreu de infarto na cidade natal.
O ex-volante jogou no Inter na década de 70. Em 1972 o ex-atleta transferiu-se para o Inter, onde, aos poucos, começou a trilhar o caminho das grandes conquistas. Em 1974, conquistou seu primeiro grande título com a camisa colorada, o primeiro Campeonato Gaúcho de muitos outros que estavam por vir – venceu também em 1975, 1976 e 1978.
Atualmente, Caçapava trabalhava no setor de relacionamento social do Inter e participava dos eventos consulares do Colorado. 

Reprodução do Correio do Povo

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Os mitos da Previdência

O governo interino de Michel Temer anunciou para as próximas semanas o envio de um projeto de Reforma da Previdência ao Congresso Nacional. A proposta capitaneada por Henrique Meirelles deve incluir idade mínima para aposentadoria e aplicação das novas regras já aos trabalhadores na ativa.
A missão, diga-se, foi preparada pela presidenta Dilma, que defendeu a reforma na abertura do ano legislativo como parte das fracassadas tentativas de angariar apoio no mercado. Agora, o interino e seu ministro-banqueiro querem impô-la guela abaixo dos trabalhadores.
Paralelamente intensifica-se a mistificação da opinião pública, forjando um consenso de que o ataque às aposentadorias é uma preocupação com o futuro e que, sem ele, o país caminharia à bancarrota
O primeiro mito é de que os brasileiros se aposentam mais cedo que a maior parte dos trabalhadores do mundo. E que, com o aumento da expectativa de vida por aqui, nos tornamos um caso único e insustentável.
Vamos aos números. Nas regras atuais, para obtenção de aposentadoria integral, os homens precisam da combinação de 60 anos de idade com 35 de contribuição, e as mulheres, 55 de idade com 30 de contribuição. É o chamado fator 85/95, aprovado em 2015. A expectativa de vida média no país é hoje de 75 anos.
O economista da Unicamp Eduardo Fagnani fez o comparativo: "No caso da aposentadoria por tempo de contribuição, o patamar 35/30 anos é superior ao estabelecido na Suécia (30 anos) e se aproxima do nível vigente nos EUA (35 anos), Portugal (36), Alemanha (35 a 40) e França (37,5), por exemplo. Como se sabe, esses países têm renda per capita bastante superior à brasileira e a expectativa de vida ao nascer é superior a 80 anos".
O Brasil, diz ele, tornou-se um ponto fora da curva pela razão inversa. A aprovação do fator previdenciário em 1998 estabeleceu padrões de aposentadoria mais duros que a média internacional, em prejuízo dos trabalhadores.
O segundo mito, repetido à exaustão, é o do rombo da Previdência Social. Meirelles anunciou recentemente que a Previdência terá um déficit de R$136 bilhões neste ano, seguindo a trajetória dos anos anteriores. As receitas da Previdência, portanto, seriam sistematicamente menores que o gasto com aposentadorias. Daí a necessidade da reforma.
Num extenso trabalho, a economista da UFRJ Denise Gentil mostrou que esse cálculo é falacioso. Acima de tudo, desrespeita a normatização do sistema de Seguridade Social pela Constituição.
A contabilização do déficit considera como receita da Previdência apenas os ingressos do INSS que incidem sobre a folha de pagamento. Desconsidera outras fontes estabelecidas expressamente pelo artigo 195 da Constituição, tais como a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e as receitas de concursos de prognóstico (resultado de sorteios, como loterias e apostas).
Essas fontes estão atreladas constitucionalmente ao sistema de Seguridade Social. O dito rombo da Previdência é resultado do direcionamento indevido delas a outras finalidades, notadamente o pagamento da dívida pública.
A professora Denise estudou um período de 15 anos, esmiuçando como a manobra que mistura o orçamento da Seguridade Social com o orçamento fiscal produz a ideia do rombo.
E não se trata apenas de uma sutileza contábil. O que está em jogo é a disputa do fundo público entre o necessário pagamento das aposentadorias ao trabalhador brasileiro e o financiamento de agiotas internacionais, com os juros escorchantes da dívida.
Meirelles e sua turma têm um lado bem definido nesta disputa. Com os argumentos falaciosos do "rombo" e das "distorções", querem na verdade retirar direitos adquiridos, penalizando os setores mais vulneráveis. Aliás, não os vemos questionar o pagamento de pensões vitalícias a familiares de militares nem o acúmulo de benefícios pelos ministros do Superior Tribunal Militar.
Colocando os mitos de lado, a marca desta reforma da Previdência é atacar os direitos dos trabalhadores, mantendo intocados os privilégios.


Texto de Guilherme Boulos, na Folha de São Paulo

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Fotomania

Não é só o limite para o uso da internet. O meu celular dá sinais de exaustão todos os dias. Pede-me para atualizar não sei que aplicativo; quando aceito a intimação, ele mesmo diz que não há mais espaço para nada, que o download é impossível.
Meus programas devem estar mais ou menos estacionados na campanha eleitoral de 2014; até no celular resisto às novas realidades do país. Ou melhor, tento dar um jeito. O aparelho indica os arquivos e pastas que estão pesando muito, que é preciso apagar.
Não consegui resolver muita coisa, mas ganhei uma nova mania, que se estende ao laptop também: a de apagar antigas fotografias.
Faço, de vez em quando, grandes expedições para enviar o que há de mais importante para um serviço de revelação digital. Mas uma grande quantidade de fotos acaba indo para a lixeira mesmo.
É que, graças ao celular, nunca ficou tão fácil tirar fotografias a todo pretexto. Ficam guardadas em algum chip, e nunca mais nos lembraremos delas. É a falsa memória, empanturrando um cérebro terceirizado.
Fotos de paisagens, por exemplo. A menos que sejam lindíssimas, terminam significando quase nada. Num país ventoso, cinzento e gelado, aquela encosta de arbustos verdes me pareceu notável. O ônibus da excursão estacionara numa curva do caminho.
"Aqui o clã dos Mc Rery foi exterminado pelo exército dos Mc Sparse", contava o guia; o que fazer, senão tiritar e tirar uma foto?
Atenção, aquele ponto preto, a cem quilômetros do último pico da montanha, é um condor! Aponto o celular. A meus pés, entre pedras brancas e areia cinza, quase invisível, esconde-se um rápido lagarto. Incrível! Uma foto só não basta –o bicho é ágil, talvez a imagem esteja borrada, tento outra, e esta aqui, de perfil, será a melhor das 11.
Os alemães têm uma palavra boa para designar atrações turísticas. Chamam-nas de "Merkwürdigkeiten". Dá mais ou menos para adivinhar que "merk" tem a ver com "reparar", "to remark", "observar", "remarquer", "atentar para". O "würdig" significa algo como "digno de", "potencialmente". O "keit" do final serve para substantivar o adjetivo.
Resumindo, a palavra indica "coisas que potencialmente serão dignas de que você repare nelas".
O ato de reparar, todavia, é passivo demais. No mínimo, exige que o compartilhemos com a pessoa ao lado. Azar: ela também está ouvindo as explicações do guia sobre aquela raça de vacas, presente apenas na Escócia, na Patagônia ou no Cariri. Assentimos com a cabeça.
Um mudo ponto de exclamação (!) pode homenagear esta ou outra magra queda d'água, aquele mísero resíduo arqueológico, a grande pedra no meio do caminho.
Que mais fazer, a não ser tirar uma foto com o celular, e "compartilhá-la" no Facebook, já lotado de amigos que nunca conheci?
A imagem sem valor será encaminhada para pessoas igualmente destituídas de importância para mim.
Por que isso tudo? Talvez algumas coisas tenham se tornado fáceis demais, baratas demais. Quando as fotos eram em película, pensava-se melhor antes de tirá-las e pagar a revelação.
Não é que a coisa sem valor tenha preço baixo. Por terem preço baixo, ou nulo, nascem coisas sem valor nenhum.
Mas talvez a fotomania tenha, apesar de tudo, um sentido mais profundo. O "notável" ("merkwürdig") lagarto atrás do cacto também "compartilhava" (êta palavrinha chata) comigo um mesmo e diminuto espaço do mundo. Um segundo depois, e terá fugido de vista. Preciso fotografá-lo antes que desapareça. Estou tentando, com meu celular, segurar o tempo. Quero que o instante fique; não quero que, meramente visto, o lagarto morra da minha memória, e eu com ele.
Registro, na verdade, o fato de que aquele segundo foi um pouquinho mais especial do que qualquer outro. A viagem já era uma parada no tempo. O ônibus de turismo, que estacionou, impõe interrupção nova e oficial ao transcurso indiferente do dia.
O despenhadeiro em que se deu aquela vaga batalha do século 11 prossegue em sua longa existência geológica. Nada acontece; o choque das espadas e o sangue dos soldados nada mais foi que uma fagulha no tempo. Eu me transformo apenas num celular que pisca.
Duas luzes mínimas, a de um flash, a de uma fogueira, se respondem no intervalo de mil anos. Depois apago os arquivos do celular.


Texto de Marcelo Coelho, na Folha de São Paulo

terça-feira, 21 de junho de 2016

A tentação da delação

A praia do Futuro é uma das mais procuradas por quem gosta de relaxar ao sol de Fortaleza. Em torno de suas areias cresceu o bairro Dunas, endereço de mansões protegidas por muros altos e cercas eletrificadas. É numa delas que repousa Sérgio Machado, o ex-presidente da Transpetro que abastecia políticos com dinheiro do petrolão.
Depois de delatar os comparsas, o peemedebista foi premiado com o regime de prisão domiciliar. Não passou um único dia na cadeia e foi autorizado a se recolher ao conforto do lar, onde poderá matar o tempo entre a piscina, a quadra poliesportiva e a churrasqueira. Ele ainda terá autorização para sair de casa em ao menos oito datas até 2018, quando se livrará da tornozeleira eletrônica.
Machado não é o único réu do petrolão a levar uma doce vida depois de fechar acordo de delação com a Lava Jato. Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras, habita um condomínio exclusivo em Itaipava, na região serrana do Rio. É vizinho de altos executivos e de um ministro do Supremo, que acumulou patrimônio como advogado de renome.
Pedro Barusco, o ex-gerente da estatal que organizava planilhas de propina, aproveita o mar em Angra dos Reis. No ano passado, foi fotografado à vontade numa cadeira de praia, dando baforadas num charuto e tomando cerveja. Ele cumpre pena em regime aberto, que dispensa a companhia da tornozeleira.
Eduardo Cunha, o deputado, levou uma vida de milionário no período em que a Petrobras era saqueada -na certa, uma coincidência. Hospedou-se nos hotéis mais caros do mundo, jantou nos melhores restaurantes e colecionou carros importados, alguns registrados em nome da empresa Jesus.com.
Agora Cunha está ameaçado de prisão e ouve conselhos para oferecer uma delação à Lava Jato, hipótese que assombra figurões no Congresso e no governo interino. Os exemplos de Machado, Costa e Barusco devem ajudá-lo a decidir.


Texto de Bernardo Mello Franco, na Folha de São Paulo

domingo, 19 de junho de 2016

O sistema

delação completa de Sérgio Machado, além de detonar a cúpula peemedebista, mostra a longevidade das práticas desbaratadas pela Lava Jato. O Estado não foi tomado em 2003 por uma organização criminosa especializada em propinas: esse é o modo tradicional de financiamento político no Brasil. Para não deixar dúvidas, o delator retroage ao longínquo ano de 1946, ou seja, quando se inaugurou a democracia de massa no país e as campanhas ficaram mais caras, o ponto em que situa o início da maracutaia generalizada.
O ex-presidente da Transpetro sabe do que fala. Consta no "Dicionário Histórico-Biográfico" do CPDOC, a fonte mais confiável sobre os políticos brasileiros, que seu pai ingressou no antigo PSD (Partido Social Democrático) em 1946, e foi, sucessivamente, deputado estadual, federal e ministro de Viação e Obras Públicas. Ficou na Câmara até ser sucedido pelo filho, em 1991, numa típica passagem das aristocracias que compõem o Parlamento.
Que o regime 1946-1964 fosse tocado a expressivas doses de corrupção não surpreende qualquer leitor medianamente informado. Embora as denúncias recaíssem, de maneira desequilibrada, sobretudo em cima da coalizão popular getulista, atingiam todo o espectro. Basta lembrar o dístico que celebrizou o ex-governador paulista Adhemar de Barros (longe de ser um contestatário): rouba, mas faz.
Quanto ao período militar (1964-1985), se faltassem dados antigos, aí está o depoimento recente do empresário Ricardo Semler, segundo o qual, nos anos 1970, era impossível vender equipamentos para a Petrobras sem pagamento de propina. Na mesma direção, Pedro Corrêa, ex-deputado e ex-presidente do PP, herdeiro da antiga Arena, afirmou, na sua colaboração premiada, saber dos desvios na estatal desde a ditadura. O próprio depoente reconheceu receber propinas desde aquela época, só que por contratos no velho Inamps.
Restabelecidos os civis no poder, pouco parece ter mudado. O pessedebista Semler relata que a sua empresa voltou a tentar vender para a Petrobras nos anos 1980 e 1990, encontrando a mesma situação anterior. "Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso", escreveu. Senador pelo PSDB durante o mandato de FHC, Machado, ele mesmo, realizou operações de desvio para os tucanos (que haviam deixado o PMDB em 1988 por causa da corrupção!).
Nada disso exime o PT, principal acusado antes de Machado escancarar a abrangência do método. Ao contrário, também criado para combater tais práticas, o partido precisa explicar por que, onde e quando mudou de direção. Mas descarregar toda a indignação sobre o petismo não só é injusto, como não contribuirá para que o sistema no Brasil de fato mude.


Texto de André Singer, na Folha de São Paulo

sábado, 18 de junho de 2016

Morre Rubén Aguirre, o Professor Girafales do seriado "Chaves"

Morre Rubén Aguirre, o Professor Girafales do seriado "Chaves"

Ator mexicano tinha 82 anos
O ator mexicano Rubén Aguirre, conhecido pelo seu papel como "Professor Girafales" no seriado Chaves, morreu nesta sexta-feira aos 82 anos. Quem confirmou a morte foi Edgar Vivar, intérprete do "Senhor Barriga" na atração televisiva. A causa da morte de Aguirre ainda não foi divulgada.
"Meu professor favorito descansa em paz. Hoje meu grande amigo Rubén Aguirre parte deste plano. Sentirei muito sua falta", escreveu Edgar em sua conta no Twitter, onde divulgou sua última foto ao lado do amigo. 
Aguirre vinha apresentando alguns problemas de saúde. Há pouco menos de duas semanas, esteve internado para tratar de uma pneumonia. Sua filha, Verônica, disse ao jornal Clarín, que o pai estava "um pouco melhor", mas não estava totalmente recuperado. Na ocasião, o ator chegou a publicar uma mensagem aos fãs. "Obrigado pelas mensagens. Elas me alegram", escreveu.
Além da pneumonia, Aguirre usava remédios para controlar sua diabetes, cálculos de vesícula e doenças renais. Ele vivia em uma cadeira de rodas desde 2007, quando sofreu um grave acidente de carro. Sua mulher, Consuelo de los Reyes, chegou a perder uma das pernas na ocasião.
Por conta de sua saúde debilitada, viveu recluso em seus últimos anos, afastado da Cidade do México, capital do país. Deixou a vida artística por vergonha do próprio corpo - ele engordou muito por conta da medicação e ficou com peso maior que o do amigo Edgar Vivar.

Reprodução do Correio do Povo

Bela, recatada e do lar

Aos que vivem dentro das muralhas que protegem o Norte, pode parecer que nos tornamos de vez um país de selvagens. Anátemas no governo eleito, agora há grande tolerância com o deficit elevado, o índice inflacionário do mês passado, os reajustes no salário de magistrados e mesmo com as pedaladas fiscais, hoje consideradas uma forma legítima de redução da dívida. A ausência de qualquer proposta para a retomada do crescimento não desafina o coro dos contentes.
O livro "A Nova Razão do Mundo", dos franceses Christian Laval e Pierre Dardot, recém-lançado pela Boitempo, nos ajuda a entender o fenômeno. O neoliberalismo não seria uma doutrina econômica, e sim um instrumento de desativação do jogo democrático. Já dizia Margaret Thatcher –referência da presidente interina do BNDES: "A economia é o método. O objetivo é mudar a alma".
A teoria econômica vem se mostrando bem-sucedida em evitar as consequências de uma radicalização da democracia pela conquista de direitos e cidadania. A solução, sob o véu da técnica, é criar outra forma de sujeição. A liberdade menor é travestida de liberdade maior. Vende-se a ideia de que a falta de liberdade deriva da submissão a um sujeito para o qual a sociedade não deve nada: o Estado. Uma doutrina que promete a liberdade de escolha, mas é vendida sempre sob o slogan da falta de alternativas.
E aquele Estado, potencial garantidor das demandas dessa mesma sociedade por mais proteção social, melhores serviços e maior igualdade de tratamento, torna-se um inimigo. Não só no discurso mas também na prática, pois a tal doutrina econômica encarrega-se de mantê-lo sob o controle das oligarquias.
Friedrich Hayek, em sua visita ao Chile de Pinochet, não hesitou em deixar clara a sua preferência por "uma ditadura liberal, em vez de um governo democrático desprovido de liberalismo". Hayek, aliás, esteve presente –com Ludwig Von Mises– na reunião de 1938 em Paris que cunhou o termo "neoliberalismo", em uma reação ao que ambos enxergavam como uma ameaça quase tão perigosa quanto o nazismo e o comunismo: o surgimento da social-democracia, aquela do New Deal de Roosevelt e do incipiente Estado de Bem-Estar Social britânico.
Mas foi nas crises que a agenda ganhou mais terreno. Afinal, seus teóricos costumam aproveitar-se da distração da população para impor políticas impopulares, como documentou Naomi Klein em seu livro "A Doutrina do Choque". Tendo aprendido bem com o golpe chileno, Milton Friedman chega a descrever o furacão Katrina como uma "oportunidade para reformar radicalmente o sistema educacional de Nova Orleans". A maior parte do sistema de ensino público da cidade foi privatizada em 19 meses.
A crise econômica brasileira também se mostrou uma oportunidade de ouro para bloquear agendas democráticas crescentes –das mulheres, dos movimentos sociais, das minorias e da juventude– e viabilizar uma agenda ideológica de redução do tamanho do Estado.
A economia então sai de cena, estúpido, com o dever cumprido. Já pode descansar nestas últimas páginas de jornal, onde continuará a receber com pompa seus amigos de longa data. Sai das ruas para voltar a ser bela, recatada e do lar.


Texto de Laura Carvalho, na Folha de São Paulo.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

A crise é uma aula

A essa altura, duas coisas parecem claras: o impeachment foi uma manobra para garantir a autodefesa da classe política, e a chapa Dilma/Temer deveria ser cassada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por ter recebido contribuições ilegais (as outras chapas também deveriam ser investigadas).
Ao que tudo indica, a esquerda é fraca demais para devolver o mandato de Dilma, mas a direita é forte o suficiente para absolver Temer no TSE. É em horas como essa, meus amigos, que se vê quem tem poder e quem só ganhou eleições.
Não é só na política que a crise é uma aula sobre a distribuição de poder na sociedade brasileira. É sem dúvida necessário fazer um ajuste fiscal.
Mas o ajuste econômico anunciado é feito só com sacrifícios para os mais pobres; não há sacrifícios propostos para a turma de Paulo Skaf, que foi ao Planalto aplaudir a decisão de não subir impostos. Poucas coisas mostram mais quem manda do que uma divisão de conta.
Falando em nova matriz econômica: notem que do governo de esquerda se exigiu toda moderação possível. E notem também que, quando o governo de esquerda resolveu romper com a ortodoxia, o fez da maneira mais amigável possível com os ricos: com subsídios e isenções fiscais.
Nada dessa moderação é exigida do novo governo, de quem só se repreende a falta de convicção revolucionária.
Durante os governos de Lula, a esquerda executou diversas tarefas típicas de seus adversários ideológicos, manobra conhecida como "Nixon vai à China": a ideia é que só um anticomunista ferrenho como Nixon poderia negociar com a China de Mao sem correr o risco de que seu gesto fosse visto como uma rendição.
Da mesma forma, seria mais fácil para um governo de esquerda fazer, por exemplo, os ajustes de Palocci, as hidrelétricas da Amazônia, a mudança na remuneração da poupança etc.
O Nixon do PT foi tantas vezes à China que suspeita-se que tenha já se perdido em algum lugar no deserto de Gobi. Já o Nixon da direita brasileira é claramente sinófobo. Um governo de direita com visão poderia, por exemplo, promover a progressividade tributária como forma de consolidar sua legitimidade e provar que seu projeto é o mais inclusivo possível. Até agora, nada disso.
Mas a crise não se limitou a revelar os desequilíbrios de poder no Brasil. Ela os tornou muito mais agudos. A principal alteração recente no equilíbrio de poder brasileiro foi a exclusão do voto como mecanismo de legitimação necessária de programas de governo.
Desde que se cogitou implementar "Uma Ponte para o Futuro" por uma manobra parlamentar (o impeachment de Dilma), os pobres –que só conseguem fazer lobby de quatro em quatro anos– sumiram do cálculo dos poderosos, ao menos até a próxima eleição.
E isso é notável, porque até outro dia pobre era a última moda. Discutíamos se eles eram a nova classe trabalhadora, a nova classe média, os batalhadores, e todo mundo que tinha uma boa ideia sobre isso ganhava a presidência do Ipea.
Tudo isso soa so last season, porque na last season era necessário ganhar votos contra uma esquerda forte. Enfim, a crise tem muito poucas vantagens, mas uma delas é mostrar como a distribuição de poder no Brasil mudou ainda menos que a distribuição de renda após 13 anos de governos de esquerda.


Texto de Celso Rocha de Barros, na Folha de São Paulo

Serra e a oportunidade perdida

No programa "Roda Viva", da TV Cultura, apresentado ao vivo na segunda-feira (6), o ministro das Relações Exteriores, José Serra, desperdiçou a oportunidade de explicar ao cidadão as prioridades e a estratégia de sua política externa.
Em um debate marcado, em boa parte do tempo, mais por discussões sobre política doméstica do que sobre política externa, Serra estava mais para primeiro-ministro do que para chanceler.
A expectativa era que o debate fosse mais denso entre entrevistadores e entrevistado acerca dos rumos de nossa diplomacia. Mas o tema "política externa" parecia um corpo estranho para a maioria.
No conjunto, a política externa ficou reduzida a um tripé voltado contra o eixo bolivariano, negociações comerciais como principal plataforma estratégica e a uma discussão improdutiva da "diplomacia ideológica" dos governos Lula (2003-2011) e Dilma Rousseff.
Se é certo dizer que a Venezuela não é um país democrático e que "onde há presos políticos não pode haver democracia plena", como o chanceler fez, Serra pôs o país numa condição em que precisará, por coerência narrativa, propor ou endossar a suspensão de Caracas de Mercosul, Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e OEA (Organização dos Estados Americanos).
E se essa é a métrica que define nossa ação de política externa, quais seriam então os critérios para julgar se Rússia e China, nossos parceiros nos Brics, são Estados democráticos? Há menos presos políticos na China e na Rússia –e em alguns países do Oriente Médio– do que nos vizinhos bolivarianos?
Essa contradição criará para o Brasil situações embaraçosas e abrirá flancos comprometedores em nossos interesses estratégicos.
Já a resposta à indagação sobre a aspiração do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU surpreendeu.
É inconcebível imaginar que o chanceler não esteja informado ou não tenha posição clara sobre essa postulação histórica, transformada numa espécie de "campanha permanente" da política externa brasileira de todos os governos e de qualquer coloração política de Getúlio Vargas a Dilma Rousseff.
Além disso, o chanceler passou a impressão de que o norte de nossa aspiração internacional se resumirá ao comércio. O comércio internacional deve ser parte da composição da grande estratégia de uma nação, não seu vetor principal, muito menos para um país da envergadura do Brasil, um ator de peso geopolítico nas relações internacionais.
Por fim, Serra caiu na movediça retórica da ideologização da política externa anterior.
Toda política externa carrega em si, por bem ou por mal, certo coeficiente ideológico, já que ela é formulada a partir de ideias e valores e sedimentada por preferências políticas –até porque políticas de Estado não brotam sozinhas.
Talvez o norte que se deveria dar a essa desgastada discussão fosse encontrar a trilha ideológica que não comprometa os imperativos de soberania e segurança nacionais e preserve os pilares e interesses estratégicos da política externa.
Foi uma oportunidade que poderia ter servido para transcender o nível paroquial em que se discute política externa no país. Ao fim, infelizmente, todos deixaram de ganhar: o programa, o chanceler, o telespectador e o Brasil.


Texto de Hussein Kalout, na Folha de São Paulo

domingo, 12 de junho de 2016

Israel em seu labirinto

Na noite de quarta-feira (8), assim que terminou o jejum obrigatório para muçulmanos durante o Ramadã, as redes sociais dos palestinos foram tomadas por mensagens assim: "Nós rompemos o jejum matando judeus".
Alusão ao atentado de pouco antes em Tel Aviv, no qual dois primos palestinos saíram disparando contra quem estivesse próximo no Sarona Market, centro de entretenimento/restaurantes. Mataram quatro.
A festa dos palestinos ocorreu também nas ruas. É fácil entender como essa reação selvagem, somada a cenas semelhantes em atentados anteriores, provocou uma tremenda mudança em Israel.
Mudança tão formidável que, pouco antes do episódio de quarta, Aluf Benn, redator-chefe do excelente jornal "Haaretz", de centro-esquerda, dava Israel por acabado, em artigo para "Foreign Affairs".
Escreveu: "Israel —pelo menos a versão de Israel secular e progressista que uma vez capturou a imagem do mundo— está acabado. (...) O país que o substituiu é profundamente diferente daquele que seus fundadores imaginaram quase 70 anos atrás".
Explica o jornalista: "Os atuais líderes de Israel —comandados pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que se metamorfoseou depois da eleição de um conservador avesso ao risco em um radical de extrema-direita— veem a democracia como sinônimo de domínio da maioria sem controles e não têm paciência com restrições como revisão pelo Judiciário ou a proteção das minorias", em que "só judeus devem gozar de plenos direitos, enquanto os autóctones [no caso, os palestinos] devem ser tratados com suspeição". Aluf não está sozinho nesse lamento sobre o estado das coisas em Israel.
Na véspera do Dia de Rememoração do Holocausto, no mês passado, o então subchefe do Estado-Maior, major-general Yair Golan, roçou a heresia. Disse: "Se há algo que dá medo na relembrança do Holocausto, é perceber vestígios desse horrível processo que se desenvolveu na Europa —particularmente na Alemanha— 70, 80, 90 anos atrás, agora entre nós no ano 2016".
Não são opiniões de fanáticos palestinos mas de judeus do establishment. Deve de fato haver algo de perturbador no ambiente quando um jornalista veterano e respeitado, Roni Daniel, ferido na Guerra dos Seis Dias, diz, em debate na TV, não estar certo de que quer que seus filhos permaneçam em Israel.
Parece evidente que a ocupação dos territórios palestinos, numa ponta, e os atentados contra judeus, na outra, envenenaram o ambiente.
Até o pai de Ben Ari, uma das vítimas da quarta-feira, faz essa ligação, relata o "Times of Israel": ele "acusou o governo de fracassar em encontrar uma solução estratégica para o conflito entre israelenses e palestinos e, em vez disso, recorrer a movimentos táticos que só podem causar mais sofrimento aos palestinos e empurrar mais alguns deles para o ciclo do terror".
Afinal, diz o prefeito de Tel Aviv, o trabalhista Ron Huldai, "nós não podemos manter essa gente em uma realidade em que são ocupados e esperar que cheguem à conclusão de que tudo está certo e que podem continuar vivendo desse jeito".



Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo

A plutocracia não cabe no orçamento

No levantamento realizado pelos pesquisadores Pablo Ortellado, Esther Solano e Lucia Nader na avenida Paulista durante as manifestações pró-impeachment do dia 16 de agosto de 2015, dois temas chamaram a atenção. Entre os manifestantes, 97% concordaram total ou parcialmente que os serviços públicos de saúde devem ser universais, e 96%, que devem ser gratuitos. Já sobre a universalidade e a gratuidade da educação, o apoio foi de 98% e 97% dos manifestantes, respectivamente. "Isso é um resquício de junho de 2013", afirmou Pablo Ortellado a uma reportagem do jornal "El País" de 18 de agosto de 2015.
O resultado deste tipo de levantamento, quando somado aos resultados nas urnas das últimas quatro eleições presidenciais, sugere que o pacto social que deu origem à Constituição de 1988 não foi desfeito. Ao contrário, as demandas nas ruas desde 2013 e nas ocupações das escolas desde 2015 têm sido por melhorias nos serviços públicos universais, e não pela redução na sua prestação.
A regra Temer-Meirelles prevê que as despesas primárias do governo federal passem a ser reajustadas apenas pela inflação do ano anterior. Se vigorasse no ano passado, e outros gastos não sofressem redução real, as despesas com saúde teriam sido reduzidas em 32% e os gastos com educação em 70% em 2015.
Pior. Se o PIB brasileiro crescer nos próximos 20 anos no ritmo dos anos 1980 e 1990, passaríamos de um percentual de gastos públicos em relação ao PIB da ordem de 40% para 25%, patamar semelhante ao verificado em Burkina Faso ou no Afeganistão. E, se crescêssemos às taxas mais altas que vigoraram nos anos 2000, o percentual seria ainda menor, da ordem de 19%, o que nos aproximaria de países como o Camboja e Camarões.
"A Constituição não cabe no Orçamento", argumentam seus defensores, na tentativa de transformar em técnica uma decisão que deveria ser democrática. De fato, há uma contradição evidente entre desejar a qualidade dos serviços públicos da Dinamarca e pagar impostos da Guiné Equatorial.
O que esquecem de ressaltar é que os que pagam mais impostos no Brasil são os que têm menos condições de pagá-los. Se os que ganham mais de 160 salários mínimos por mês têm 65,8% de seus rendimentos isentos de tributação pela Receita Federal, fica um pouco mais difícil determinar o que cabe e o que não cabe no Orçamento.
O fato é que as propostas do governo interino não incluem nenhum imposto a mais para os mais ricos, mas preveem muitos direitos a menos para os demais.
Os magistrados conseguem reajuste de seus supersalários, mas a aposentadoria para os trabalhadores rurais é tratada como rombo.
A cultura, a ciência e a tecnologia ou o combate a desigualdades deixam de ser importantes. O pagamento de juros escorchantes sobre a dívida pública não é sequer discutido, mas as despesas com os sistemas de saúde e educação são tratadas como responsáveis pela falta de margem de manobra para a política fiscal.
Essas escolhas estão sendo feitas por um governo que não teve de passar pelo debate democrático que só um processo de eleições diretas pode proporcionar. A democracia caberia no Orçamento. O que parece não caber é a nossa plutocracia oligárquica.


Texto de Laura Carvalho, na Folha de São Paulo.