terça-feira, 29 de setembro de 2015

Obra explora autismo a partir da ausência


CRÍTICA LIVROS/MEMÓRIAS

Obra explora autismo a partir da ausência

Allen Shawn escreve sobre a irmã gêmea, enviada aos 8 anos para instituição dedicada a pessoas com deficiência
A decisão da família traduz como o autismo era visto na época: uma desgraça sobre a qual pouco se havia de fazer
LUIZ FERNANDO VIANNAESPECIAL PARA A FOLHA

O compositor Allen Shawn escreve, em "Gêmeos", sobre sua irmã autista e, em grande parte, sobre a ausência dela. Esta é a notável particularidade do livro.
Allen nasceu cinco minutos depois de Mary, em 1948. Aos oito anos, ela foi enviada pelos pais para uma instituição dedicada a pessoas com deficiências. Nunca mais voltou a viver em casa.
"A partida de Mary de nossa vida diária foi como uma morte pela qual não se fez luto", assinala ele. O percurso do livro de memórias é para preencher esse "espaço em branco", como ele diz. Assume, porém, que esta é uma empreitada impossível de se completar.
A obra traz muitas informações sobre o autismo, transtorno que afeta cerca de 1% da população mundial e que é marcado por problemas de comunicação, socialização e comportamentos repetitivos. Mas o autor as comenta de um ponto de vista pessoal, o de alguém em busca de entender a irmã e a si mesmo.
Não há informações sobre o cotidiano de Mary, pois o irmão não pôde acompanhá-la, estando com ela, ao longo dos últimos 60 anos, apenas em visitas esporádicas. Perpassa toda a narrativa essa distância, ainda mais angustiante por se tratar de gêmeos.
Lançado nos EUA em 2011, o livro tem especial interesse para o público americano, pois Allen é irmão de um importante ator e dramaturgo, Wallace Shawn, e filho de William Shawn, editor por 35 anos da revista "The New Yorker".
O fato de uma família provida de recursos materiais e intelectuais ter optado por afastar a filha deficiente traduz como o autismo era visto em meados do século passado: uma desgraça sobre a qual pouco se havia de fazer.
Ressalte-se que, de acordo com o livro, Mary viveu em instituições de qualidade, com bons cuidados e sem violências. Mas o quanto sentiu e sofreu a ausência de pais e irmãos? Allen se faz esta pergunta, mas não tem como saber a resposta.
Classificado em 1943, o autismo foi considerado por muito tempo um transtorno derivado de uma deficiência afetiva. A mãe, sobretudo, seria a responsável.

METÁFORAS

O psicólogo que levou mais longe essa ideia terrível –desmontada depois pela comprovação de que a base é genética– foi Bruno Bettelheim, curiosamente colaborador da "New Yorker" e admirado por William Shawn e sua mulher, Cecille.
"Gêmeos" não é um acerto de contas. Mas Allen –em meio a problemas de estilo, como excesso de metáforas e minúcias sobre a própria vida– traça um perfil dos pais para tentar compreender por que eles tomaram as decisões que tomaram.
Cecille, escreve o filho, pode ter aceitado a internação de Mary para, com isso, manter o marido por perto, sem a casa convulsionada pelo autismo. Não adiantou: William Shawn cultivou por 40 anos um relacionamento com a célebre repórter Lillian Ross. Cecille sempre soube.
"Nossa família conseguira fazer da negação uma quase religião", aponta ele. Allen diz carregar a culpa por ter sido "poupado" da convivência com a irmã. Ressalta a estranha simbiose que preserva em relação a ela. E relata encontros recentes dos dois.
Cita o escritor japonês Kenzaburo Oe, Nobel de literatura e pai de um jovem autista, para concluir como é menos sofrido, apesar das dificuldades, ter por perto as pessoas amadas. O conforto da ausência é pior.

GÊMEOS
AUTOR Allen Shawn
TRADUÇÃO Caroline Chang
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 44,90 (248 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O que quer um homem?

Poder? Riqueza? Sucesso e fama? Conquistas amorosas? Triunfos sexuais? Qual é a coisa que um homem mais quer, afinal?
Essa é a pergunta que me foi colocada em mais uma entrevista. A resposta que me veio de imediato não estava na lista. O que um homem mais quer, eu disse sem hesitar, é a aventura –ele quer qualquer coisa, com a condição de que seja uma aventura. Mas, claro, não é fácil definir o que é a aventura.
Giorgio Agamben, o filósofo contemporâneo que mais leio, acaba de publicar um livrinho de 75 páginas sobre o tema, "L'Avventura" (editora Nottetempo).
Agamben cita "Yvain, O Cavaleiro do Leão", de Chrétien de Troyes, que, no século 12, escreveu cinco maravilhosos romances de cavalaria sobre os cavaleiros do rei Artur.
Yvain diz: "Sou um cavaleiro que procura o que ele não pode achar; muito procurei e nada achei". Em resposta, ele recebe a pergunta: "O que você gostaria de encontrar?". Réplica de Yvain: "Aventura, para pôr à prova minha valentia e minha coragem".
Dos romances de Chrétien de Troyes, meu preferido é "Erec e Enide", que conta a história seguinte: Erec, muito valente, casa-se com Enide, eles se amam de paixão e passam dias e noites na cama. Será que Erec só pensa na sua bela?
Eis que, um dia, ele acorda, arma-se, sobe em seu cavalo e sai pelo mundo puxando uma mula sobre a qual está Enide, bela e indefesa. Erec procura encrenca, ou seja, perigos e riscos –como se diz, ele se aventura.
Uma moral possível da história é que o amor pode comprometer a aventura, que é o que mais importa para um homem. Conselho: se você for um homem, não deixe que a vida conjugal se torne uma desculpa para ficar na cama; ao contrário, leve a sua amada para a aventura, junto com você.
Seria um erro pensar que os cavaleiros de Chrétien de Troyes seriam homens muito diferentes da gente. Ao contrário, os cavaleiros medievais em geral, sobretudo até o século 12 ou 13, são uma espécie de pré-estreia da modernidade.
Basta ler qualquer obra de Georges Duby sobre a sociedade medieval: a ordem da cavalaria não foi inventada por reis, príncipes, duques e outros nobres desejosos de criar e alistar uma categoria de militares exímios.
A cavalaria começa antes da nobreza e tem todas as caraterísticas da modernidade, a começar pelo fato de que ninguém é cavaleiro pela família na qual nasceu –quem é destinado à cavalaria deixa sua família cedo, antes dos dez anos, para começar o treino. E, justamente, o estatuto de cavaleiro é conquistado por uma formação (duríssima), pelas qualidades pessoais e pelos méritos, exatamente como uma posição social na modernidade.
Só mais tarde (a partir do século 12, justamente), a cavalaria é recuperada, digamos assim, pela nobreza que começa a se formar naquela época. Na aurora da era feudal, a sociedade de castas europeia (o Antigo Regime) ainda não tinha nascido, e a cavalaria era portadora de valores parecidos com os de hoje: tudo é possível para quem está disposto a se testar, a se por à prova.
O ideal da aventura, como tempo das provas em que mostraríamos ao que viemos e de que somos capazes, é um traço central da modernidade. Esse traço talvez seja especialmente masculino por ser uma herança do ideal de valentia de um soldado: o cavaleiro medieval.
Claro, a aventura é desejada para que o outro me julgue e me reconheça –o outro sendo a Dama, Deus ou eu mesmo. Por isso, a aventura (o que me acontece) se confunde com o relato da aventura: ela é que transforma a minha vida em história que vale a pena ser contada.
Justamente, desde a época de Chrétien de Troyes, lembra Agamben, a palavra "aventure" designa tanto a prova pela qual passamos como, indissociavelmente, o relato de nosso teste. Os percalços da vida só se tornam realmente nossas aventuras quando conseguimos incorporá-los na nossa história.
Em outras palavras, a vida é aventura (e é boa) quando ela merece ser narrada.
Voltando ao nosso título, se você, homem ou mulher, quiser saber o que quer um homem e não tiver medo de descobrir que a vontade de aventura é imperiosa, desesperada e estranhamente abstrata, há um livro breve, envolvente e imperdível: "No Mar", do holandês Toine Heijmans (editora CosacNaify). É a história de um homem comum que precisa demonstrar seu valor, a si mesmo, à sua mulher e à sua filha. 


Texto de Contardo Calligaris, na Folha de São Paulo

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A miopia na análise dos recordes do dólar

Um dos vícios mais recorrentes dos jornais é a síndrome do "maior desastre". Consiste em comparar um indicador ruim com o pior indicador anterior. Tipo: foi o pior desempenho desde o ano tal.
Não há receita para a manchete. Ás vezes se submete o indicador à tortura das comparações irrelevantes. Tipo, é o pior indicador desde 2012, ou mais negativo dos últimos 6 meses, períodos estatisticamente irrelevantes.
Outra impropriedade frequente são as manchetes sobre as cotações do dólar, comparando com outros períodos sem deflacionar. Manchetes tipo "o dólar atinge a maior cotação da era do real" tem tanto valor quanto dizer que os automóveis de hoje têm preços nominais muito mais altos do que 20 anos atrás. Comparar a cotação atual do dólar com o valor nominal do dólar em períodos passados tem o mesmo significado que comparar preços de geladeira, do feijão ou qualquer outro produto de consumo.
O indexador utilizado para calcular a cotação efetiva do dólar é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado). Corrige-se o real pela IPCA, o dólar pela inflação dos EUA e faz-se a conversão para se chegar ao câmbio efetivo.
***
Efetuando essas contas, chega-se à conclusão de que o dólar a R$ 4,00 em setembro de 2015 tem o mesmo valor real do dólar de R$ 0,85 em setembro de 1994, isto é, após a apreciação de 15% imposta pelo real.
O alarido atual é ridículo. Em outubro de 2002, configurada a vitória de Lula, o valor efetivo do dólar equivalia a um dólar atual na casa dos R$ 8,76.
Em janeiro de 1999, a maxidesvalorização jogou o dólar para o equivalente a R$ 4,37 de agora.
De janeiro de 1999 a setembro de 2005, não houve um mês em que o dólar médio tenha sido inferior a R$ 4,00.
Mesmo no período de maior apreciação do real – no primeiro governo FHC – a cotação real do dólar esteve por volta de R$ 3,50.
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Esses saltos não se deveram à deterioração dos fundamentos da economia, mas a dúvidas sobre o cenário político. Depois do tiroteio da campanha de 2002, na qual analistas terroristas chegaram a prever a invasão do Brasil pelas FARCs - e houve quem acreditasse, como foi o caso dos leitores da Veja - a lagoa ficou propícia para pegar lambaris. Investidores profissionais pescavam lucros em cima do pânico dos lambaris.
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O que movimenta o dólar, agora, são essencialmente dúvidas fundamentadas sobre a crise política, decorrentes da grande sucessão de erros de Dilma Rousseff.
Só que nenhum desses erros, até agora, comprometeu os fundamentos da economia. Criou problemas fiscais, acentuou a recessão. Se o Banco Central persistir em trancar o crédito e manter os juros nas alturas, pode-se ter um problema concreto mais à frente, o chamado efeito engarrafamento - no qual empresas que vinham em velocidade, de repente descobrem que não existe mais estrada pela frente, brecam de uma vez provocando o abalroamento das que vêm atrás.
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Ainda não se chegou a esse quadro.
Há o risco iminente do Congresso derrubar os vetos de Dilma à farra de gastos. Nesse caso, Dilma seria jogada inapelavelmente no corner.
Por outro lado, há a possibilidade de um choque de bom senso da parte do Senado e da Câmara, motivado pela antevisão do caos. Nesse caso, a crise se esvaziaria rapidamente e o dólar voltaria para níveis mais adequados, por volta de R$ 3,50.
A pior das hipóteses aconteceu várias vezes, como no início de 1999, quando FHC se viu confrontado com uma rebelião de governadores de estados quebrados. Parecia que o mundo ia se acabar. Mas, como diria Assis Valente, o tal do mundo não se acabou.

Reprodução do Blog do Luís Nassif

Primavera começa com influência de massa de ar quente no RS

Primavera começa com influência de massa de ar quente no RS

Calor se intensifica em Porto Alegre e máxima chega a 34°C
O começo da primavera no Rio Grande do Sul – a nova estação inicia às 5h20min desta quarta-feira – terá influência de uma intensa massa de ar quente e seco que se expande a partir do centro do país. Municípios da Metade Norte e Oeste terão predomínio de sol e rápida elevação térmica com sensação de calor. Já em cidades da Metade Sul, sobretudo, na fronteira com o Uruguai a instabilidade mantém a presença das nuvens com risco de pancadas de chuva e temporais isolados. 

De acordo com a MetSul Meteorologia, pode chover forte, com grandes acumulados em poucas horas e risco de transtornos nesta terça-feira. Não se descarta a ocorrência de raio, vento e queda de granizo. 

Em Porto Alegre, a terça-feira será de sol e nuvens. As temperaturas devem variar entre 18°C e 34°C. 

Primavera será influenciada pelo El Niño


Influenciada pelo El Niño, a primavera deve ter chuva acima da média na maioria das regiões do Rio Grande do Sul. São prováveis períodos com chuva em grandes volumes, com risco até de cheia de rios, em que em poucos dias algumas cidades podem ter o dobro ou o triplo da média de chuva do mês inteiro, causando transtornos para a população. 

Além diso, esse é um período com maior frequência de tempestades, não raro severas com intensos vendavais e granizo. Há vários precedentes de tornados. Em 2015, com maior presença de umidade no Rio Grande do Sul e temperatura acima da média histórica na maior parte da estação, antecipa-se uma primavera tempestuosa com frequência acima do normal de temporais, com fortes ventos e granizo em diversas cidades. 

Mínimas e máximas pelo Estado
Porto Alegre 18°C / 34°C
Caxias do Sul 18°C / 29°C
Bagé 17°C / 26°C
Passo Fundo 19°C / 30°C
Santa Maria 20°C / 32°C
Uruguaiana 21°C / 28°C
Alegrete 19°C / 28°C
Livramento 17°C / 27°C
Rio Grande 17°C / 20°C
Santa Cruz 19°C / 32°C
Erechim 17°C / 29°C
Cruz Alta 18°C / 30°C
Santa Rosa 22°C / 36°C
Capão 18°C / 24°C

Reprodução do Correio do Povo

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Brasil, cobaia de Israel?

A movimentação para impedir que Dani Dayan se torne embaixador de Israel no Brasil se insere em um contexto muitíssimo maior do que o posto em si.
Para as entidades da sociedade civil que estão tentando fazer o governo brasileiro rejeitar a indicação, trata-se de um ensaio do atual governo israelense de vender ao mundo a tese de um único Estado, binacional (para judeus e palestinos), quando a legalidade internacional determina que sejam dois (um, Israel, já está criado; falta o palestino, contra o qual se levanta há tempos o embaixador designado).
"Sim, vejo a designação de Dayan como uma espécie de ensaio para vender ao mundo, começando pelo Brasil, a ideia de um Estado binacional, em vez dos dois", respondeu à uma consulta da Folha Mossi Raz, um dos porta-vozes de Peace Forum, uma ONG conjunta israelo-palestina, e ex-deputado pelo esquerdista Meretz.
Pode ser apenas uma teoria conspiratória sem base, como dezenas que surgem, dia sim, outro também, naquela região do mundo.
Mas esta se sustenta numa lógica: por que motivo Israel indicaria para o Brasil um líder dos colonos judeus na Cisjordânia (Dayan foi presidente do Yesha Council, que representa os judeus de Judeia e Samaria, como preferem chamar a Cisjordânia ocupada), quando é arquiconhecida a posição brasileira de repúdio aos assentamentos judaicos?
Por que motivo Israel indicaria quem defende a solução de um só Estado se o Brasil insiste sempre na tese –aliás, oficialmente ainda sustentada por Israel– dos dois Estados?
Não é, óbvio, uma indicação que facilite o estreitamento de relações, o objetivo proposto pelo próprio governo israelense ao anunciar o nome de Dayan.
Quais são as chances de a indicação de Dayan não se concretizar? Do lado israelense, são remotas, agora que os dois principais líderes da oposição ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu –Isaac Herzog, da União Sionista, e Yair Lapid, do Yesh Atid (Há um Futuro)– telefonaram ao embaixador brasileiro em Tel Aviv, Henrique Sardinha Pinto, para expressar apoio a Dayan, por mais que discordem de suas posições.
Sardinha também foi procurado pelo pessoal do Peace Forum, que, no entanto, não se mostra esperançoso de que o Brasil rejeite o indicado.
"O Brasil tem muito medo de um confronto com Israel. É muito difícil opor-se a Israel no 'front' internacional. Nenhum país do mundo quer um confronto bilateral mano a mano com o Estado de Israel", disse ao site conservador Arutz Sheva (Canal 7) o embaixador Alon Liel, um dos três diplomatas israelenses que assumem se opor à indicação, mesmo correndo o risco de serem chamados de traidores.
Liel, que já foi diretor-geral da Chancelaria israelense, usa o mesmo argumento de Mossi Raz para opor-se a Dayan: o medo de que prevaleça a solução de um só Estado.
Disse ele ao site: "Acreditamos que, se no próximo ano ou no máximo em dois anos, não começarem negociações sérias sobre dois Estados, então haverá um Estado binacional em que tanto o caráter judaico como o democrático estarão em dúvida".
Tradução: em um só Estado, como a taxa de natalidade dos palestinos é muito superior à dos judeus, em relativamente pouco tempo o caráter judeu de Israel estará suplantado, a menos que, para mantê-lo, se anule a regra básica da democracia de que quem governa é a maioria.
No contexto que cerca a designação da Dayan, é significativo que pesquisa feita pelo Centro Palestino para Política e Pesquisa mostre que 66% dos palestinos rejeitam negociações com Israel que não sejam precedidas do fim das atividades nos assentamentos, dos quais o embaixador designado é o grande defensor.
Dois de cada três palestinos consultados dizem que já não acreditam na solução dos dois Estados, exatamente pela ampliação dos assentamentos, que comem terras que, pela legalidade internacional, devem ficar com os palestinos.
É nesse imbróglio que o Brasil acabou metido involuntariamente.


Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo

Os ecos desencontrados de um fim de ciclo político

No período julho de 1994 – mês de lançamento do Plano Real – a 2001, a dívida líquida do setor público brasileiro saltou de 29,29% para 51,57% do PIB. Além da remonetização da economia – que permitiria ao governo zerar sua dívida – houve a privatização de mais de 80 empresas, permitindo ao Estado arrecadar US$ 60,1 bilhões e transferir US$ 13,3 bilhões em dívidas.
Foi o maior desastre fiscal da história do país.
A culpa foi das teorias liberais, da desregulamentação da economia, do primado do mercado?
É evidente que não. O que ocorreu foi uma distorção deliberada das taxas pagas pelos títulos públicos, um assalto recorrente aos cofres públicos que nada teve a ver com os princípios liberais.
***
Nos últimos dois anos, o país foi submetido a uma onda inédita de isenções fiscais, interferências indevidas em vários temas econômicos, achatamento de tarifas casado com aumento das responsabilidades da Petrobras, que lançaram o país em uma nova crise fiscal.
Culpa do neodesenvolvimentismo, neokeynesianismo, nova matriz econômica ou o nome que se dê a esse conjunto de medidas? Evidente que não. Foram erros individuais que não podem ser debitados a nenhuma escola econômica.
Quando bravos economistas como Marcos Lisboa e Samuel Pessoa atribuem os desastres à  suposta “nova matriz econômica”, eles tiram casquinha da crise, como seus colegas desenvolvimentistas analisando os desastres do governo FHC.
***
Podem alegar que foram esses princípios de ativismo ideológico que permitiram ao governo Dilma exercitar o voluntarismo. Mas seus adversários desenvolvimentistas podem alegar que foi a desregulamentação selvagem que permitiu ao Banco Central praticar as mais irresponsáveis taxas de juros, no período FHC.
***
O que esses dois exemplos comprovam é que desenvolvimento não se faz com mera ideologia: ou a desregulação total ou o intervencionismo selvagem. Ambos servem apenas como tacape intelectual, na disputa entre tribos de economistas.
A política econômica, como um todo, é algo muito mais pragmática, um conjunto de medidas visando atender a projetos de país ou de setores, sendo construída no dia a dia, assim como a jurisprudência em cima dos postulados constitucionais. O importante é que haja ideias centrais, princípios fundadores, objetivos comuns. A construção restante se dá no dia a dia das disputas políticas – no Congresso, junto à opinião pública e nos ministérios.
***
Por tudo isso, é hora de cada setor começar a pensar claramente no seu próprio projeto de país, para uma grande discussão que se iniciará em breve, no rastro do fim de ciclo político que está posto na mesa.
Quem será o mediador? Quem acredita que com 7% de aprovação a presidente perdeu as condições, que preste atenção na última pesquisa do IBOPE divulgada por José Roberto Toledo, do Estadão: apenas 11% aprovam Michel Temer, 11% Eduardo Cunha e 8% Renan Calheiros.
No domingo saiu importante entrevista de Delfim Netto ao Estadão. Nela, diz ter votado em Dilma Rousseff, mas, devido às suas trapalhadas, acredita que Aécio Neves teria se saído melhor.
Exagerou. O único consolo dos que votaram em Dilma é a certeza, pelo que mostrou nesses meses todos como líder dos Revoltados Online, que Aécio Neves conseguiria ser pior.

Reprodução do Blog do Luís Nassif

domingo, 20 de setembro de 2015

O dinheiro na urna

É um enfrentamento educativo. As agressões verbais que o ministro Gilmar Mendes tem dirigido à OAB, com auge no julgamento das doações empresarias nas eleições, chamam atenção para mais do que o resultado que veio limitar a pessoas as contribuições financeiras para campanhas.
Na história decorrida desde o golpe de 1964, o crédito democrático e republicano da OAB é muitas vezes superior ao do Supremo Tribunal Federal. A OAB foi uma entidade à frente da luta cívica contra a ditadura e seus crimes. O STF foi uma instituição a serviço da ditadura, com raríssimos e momentâneos gestos –pessoais– de grandeza moral e jurídica.
Gilmar Mendes acusou a OAB de se pôr a serviço do PT, com a ação contra as doações eleitorais de empresas para assim asfixiar a alternância no poder presidencial. Acione ou não Gilmar Mendes, como considera, a OAB já foi, em nota, ao ponto essencial: a ação da advocacia que representa "não será sequer tisnada pela ação de um magistrado que não se fez digno de seu ofício".
Ao fim de um ano e cinco meses em que reteve a continuação do julgamento, Gilmar Mendes apresentou por mais de quatro horas o que chamou de seu voto, mas não foi. Foi uma diatribe política, partidária, repleta de inverdades deliberadas que um ministro do Supremo não tem o direito de cometer.
Sem perceber sequer o próprio grotesco de recorrer a inverdades óbvias a título de argumentos, Gilmar Mendes é uma lembrança, que não deixa de ser útil, daquele Supremo que integrou o dispositivo ditatorial.
Os milhões empresariais nas campanhas foram extintos por oito votos a três. O de Celso de Mello e, este surpreendente, o de Teori Zavascki usaram como argumento, digamos, central, a inexistência de proibição expressa na Constituição para as doações de empresas. Mas a questão do financiamento eleitoral não estava posta com os aspectos atuais, quando elaborada a Constituição, antes mesmo da primeira eleição presidencial direta pós-ditadura. A mesma ausência na Constituição deu-se com a pesquisa de células-tronco, que o STF liberou contra a resistência religiosa.
Outro argumento comum aos dois votos respeitáveis: a proibição de contribuições empresariais não atenuará a corrupção, porque será adotado o caixa dois com novas formas de captação. Ora, ora, o caixa dois tem a idade das eleições brasileiras. E nunca foi interrompido.
A corrupção com doações empresariais até o agigantou. Quando um candidato mal sai da eleição e compra uma nova casa, alguém no STF acredita que foi mesmo com empréstimo familiar? Seja em São Paulo, na Bahia, em Pernambuco, tudo é Brasil e é caixa dois. De eleição como de corrupção, que o mecanismo é o mesmo.
Outra semelhança contraposta ao argumento dos dois ministros: assim como o fim das doações empresariais não poderá extinguir a corrupção eleitoral, a proibição do porte de arma não tem efeito absoluto. E, no entanto, foi adotada e é mantida, porque tem o efeito possível na sociedade imperfeita.
Não só as doações vão mudar. O PSDB está em campanha de filiação. Outros precisarão fazê-la, porque o movimento dos filiados será crucial para a coleta de doações pessoais. Com maior filiação, a vida dos partidos muda. E a mudança terá reflexos desde as direções até a conduta dos partidos no Congresso. Nada de imediato, mas vem aí uma saudável mudança em não muitos anos. Apesar de Gilmar Mendes, Eduardo Cunha e outros insatisfeitos com a retirada do poder econômico.


Texto de Janio de Freitas na Folha de São Paulo.

A oposição de toga

Em sabatina promovida pela Folha em 2009, o ministro Gilmar Mendes disse não concordar com o apelido de "líder da oposição" no Supremo Tribunal Federal. Na época, ele presidia a corte e criava polêmicas semanais com o governo Lula. "Não tenho nenhuma intenção de ser oposição", afirmou.
Com ou sem intenção, ninguém faz oposição no país como Gilmar. Seis anos depois da sabatina, o ministro tem sido a voz mais assídua e combativa da crise. Basta abrir os jornais ou ligar a tevê e lá está ele, dando declarações invocadas contra o governo Dilma e o PT.
A toga do ministro faz sombra sobre os políticos de carreira. Diante dele, o senador Aécio Neves, cada vez mais enfático nas críticas ao Planalto, corre o risco de ser confundido com um simpatizante do petismo.
Na semana em que a oposição levou um pedido de impeachment à Câmara, o ministro voltou a dominar o noticiário. Ao votar na ação contra o financiamento empresarial de campanhas, que guardou na gaveta durante um ano e cinco meses, ele fez um agressivo discurso contra o PT.
Além das frases de efeito habituais, acusou a OAB e a Faculdade de Direito da Uerj, uma das mais respeitadas do país, de agirem a serviço do partido. As entidades defenderam a tese jurídica de que as doações milionárias a políticos contrariam a Constituição. Ao atacá-las, o ministro também atingiu colegas que votaram de acordo com suas convicções. O Supremo proibiu o financiamento empresarial por ampla maioria: 8 a 3.
Ao fim do julgamento, Gilmar esbravejou quando o presidente da corte, Ricardo Lewandowski, permitiu que o representante da OAB contestasse os ataques. Em artigo no site jurídico "Jota", o professor Joaquim Falcão disse que a atitude revelou um temperamento autoritário, de quem não aceita o debate de ideias.
"Mendes recusou-se a ouvir, levantou-se e foi embora do plenário. Dessa vez, não levou os autos do processo com ele", ironizou Falcão.

Texto de Bernardo Mello Franco, na Folha de São Paulo

Bartira e os arquivos do Dops

ARQUIVO ABERTO

Bartira e os arquivos do Dops

Recife, 1990
GILVAN BARRETO

"– Eles ainda estão por aí.
– Quem?
– Os mesmos que cometeram todas as atrocidades na ditadura."
Seu nome era Bartira. Mas não conseguia lembrar de onde eu a conhecia. A conversa ocorreu em 26 de setembro de 2013, em meio ao burburinho da abertura de uma exposição das imagens do meu primeiro livro, "Moscouzinho" (Tempo D'Imagem). Mas quem é essa mulher?
Moscouzinho era a alcunha de minha cidade natal, Jaboatão dos Guararapes, na Grande Recife. Tinha tanto comunista na nossa Soviete tropical que assim ficou conhecida. O livro recria lembranças da minha infância acompanhando meu pai, que era político da esquerda pernambucana, em campanhas e outros compromissos. Achava que toda criança, como eu, era rascunho de homem público.
Essa influência me moldou. Foi meu pai, por exemplo, que despertou minha atenção para o educador Paulo Freire.
O autor da "Pedagogia do Oprimido" chegou a viver em Jaboatão. Quando era pequeno, meu pai me mostrava com orgulho a casa onde Freire morou. Em 1996, retratei Paulo Freire em uma cerimônia de alfabetização de adultos cortadores de cana. Foi emocionante ouvir relatos de novos letrados, inaugurando discursos de liberdade.
Freire era uma espécie de padrinho da Escola Parque do Recife (EPR), onde estudei da alfabetização até o vestibular. Freire era primo de Maria Adozinda Monteiro, conhecida como tia Doza. Ao lado de Myrtha Carvalho e Malba Magalhães, Doza fundou a EPR em 1978. A escola ocupava um casarão antigo na avenida Beira Mar, no bairro de Boa Viagem, e a cada eleição ganhava uma nova pintura da Brigada Portinari (grupo de artistas responsáveis pelos murais políticos mais lindos de Pernambuco nos anos 1980).
Foi lá, em meados daquela década, que conheci Bartira Ferraz. Em meio ao barulho da abertura da minha exposição, passadas quase três décadas, a lembrança clareou. Bartira, na época da Escola Parque, tinha pouco mais de 20 anos e estava em seu primeiro trabalho formal como professora de história. Ela se divertiu ao ouvir que meu grupinho de adolescentes a havia escolhido como a professora mais gata da escola.
Poucos anos depois, Bartira se tornou uma pesquisadora infiltrada na Secretaria de Segurança Pública com a missão de localizar os arquivos secretos da ditadura. Em dezembro de 1990, em ambiente ainda marcado pela tortura, conseguiu as chaves de uma sala havia anos lacrada e resgatou uma pasta repleta de nomes de desaparecidos políticos.
Com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, a descoberta foi confirmada. Vinha à tona o primeiro arquivo do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) no Brasil. A OAB e militares pediram a intervenção dos documentos e trabalharam, em paralelo, no mesmo ambiente. De um lado, pesquisadores tentando catalogar e identificar os registros. Do outro, soldados fardados confiscando e destruindo o material. Bartira lembra que alguns documentos importantes foram retirados do local embaixo das roupas dos pesquisadores.
Bartira começava a reviver o terror dos tempos de chumbo em plenos anos 1990. Além dos saques dos militares fardados aos documentos, os pesquisadores eram constantemente intimidados por delegados e policiais que exigiam que seus nomes sumissem do material. Ela, que também trabalhava na Fundação Joaquim Nabuco, vinculada ao governo federal, foi imediatamente demitida. Passou a ser seguida diariamente por quatro homens. Por segurança, calculava o tempo dos deslocamentos pela cidade e informava aos pais os itinerários.
A pressão e os danos psicológicos estimularam um autoexílio. Bartira conseguiu uma bolsa e foi viver na Áustria, depois na Alemanha, e voltou ao Brasil quando decidiu ter filhos.
Hoje, a professora é uma jovem avó sorridente e tranquila. Nesse reencontro a nossa conversa acabou entre as fotocolagens com reproduções dos arquivos da ditadura às margens do rio Capibaribe, a poucos metros do prédio onde funcionou o Dops, palco de covardias institucionais contra os direitos humanos.
Em tempos de crescentes ondas antidemocráticas, penso como fazem falta Bartiras, Dozas, Paulos, Myrthas, Malbas e tantos outros que permitam uma educação com foco no desenvolvimento e libertação das pessoas. Não falo da educação que gera sensação de distinção, mas da que nos une e nos mantém de pé. Que incentiva o pensamento crítico, mas nos faz sonhar coletivamente. Ensinamentos de gente que acredita no afeto como uma porta aberta para dias melhores.


Reprodução da Folha de São Paulo

Inspirado em Clarice, Zambra impõe clima singular a relatos

Inspirado em Clarice, Zambra impõe clima singular a relatos

'Meus Documentos', de Alejandro Zambra, é zênite de obra em ascensão
JOCA REINERS TERRONESPECIAL PARA A FOLHA

Em tempos de desvalorização da escrita literária, torna-se inverossímil a figura de um escritor cuja obra seja marcada pelos resultados da leitura. Parodiando o escritor sueco Stieg Larsson (1954-2004), esta é a era dos "escritores que não amam os livros".
Há exceções, e desde a estreia com "Bonsai" (2006) o chileno Alejandro Zambra aguça suas qualidades de leitor: da literatura propriamente dita (de escritores como o peruano Julio Ramón Ribeyro, o italiano Cesare Pavese e Clarice Lispector), à realidade lida com olhar acostumado ao abismo entre o que se diz e o que se escreve.
Nesse sentido, "Meus Documentos" é o ponto alto da obra em constante ascensão caracterizada por mirada introspectiva. Nos onze relatos, certo clima singular se impõe, sugerido pela voz afetuosa e irônica que parece revelar situações demasiado pessoais: o orgulho melancólico do tabagista em "Eu Fumava Muito Bem", por exemplo, e a quase integralidade das crônicas das duas seções iniciais, embebidas na cronologia familiar imiscuída à história do Chile pós-Allende.
Em coletânea anterior, a excelente (e infelizmente inédita no Brasil) "No Leer" (2010), Zambra estabeleceu, extraída de frase de Clarice, a sua poética: "para fazer literatura é necessário não fazer literatura".
O paradoxo serve ao propósito de compreender o estilo do chileno: feito de leituras, confunde-se com uma conversa na qual sabemos das lições de macheza dadas por Camilo, o primo postiço, ou dos perrengues vividos no exílio por Rodrigo, o homem mais chileno do mundo.
Não por acaso, a chilenidade se impõe como subtexto dos episódios: a violência, a ditadura escolar, a vergonha de sobreviver a Pinochet (1915-2006,), uma vergonha que o chileno arrasta pelo mundo, dos bairros de Santiago ao interior de um táxi sequestrado na Cidade do México, chegando ao Brasil de modo insuspeitado.
Com seus livros de leitor de Lispector, Zambra propõe curioso retorno da escritora ao público brasileiro, ecoando-a ("digo o que tenho que dizer, sem literatura", esta é a frase dela), como se nos perguntasse: e agora, vocês que não amam os livros, que tanto fizeram para esquecer de Clarice Lispector, o que farão?
É uma boa pergunta, considerando a atual repercussão da escritora no exterior.

MEUS DOCUMENTOS
AUTOR Alejandro Zambra
TRADUÇÃO Miguel Del Castillo
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 32,90 (224 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

sábado, 19 de setembro de 2015

Carlos Manga morre aos 87 anos

O diretor de cinema e televisão, Carlos Manga, morreu aos 87 anos nesta quinta-feira. O bancário que gostava de cinema, levou sua paixão para a Atlântida Cinematográfica, onde começou como almoxarife, até virar contra-regra, assistente de montagem, e por fim, ocupar o lugar de destaque. Fez sucesso na era de ouro das chanchadas e corou sua trajetória como diretor de "O Homem do Sputinik", um clássico com Norma Bengell, Oscarito e Cyll Farney.

Na televisão, fez de minisséries e novelas a programas da linha de shows, como Chico City, de Chico Anysio, e Domingão do Faustão, onde não deixou boas lembranças. Foi sob sua gestão que o programa tropeçou no episódio mais polêmico de sua história, o sushi erótico, que levava uma modelo nua ao palco, coberta por menu japonês que era, aos poucos, ingerido por três convidados.

Manga encerraria ali sua trajetória nos auditórios, mas deixa boas referências na televisãocom títulos como o remake de Anjo Mau, (1997), Torre de Babel (1998), Eterna Magia (2008) e algumas das mais primorosas minisséries de seu tempo, como Agosto (1993), de Rubem Fonseca, Memorial de Maria Moura, baseada na obra de Rachel de Queiroz, e Um Só Coração, seu último trabalho, de 2004, de Maria Adelaide Amaral.


Reprodução do Correio do Povo

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Folha de São Paulo adere ao golpismo

O jornal Folha de S. Paulo, junto com Jornal do Brasil, O Globo e O Estado de S. Paulo, foi um dos pilares da ditadura militar de 1964. A Folha ficou famosa por emprestar suas camionetes para a OBAN transportar gente a ser torturada. Nos últimos tempos, a Folha vinha tentando não mostrar muito apetite por um golpe branco no Brasil. Mas cachorro comedor de ovelha não tem jeito. No último domingo, o jornal de Otávio Frias Filho, num editorial intitulado “Última chance”, voltou às suas origens golpistas: pediu a renúncia da presidente Dilma Rousseff ou o corte de programas sociais: ”O país, contudo, não tem escolha. A presidente Dilma Rousseff tampouco: não lhe restará, caso se dobre sob o peso da crise, senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa”.
Forçar um presidente eleito a renunciar em função da crise é uma forma de fazer o jogo de uma oposição incapaz de ter paciência para esperar a eleição seguinte. É a obsessão pelo atalho. A mídia brasileira não se contém mais. Empurra a própria oposição a ser mais radical. A Folha de S. Paulo elegeu o seu bode expiatório: “A contenção de despesas deve se concentrar em benefícios perdulários da Previdência, cujas regras estão em descompasso não só com a conjuntura mas também com a evolução demográfica nacional. Deve mirar ainda subsídios a setores específicos da economia e desembolsos para parte dos programas sociais”. É uma confissão. A corrupção, que grassa e deve ser combatida, tem sido um pretexto para atacar o que realmente incomoda, os “desembolsos para programas sociais”. Eis.
Para salvar a turma dos camarotes, o editorial da Folha defendeu sacrificar a educação e a saúde: “As circunstâncias dramáticas também demandam uma desobrigação parcial e temporária de gastos compulsórios em saúde e educação, que se acompanharia de criteriosa revisão desses dispêndios no futuro”. Numa tentativa pífia de mostrar-se equilibrada, a Folha dispensa uma linha para aumentos de impostos com novas alíquotas “sobre a renda dos privilegiados”. Nada sobre taxar grandes fortunas ou pesar a mão sobre os lucros dos bancos. Nas redes sociais, o pau comeu. Simultaneamente, no site da Folha, quem clicou no malfadado editorial passou a receber a seguinte mensagem: “Erro 404 Desculpe, página não encontrada. A página que você procura não existe nos servidores da Folha de S. Paulo”.
Hummm!
No jogo de banco imobiliário da política brasileira, a oposição quer aproveitar a crise para chegar logo ao poder. Se fosse mais séria, ajudaria a equilibrar o país agora e se cacifaria para ganhar o próximo pleito. Do ponto de vista econômico, trata-se de aproveitar a situação para voltar várias casas atrás anulando o melhor dos governos petistas, a consolidação e ampliação dos programas sociais. A direita passou anos dizendo que não havia mais esquerda e direita. Nos últimos meses, desmentiu-se totalmente. Nunca a dicotomia esquerda e direita foi tão forte no Brasil no século XXI. O PT não é esquerda?
Não. Mas o que fez de melhor, na mira da direita, era.
No passado, o PT fez discurso moralista e atrapalhou os negócios seculares.
Ninguém o perdoa por isso.
Depois, entrou nos eixos e passou a fazer como todos.
Se não tivesse prejudicado as transações do passado e não tivesse mania de programas sociais, teria sido perdoado, faria parte do clube como qualquer um e viveria tranquilamente no reino encantado da corrupção. Não é o seu presente que incomoda os seus adversários, mas o seu passado.
O PT mudou. Para pior.
Só a mídia não muda. Muitos menos para melhor.
Continua golpista.

Unesco denuncia saque arqueológico em escala industrial na Síria

Unesco denuncia saque arqueológico em escala industrial na Síria

Estado Islâmico realiza tráfico de objetos antigos para financiar jihadismo

Síria um saque arqueológico em escala industrial, denunciou nesta quarta-feira a Unesco, ressaltando a necessidade de lutar contra o tráfico de objetos de arte que servem para financiar o jihadismo.

As imagens de satélite e o fluxo de objetos antigos observado nos mercados clandestinos são a prova de um "saque em escala industrial", através de "milhares de escavações arqueológicas ilegais", ressaltou a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, em uma coletiva de imprensa em Sofía.

"Limitar o tráfico de objetos de arte é neste momento a prioridade número um", especialmente porque "serve para o financiamento dos extremistas", disse Bokova, convocando os países da UE, em particular, a "consolidar sua legislação para frear" este fenômeno.

Paralelamente às destruições de caráter ideológico dos sítios antigos, o EI realiza tráfico de objetos antigos, escavados sem cerimônia neste país que é rico em patrimônio histórico. Imagens de satélites da ONU mostraram no dia 1 de setembro adestruição pelos jihadistas do templo de Bel, tesouro da cidade antiga de Palmira, um "crime intolerável contra a civilização", segundo a Unesco.

Reprodução do Correio do Povo

Gaúcho da Copa morre aos 60 anos

Gaúcho da Copa morre aos 60 anos

Torcedor símbolo teve complicações decorrentes de um câncer
O corretor de imóveis Clóvis Acosta Fernandes, 60 anos, mais conhecido como Gaúcho da Copa, morreu por volta das 5h30min desta quarta-feira no Hospital Santa Rita, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, onde estava internado desde o dia 28 de julho deste ano. Ele teve complicações decorrentes de um câncer que enfrentava há nove anos e encontrava-se sob tratamento na instituição. O velório e sepultamento estão marcados para ocorrer no Cemitério São Miguel e Almas. Ele deixa esposa e quatro filhos.

Gremista e sempre pilchado, de chapéu e com a camiseta da seleção brasileira e segurando a Taça do Mundo, Fernandes assistiu sete copas do mundo, iniciando pela promovida na Itália em 1990 e tendo como última a realizada no Brasil em 2014. 

Fernandes acompanhou também algumas edições da Copa América e da Copa das Confederações, entre outras competições no exterior, totalizando mais de 150 partidas em cerca de 60 países. Tornou-se assim uma espécie de “embaixador gaúcho do futebol”. O bigode era uma marca registrada dele. 

No início de novembro de 2013, dois representantes FIFA, vindos da Suíça, estiveram em Porto Alegre para gravar um documentário, retratando-o com torcedor símbolo. Em retribuição, o Gaúcho da Copa brindou os visitantes com chimarrão e churrasco.

Reprodução do Correio do Povo

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Um brasileiro descrente

MINHA HISTÓRIA - CAIO FERRAZ, 47

Um brasileiro descrente

Sociólogo carioca que teve o quinto parente assassinado em 20 anos critica impunidade em relação à violência no país
RESUMO O sociólogo Caio Ferraz, 47, sentiu novamente a dor de perder um parente quando o corpo de seu sobrinho Victor Hugo, 23, foi encontrado na última terça (8) na Baixada Fluminense. O jovem foi o quinto familiar assassinado desde 1986 –dois irmãos e dois sobrinhos já haviam sido mortos. Uma das principais vozes da chacina de Vigário Geral (1993), onde cresceu, Ferraz tenta combater a violência desde então, enfrentando ameaças que o levaram a morar nos EUA por 18 anos.
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Você passa sua vida lutando em prol dos excluídos, militando ao lado dos justos em defesa da democracia e dos direitos humanos e, de repente, recebe a notícia de que um parente seu está desaparecido e possivelmente morto.
Foi exatamente o que aconteceu comigo na madrugada do dia em que o Brasil comemorava a data de sua independência: recebi a malvada informação do desaparecimento de meu sobrinho e afilhado Victor Hugo Ferraz de Sá, 23, morador de Gramacho, Baixada Fluminense. Ele era o segundo filho de minha irmã Lucia Helena Ferraz.
Comecei às 5h uma peregrinação com meus irmãos e amigos para tentar localizar o Victor e um outro jovem que também estava desaparecido, numa luta insana contra o tempo. A angústia, o desconforto, a dor no peito, a revolta são sensações que permeavam o corpo e a alma de quem precisava agir rápido, falar, ouvir e, principalmente, ser ouvido.
Foram horas de tensão, ligava para um, ligava para outro. A pior parte era a pergunta: "Mas eles eram bandidos?". "Não!", eu reclamava.
E, mesmo se fossem, eles são seres humanos como o menino Aylan Kurdi [refugiado sírio de três anos encontrado morto numa praia da Turquia], como o morador de rua Francisco da praça da Sé [morto ao salvar uma refém de um bandido, em São Paulo] ou como tantos outros que nossa insana naturalização do mal tende a julgar e condenar ao limbo da história.
A triste confirmação da morte veio por volta das 14h de terça. O corpo dele havia sido encontrado na parte de trás de um carro, num lugar ermo em Belford Roxo. Do corpo do amigo dele, até agora a família não teve notícias.
Diante da impunidade em relação aos homicídios neste país, me sinto um brasileiro descrente. Ninguém irá levar a julgamento o caso envolvendo o assassinato do meu sobrinho, muito menos apontar um culpado.
A dor que minha irmã sentiu é a mesma que sentiram a mãe do menino Eduardo de Jesus [morto a tiros no Complexo do Alemão em abril] e que agora está sentindo a mãe do menino Cristian, de Manguinhos [morto na terça, 8, durante uma operação da polícia na favela carioca].
Também é a mesma dor que sente a mãe de um policial que perde a vida na cruel batalha que tem dizimado centenas neste país.
Vivemos uma guerra que amanhã deixará mais 82 mães chorando porque seus filhos foram assassinados [o número se refere à quantidade de jovens executados no país diariamente, segundo dados da Anistia Internacional]. E, depois de amanhã, outras 82 mães se encontrarão na mesma situação.
Quando for a missa de sétimo dia do meu sobrinho, teremos a ultrajante soma de 574 mães que tiveram que enterrar de forma dolorosa seus filhos. E, pasmem, em 5 de agosto de 2016, quando o Rio estiver acendendo a tocha dos Jogos Olímpicos, cerca de 27 mil mães terão sepultado seus filhos na guerra mais insana que a história moderna já conheceu: o extermínio de jovens pobres num dos países mais ricos do planeta.
O sofrimento do outro não vale nada neste país. Estamos na era da maldade, onde as pessoas são mortas por motivos torpes, como o meu sobrinho e o amigo dele.
Victor Hugo, você foi mais um dos deserdados pela insensatez política e pela apatia de uma nação, mas eu sou seu tio, sou guerreiro, venci outras batalhas e também vencerei esta. Não deixarei que seu nome seja esquecido, que sua breve história de vida seja apagada.


Reprodução da Folha de São Paulo