sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Chamados da natureza

Uma vez li um texto, talvez de Pauline Kael, talvez de Roger Ebert, em que o crítico reclamava da falta de sabor de um filme sobre jogo. Se você quer entender um viciado, a resenha dizia, deve admitir e mostrar que algo o levou até ali: o prazer que, em algum ponto antes da inevitável decadência, experimenta quem fuma crack ou ajuda a abrir a padaria para a pinga do café da manhã.
Dois filmes em cartaz podem ser vistos como histórias de vício, se considerarmos este a exacerbação patológica de um gosto/hábito socialmente aceito: "Ninfomaníaca "" Parte 1", de Lars von Trier, que trata de sexo, e "O Lobo de Wall Street", de Martin Scorsese, que fala de dinheiro.
Seguindo a regra de Kael (ou Ebert), Scorsese opta pela vivacidade ao retratar a ganância e a rotina sem limites do protagonista Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio). Não há um minuto de tédio no filme: o sujeito queima dinheiro, engana assalariados com gosto, joga lagostas num agente do FBI, bebe, usa todas as drogas que encontra e se diverte promovendo o arremesso de anões no escritório.
Também há piadas com pobres, gays, mulheres, crianças deficientes, Aids, paralisia cerebral. As falas e cenas podem chocar individualmente (para quem se choca com essas coisas), mas uma atrás da outra, sem trégua e acompanhadas da exuberância quase histérica das imagens, resultam numa comédia irresistível, retomando o vigor --e o "off", o enredo, os tipos humanos, a montagem, o desfecho-- de dois clássicos do diretor, "Os Bons Companheiros" (1990) e "Cassino" (1995).
Já "Ninfomaníaca", se a segunda parte não desmentir a tese quando entrar em cartaz, faz o contrário. A visão é clínica, como um microscópio que disseca a protagonista Joe (Charlotte Gainsbourg) de um ponto seguro, distanciado. Nas cenas de sexo, há um esforço para afastar qualquer sugestão (para quem gosta de se consolar com essas coisas) de algo além de mecânica compulsiva.
A falta de vivacidade, aqui, é literal: há um momento em que a personagem, num de seus oito ou nove encontros diários com toda espécie de predador e/ou idiota, diz não estar sentindo nada. O diálogo que pontua os esquetes é igualmente morno, tentando domesticar seu objeto por meio de metáforas óbvias (como a da isca e do peixe), descrições redundantes, psicologismo barato.
E, no entanto, há sabor no filme: uma energia, uma ironia e uma beleza surgidas justamente do contraste com a banalidade. É uma ideia que Von Trier já havia explorado em "Anticristo" (2009): mostrar como a razão, cuja caricatura está na linguagem gasta das falas, e também no didatismo do visual --tela dividida, números sobre imagens para explicar o que estamos vendo--, é impotente e ridícula diante do "caos que reina" na psicologia de Joe.
Uma das dificuldades de se lidar com a ideia do vício, que é um fim em si mesmo, um chamado da natureza que não oferece nada em troca, é conseguir superar nossa necessidade --alimentada por religião, ideologia, moral ou instinto de sanidade-- de atribuir um sentido geral à existência.
Nem "Ninfomaníaca" nem "O Lobo de Wall Street" caem nessa ilusão. O sexo pode ser apenas um tique fisiológico, e não veículo para algo mais nobre (o amor, a liberdade hedonista). O dinheiro pode ser apenas caminho para mais dinheiro, o prazer material imediato que não integra uma narrativa de vocação, superação de obstáculos, vitória e felicidade pacificada.
Com sua costumeira ambivalência católica, depois de se lambuzar no mundo de pecado que o fascina, Scorsese tenta amenizar as coisas distribuindo punição, arrependimento e um trailer com o aviso de que "mais nunca é suficiente". Von Trier, mais próximo da dureza (protestante?) de um Bergman ou Michael Haneke, não oferece saída nem pede desculpas.
Só que ao final, por meio de sensibilidades tão diversas, os dois filmes causam perplexidade semelhante. Estamos diante da mesma tragédia: a fúria dos desejos e o rastro de destruição na sequência, tanto faz se em festas nova-iorquinas ou num quarto escuro da Europa, em meio a gargalhada ou angústia, roupas caras ou nudez.


Texto de Michel Laub, na Folha de São Paulo

Do papiro à nuvem

Não é mais simplesmente uma biblioteca nem sequer dados armazenados em um computador. Essa tal de "nuvem", a mais nova entidade da cultura, o mais novo lugar do saber, conteria, por definição, tudo o que já foi posto em palavras. Será?
Mesmo que eu não tenha acesso à completude do conceito de "nuvem", ou "cloud", em inglês, como é mais conhecido, talvez porque nem tenha sido completamente esgotado, posso concluir que se associa à dinâmica de um pecado mortal: o da ganância.
Tudo deve ter começado nas folhas de uma planta (papiro), na verticalidade e porosidade das pedras e do barro. Tudo para guardar, para não perder, não esquecer. A acumulação tem como função dar conta do nosso medo de perder. Esse temor praticamente domina a nossa relação com o mundo. Quero guardar, mesmo não sabendo por quê. Quero ter à disposição todo o necessário para enfrentar o imprevisível. Não quero sentir falta.
Uma vez me contaram a história de uma senhora que nunca jogava nada fora, muito menos o que não era perecível. Tanto acumulou que acabou morando num dos carros que também mantinha em seu quintal. Na casa, não cabia mais nada. Os vizinhos acabaram intervindo, temendo uma possível peste (rato, barata, aranha). Acumular, de fato, em certos casos, pode se tornar uma questão de saúde pública.
No campo do pensamento, temos as enormes bibliotecas, cujo orgulho é conter o máximo de ideias possíveis, organizadas de tal forma que sejam acessíveis. Para tanto, existe uma ciência, a técnica de arquivar.
Evitar o desgaste, não deixar apodrecer, lutar contra a decadência das estruturas da natureza ou mesmo das imagens parece ser uma das funções do que chamamos de "nossa sociedade". Essa função faz história, que é a matriz do homem. Enquanto sociedade, somos a resultante da interação dinâmica de todo o saber que guardamos.
Todas as culturas guardam e transmitem a sua sabedoria. Nós, no Ocidente, fomos além: chegamos à "nuvem". O saber guardado, o saber que não se reproduz, que não contamina nem é contaminado, em caso de, em algum dia, ser útil.
Em qualquer biblioteca particular, podemos encontrar mais de "não lido" do que de "lido". Para quê? Para termos à disposição informação de que eventualmente, um dia, porventura, podemos precisar. Não estou falando de biblioteca enfeite --falo também dos livros que são instrumentos de ganha-pão. No papiro, na pedra, na biblioteca, na "nuvem"...
Nisso tudo está... O que mesmo? Será o saber? Será a cultura? É um rito de sobrevivência, com certeza. Educação é dominar esse saber todo ou ser informado tão somente de que ele existe? Não sei, não... Tenho certeza de que educação tem a ver com ter acesso, conhecer os meandros que levam ao saber.
Acumular, arquivar é diferente de assimilar. Tudo o que está na "nuvem", sem a dinâmica da aquisição e da assimilação, não passa de informações, dados à procura de uma mente criativa que os coloque em novas conexões. Cumpre à sabedoria integrar-se a uma máquina que a transforme. A mente humana tem esse poder fantástico de transformar arquivo em cultura.


Texto de Anna Veronica Mautner, na Folha de São Paulo

Saudade tem idade e sobrenome

Quero propor um experimen­to de deixar o Hélio Schwartsman radiante: pe­gue um filhote de lulu da pomerânia, aquele que parece uma raposi­nha que teve a má sorte de encostar numa cerca elétrica.
Jogue-o num quintal e deixe-o lá, desatendido. De quando em quan­do, use um porrete para descer o sarrafo no bicho. Não se acanhe, ba­ta com gosto.
Ao mesmo tempo, em outro espa­ço distinto, você coloca outro filho­te de lulu da pomerânia, idealmen­te que seja da mesma ninhada do primeiro, e o cria sem nunca deitar um dedo nele.
Desconfio que, ao cabo de dois anos, quando os cães estiverem maduros, aquele que apanhou sis­tematicamente será um tico mais irritadiço do que o outro. Será?
A maioria de nossos jovens de bai­xa renda, negros e pardos na maio­ria, já nasce praticamente apa­nhando da polícia.
Para essa juventude é rotina ser parado na rua para averiguação. Ninguém é louco de andar sem car­teira de trabalho. Quem não tem, corre o risco de ser confundido com outro "Marcos Ferreira da Silva" ou outro "Joaquim Souza Costa" que tenham cometido delitos. Se fo­rem, o risco é de passar um bom pe­ríodo na detenção ou, no mínimo, de ter a dignidade aviltada e tomar uma surra. Essa é a realidade palpá­vel -a qualquer hora do dia- para milhares de guris que você e eu cru­zamos na rua diariamente.
O mesmo medo que sentimos de tomar um tiro na cara de um assal­tante, o jovem da periferia que te­nha entre 8 e 28 anos tem da polícia. A cada farda que vê, camarada pen­sa: "É agora!" Um líder negro me explicou que uma das razões que a molecada agora quer passar tempo no shopping é que lá tem câmera para registrar eventuais excessos cometidos por policiais.
Pergunto: frases como "Vaga­bundo tem mais é que morrer" ou "A polícia faz bem em matar" não alimentam o sistema de mais um cão raivoso?
Não existe dicotomia entre demo­cracia e "ordem e progresso". Quem imagina isso é o "clube da saudade" que não consegue enxer­gar o fato de que, na época dos mili­tares, quando alguns imaginavam que reinasse a paz, a perifa cuja existência eles só percebem agora já existia. Só que viviam mais longe, pior e não ousavam abrir o bico.
Pois agora eles sabem de seus di­reitos. E o dever de quem sempre esteve por cima, se tivesse alguma decência, seria dinamitar barreiras e promover mudanças de mãos da­das. Ou foi para ficar tudo igual que saímos às ruas em junho?
Na quarta, o comandante-geral da PM, general Benedito Roberto Meira me disse que nossa PM "não é violenta". Para ele pode ser. Mas não é o que pensa a população ca­rente nem o que dizem as estatísti­cas que tanto chocam o mundo.
E os índices de latrocínio, o mais temido dos crimes, só fazem cres­cer em SP, donde se conclui que o especialista em segurança pública, consultor do governo FHC, antro­pólogo e professor da UERJ, Luiz Eduardo Soares, está coberto de ra­zão ao colocar como prioridade ab­soluta a desmilitarização da polícia (desmilitarização, note, não signi­fica desarmamento). "O objetivo do Exército é defender o território. Para cumprir essa função, ele se or­ganiza para mobilizar grandes con­tingentes com máxima celeridade sob ordens vindas de um só coman­do. Sua estrutura organizacional é totalmente verticalizada. O exérci­to luta contra o inimigo. Já a polícia é outro tipo de instituição. Seu pa­pel é prestar serviço, fazer ronda, patrulhamento, diagnosticar pro­blemas, mediar conflitos, dialogar e evitar a judialização."
"Confrontos armados são as únicas situações em que alguma seme­lhança poderia haver com o Exérci­to, mas correspondem a menos de 1% das atividades da polícia." Só de ouvir uma coisa dessas dá vontade fugir para Miami, não dá, clube da saudade?


Texto de Barbara Gancia, na Folha de São Paulo.

Solteiras alugam companheiros para o Ano-Novo chinês


Solteiras alugam companheiros para o Ano-Novo chinês

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Egito decide processar 20 jornalistas da Al Jazeera

Egito decide processar 20 jornalistas da Al Jazeera
Grupo de 16 egípcios e 4 estrangeiros é acusado de conspirar com terrorismo
Governo interino, sob domínio militar, fecha cerco à TV do Qatar, país que dava apoio a líder islamita deposto
DIOGO BERCITODE JERUSALÉM

A Promotoria do Egito anunciou ontem que acusou formalmente 20 jornalistas da sucursal da rede de televisão Al Jazeera --16 egípcios e 4 estrangeiros.
De acordo com o governo, os estrangeiros (um australiano, dois britânicos e uma holandesa) divulgaram "mentiras" que prejudicaram os interesses estatais, além de ter provido dinheiro e equipamento para os 16 egípcios --por sua vez, acusados de pertencer a uma "organização terrorista".
O canal, com sede no Qatar, já havia divulgado a detenção de três de seus jornalistas, incluindo o australiano Peter Greste, mas não está claro quem são os dois britânicos e a holandesa citados pela Promotoria.
Foi noticiado ontem, também, que o apelo de Greste, detido desde 29 de dezembro no país, foi negado por uma Corte egípcia.
Há, ainda, outros repórteres da rede Al Jazeera mantidos presos, alguns há cinco meses. O canal nega todas as acusações.
Os 20 acusados são descritos, nos papéis da Promotoria, como a "Célula Marriott", em referência ao hotel em que se hospedavam no Egito e de onde supostamente organizavam um centro de mídia para manipular dados.
Não está claro qual seria a entidade terrorista, mas o governo considerou recentemente como tal a Irmandade Muçulmana, que até julho de 2013 ocupava a Presidência.
O escritório da Al Jazeera no Cairo está fechado desde 3 de julho, data do golpe militar que derrubou o presidente Mohammed Mursi, ligado à Irmandade.
O Qatar foi um importante financiador do governo egípcio na época de Mursi, o que lhe valeu a inimizade da cúpula militar, hoje por trás do governo interino.


Reprodução da Folha de São Paulo

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Mursi comparece a tribunal em cela de vidro à prova de som

Mursi comparece a tribunal em cela de vidro à prova de som
DO "NEW YORK TIMES" - Mohammed Mursi, presidente egípcio deposto por militares em julho, foi colocado ontem em uma cela de vidro à prova de som para comparecer a um tribunal no Cairo. Ele é acusado de espionagem e incitação à violência, entre outros pontos.
Na primeira sessão de seu julgamento, em novembro, Mursi aproveitou o momento em que o microfone de seu compartimento foi ligado para dizer que era o presidente e vítima de um golpe ilegal.
Pouco antes do início da audiência de ontem, a televisão estatal egípcia cancelou planos de transmitir a sessão ao vivo. Nenhum outro veículo foi autorizado a transmitir notícias da audiência.

Reprodução da Folha de São Paulo

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Tailandeses boicotam cerveja após protestos

Tailandeses boicotam cerveja após protestos
Por THOMAS FULLER UDON THANI, Tailândia - Provavelmente era inevitável que, em um país tão obcecado por comida e bebida, o turbilhão político acabasse em cerveja.
A cerveja Singha, fabricada pela Boon Rawd Brewery, a mais antiga cervejaria da Tailândia, é um ícone nacional e um item básico em todos os restaurantes tailandeses do mundo. Mas também se tornou alvo de um boicote informal por alguns tailandeses, irritados pelo fato de que um membro da família que dirige a empresa seja um dos líderes dos protestos contra o governo.
O boicote à cerveja mostra o abismo entre os manifestantes das classes alta e média em Bancoc e os milhões de eleitores nas províncias, que estão atônitos e furiosos com as tentativas dos manifestantes de depor o governo e deter as eleições que quase certamente o restituirão ao poder.
Chitpas Bhirombhakdi, 28, herdeira da Boon Rawd Brewery e uma das principais ativistas nos protestos em Bancoc, foi citada no mês passado dizendo que muitos tailandeses não têm uma "verdadeira compreensão" da democracia, "especialmente nas áreas rurais".
Os comentários provocaram revolta no nordeste do país, região vasta e antes pobre que teve grandes melhoras nas condições de vida e na educação, em parte por causa das políticas de Thaksin Shinawatra, magnata bilionário e ex-primeiro-ministro que é o alvo dos protestos.
Durante décadas, o nordeste da Tailândia forneceu ao país empregados domésticos, operários da construção e motoristas de táxi. Agora também fornece os votos que foram instrumentais para a eleição do partido no governo -que inclui a irmã de Thaksin, a primeira-ministra Yingluck Shinawatra-, que os manifestantes querem depor.
Para os dissidentes do nordeste, Chitpas, política aspirante que é descendente direta de um rei tailandês do século 19, é símbolo de uma classe de Bancoc que não confia que os eleitores rurais farão a opção certa nas urnas.
"Ela é rica e vive em círculos de pessoas ricas -não sabe nada sobre a vida rural", disse Patsadaporn Chantabutr, 45, professor da região de Udon Thani. "Rejeitamos a ideia de que não passamos de caipiras."
Enquanto o boicote se espalhava no nordeste, Chitpas escreveu em sua página no Facebook que está lutando pelo país. Ela acrescentou: "Eu gostaria de lhes informar que jamais desprezei as pessoas do campo".
Alguns lojistas dizem que as vendas das cervejas Singha e Leo, marca mais barata da cervejaria Boon Rawd que é popular no nordeste, caíram acentuadamente perto do Ano-Novo.
Chitpas -que se candidatou sem êxito ao Parlamento em 2011- e outros líderes dos protestos afirmam que a democracia na Tailândia foi subvertida pelo partido governante, especialmente pela poderosa família Shinawatra, que dominou a política tailandesa na última década.
"Não há nada que ela possa fazer para restaurar sua imagem agora", disse Charuwan Thanom, comerciante do nordeste da Tailândia.
"Nós bebemos essa cerveja há muitos anos", disse ela. "O sabor não mudou. Meus sentimentos mudaram."


Reprodução de reportagem do The New York Times, na Folha de São Paulo

Frase reacende debate sobre bissexualidade

Frase reacende debate sobre bissexualidade
Por MICHAEL SCHULMAN

"É claro que ainda gosto de garotas."
Essa foi uma das frases mais comentadas de um vídeo de Tom Daley que circulou no YouTube no mês passado, em que o mergulhador olímpico britânico de 19 anos anunciou que está namorando um homem.
Ele continuou: "Mas, quero dizer, neste momento estou namorando um cara e não poderia estar mais feliz".
A mensagem de Daley foi simples e singela, e os defensores dos direitos gays pareceram entusiasmados ao receber em suas fileiras um atleta assumido. (Os comentários mais ferinos vieram depois, quando o "cara" foi identificado pelos tabloides como o roteirista Dustin Lance Black, que é 20 anos mais velho.)
Mas Daley nunca usou a palavra "gay", e há a questão de ele ainda gostar de garotas. A revelação de Daley reacendeu um debate intenso na comunidade de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).
A bissexualidade, assim como a síndrome da fadiga crônica, é muitas vezes considerada imaginária pelos que estão do lado de fora. Estereótipos não faltam: os bissexuais são promíscuos, mentirosos ou vivem "em negação". Eles são gays que não conseguem admitir sua sexualidade ou "lésbicas até a formatura" que estão procurando maridos.
"Essas reações são clássicas. Muitas pessoas não acreditam que a bissexualidade realmente existe e a consideram uma etapa transitória ou uma forma de 'estar no armário'", disse Lisa Diamond, professora na Universidade de Utah que estuda orientação sexual.
Estudos baseados na população, disse a doutora Diamond, indicam que a bissexualidade é mais comum que a atração exclusiva pelo mesmo sexo e que a libido feminina é especialmente aberta. Isso talvez explique por que a bissexualidade feminina é mais comum na cultura popular, desde "I Kissed a Girl", de Katy Perry, ao seriado "Orange Is the New Black", do Netflix.
Em um ensaio no "New York Times", no qual revelou seu relacionamento com outra mulher, a atriz Maria Bello escreveu: "Meu sentimento sobre ligação e parceria sempre foi de que eles são fluidos e evoluem".
Antes de se casar com Bill de Blasio, Chirlane McCray se identificava como lésbica, o que se tornou parte das credenciais progressistas da família do prefeito de Nova York.
A bissexualidade masculina, em comparação, é mais criticada, e grande parte do ceticismo vem dos homens gays.
O guru gay conservador Andrew Sullivan, em seu blog "The Dish", chamou a alegação de Daley sobre gostar de garotas de "um clássico mecanismo para facilitar a transição para sua verdadeira identidade sexual. Eu sei porque também fiz isso".
As lésbicas também podem ser temerosas. Mesmo depois que McCray se casou com De Blasio, algumas de suas "amigas lésbicas-separatistas", como disse a revista "New Yorker", recusaram-se a aceitar sua nova vida.
Esses pensamentos irritam os defensores da bissexualidade, que veem o viés contra os círculos gays como evidência de "bifobia". Muitas críticas neste sentido foram dirigidas ao colunista sexual Dan Savage. Em 2011 o blogueiro Chris O'Guinn acusou Savage de dizer "coisas claramente cruéis e insultantes sobre os bissexuais", incluindo seu comentário no documentário "Bi the Way", que dizia: "Quando conheço alguém que tem 19 anos e me diz que é bissexual, digo: 'Sim, tudo bem, eu duvido. Volte quando você tiver 29 anos e veremos'."
Savage respondeu com um vídeo para o "The Dish" no último verão. "Reconhecer que isso é uma coisa que acontece, que as pessoas brevemente se identificam como 'bi' antes de se assumirem como gays muitas vezes -nem todas as pessoas bi, mas os gays fazem isso- não deve ser considerado bifobia."
Daley e Bello, nenhum dos quais usou a palavra "bissexual", falaram sobre o ardor incontrolável de um único relacionamento, em vez de uma mudança de identidade. (Bello se contentou em se chamar de "qualquer coisa".)
Apenas algumas celebridades adotaram o termo. A atriz Cynthia Nixon, que se casou com uma mulher depois de ter filhos com um homem, disse ao "Daily Beast" em 2012: "Eu não uso a palavra 'bissexual' porque ninguém gosta dos bissexuais. Todo mundo gosta de xingar os bissexuais".
Mas evitar rótulos tem sua própria história entre os ativistas gays, que contaram com a visibilidade como arma contra a intolerância.
Quando um entrevistador da "Essence" mencionou a palavra "bissexual" para a nova primeira-dama de Nova York, McCray respondeu: "Eu sou mais do que um simples rótulo. Por que as pessoas insistem em rotular onde nos situamos no espectro sexual? Os rótulos colocam as pessoas em caixas, e essas caixas têm a forma de caixões".
No caso de Daley, a diferença pode ser geracional. Pessoas mais novas talvez não deem valor a rótulos como "gay" ou "bissexual", quando as comunidades que eles descrevem não são mais tão marginalizadas.
"Entre a geração mais jovem, vi muito mais abertura sobre a bissexualidade tanto em homens como em mulheres e, com frequência, uma rejeição a todos os rótulos", diz a doutora Diamond. "Eles são mais abertos para a ideia de que 'a sexualidade é complexa, e, desde que eu saiba com quem eu quero dormir, não importa como me chamem'."


Reprodução de reportagem do The New York Times, na Folha de São Paulo

O que é a verdade?

Recebi, semanas atrás, não sei se uma intimação ou um convite, para comparecer à Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, de São Paulo.
Não pretendo aceitar o convite e só me darei por intimado se sofrer uma punição de força. Num caso e no outro, tenho opinião formada: Vladimir foi miseravelmente assassinado numa prisão do Estado e Fleury assassinou e mandou assassinar uma centena (ou mais) de opositores da ditadura. Nenhuma comissão da verdade, tenha o nome que tiver, me convencerá do contrário.
E há outros casos igualmente tenebrosos, como o do deputado Rubens Paiva, pai do meu amigo Marcelo Rubens Paiva (grande escritor) e o do ex-bancário Aluísio Palhano, que conheci exilado em Havana. Pressionado pelo próprio governo de Cuba, ele tentou vir ao Brasil para liderar uma guerrilha. Veio num navio cargueiro e, próximo ao litoral de Santa Catarina, tomou uma lancha, tentando chegar a terra. Foi fuzilado e jogado no mar. Há também outras versões sobre seu sumiço nas dependências do DOI-Codi.
Descobrir a verdade não é impossível, mas sempre recordo aquela passagem do Evangelho em que Cristo diz a Pilatos que o reino Dele era o da verdade. O procurador romano, a autoridade máxima na Judeia, que condenaria o réu a morrer no Calvário, pergunta sem tom de deboche: "O que é a verdade?". Não espera resposta e vai tomar as providências para a crucificação.
Provavelmente, Cristo não conhecia a definição de verdade de Aristóteles, mais tarde adotada por Tomás de Aquino: "Adaequatio rei ad intellectum". Pilatos era romano. Por formação, seguia os céticos romanos, ficaria na mesma.
Não sou romano, mas cético. Não entenderia nem Aristóteles nem Cristo, mas não precisaria de um ou de outro para saber o que houve de crime e imoralidade no Brasil.


Texto de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo

Legalização e resistência à maconha crescem juntas nos EUA

O momento para a legalização da maconha pode parecer uma maré inevitável, com Estados da Flórida a Nova York considerando um relaxamento das leis para uso medicinal, e uma indústria para uso recreativo pleno está surgindo rapidamente no Colorado e aqui no Estado de Washington.

Mas por todo o país, a resistência à maconha legal também está crescendo, com um número cada vez maior de cidades e condados buscando proibir a venda legal. Os esforços, ainda em grande parte locais, foram alimentados pela abertura, ou abertura iminente, de pontos de venda de maconha aqui e no Colorado, assim como pelos recentes pareceres legais que apoiam essas proibições em alguns Estados.
Em jogo estão milhões de dólares em receita de impostos da venda de maconha –prometida pelos defensores da legalização e agora avidamente esperada pelos governos estaduais– que poderiam ser reduzidos acentuadamente caso cresçam os esforços locais para proibir a venda.
Mas luta também sinaliza uma batalha ainda maior pelo futuro da maconha legal: se será uma indústria nacional fornecendo acesso quase universal ou um sistema remendado, com ilhas isoladas de vendas principalmente urbanas.
Para alguns, o debate lembra o do período pós-Lei Seca, quando surgiram algumas chamadas cidades secas em alguns Estados, em resposta à legalização do álcool. "Em algum momento nós devemos estabelecer alguns limites", disse Rosetta Horne, pastora de uma igreja cristã ecumênica aqui em Yakima, em uma audiência pública na noite de terça-feira, onde ela pediu à Câmara Municipal que aprovasse uma proibição permanente da venda de maconha.
Apesar de parecer mais forte nas comunidades rurais e conservadoras, a resistência tem sido surpreendentemente bipartidária. Em Estados da Louisiana a Indiana que estão discutindo a descriminalização, oponentes republicanos do relaxamento das leis de drogas estão se vendo aliados a democratas céticos.
As vozes no governo Obama preocupadas com o crescente acesso se juntaram a cruzados antidrogas como Patrick J. Kennedy, um ex-deputado federal democrata por Rhode Island, que argumenta que os riscos potenciais da maconha à saúde não foram explorados adequadamente, especialmente entre os jovens –e que tem escrito e falado amplamente sobre seus próprios problemas com álcool e medicamentos prescritos.
"De certa forma eu acho que a melhor coisa que poderia ter acontecido ao movimento antilegalização foi a legalização, porque eu acho que ele mostra às pessoas o lado ruim", disse Kevin A. Sabet, um ex-consultor de políticas de drogas do presidente Barack Obama e diretor executivo e fundador com Kennedy da Abordagens Inteligentes para a Maconha. O grupo, fundado no ano passado, apoia a remoção das penas criminais para o uso da maconha, mas é contrário à legalização plena, e está trabalhando com organizações locais por todo o país para contestar a legalização.
"Se os defensores da legalização dedicassem um pouco mais de tempo e não estivessem tão obcecados em fazer isso a mil quilômetros por hora", ele acrescentou, "seria melhor. Em vez disso, eles estão ajudando a provocar uma reação".
Em Washington, a Comissão do Condado de Yakima já disse que planeja proibir a venda de maconha nas áreas não incorporadas fora da cidade de Yakima. O condado de Clark, Washington, está considerando uma proibição à venda para fins recreativos que afetaria o imenso mercado de maconha em Portland, Oregon, na outra margem do Rio Columbia. E o segundo condado mais populoso do Estado, Pierce, ao sul de Seattle, disse no mês passado que proibiria a abertura de lojas para venda para fins recreativos.
Bolsões de cerceamento também surgiram em outros Estados. Na Califórnia, um dos 20 Estados e o Distrito de Columbia que permitem o uso da maconha para fins medicinais, um tribunal estadual de apelações disse no final do ano passado que os governos locais podiam proibir o cultivo da maconha medicinal. O condado de Fresno o fez prontamente, transformando-se no primeiro condado do Estado, disseram defensores da maconha medicinal, a proibir todo o cultivo de maconha.
Os legisladores no Oregon estão considerando um projeto de lei que permitiria às municipalidades restringir ou proibir a maconha medicinal. A lei de maconha para fins recreativos do Colorado entrou em vigor em 1º de janeiro com vendas no varejo, mas dezenas de governos locais, incluindo o de Colorado Springs, a segunda maior cidade do Estado, proibiram o comércio de maconha.
Políticos nacionais, de Obama para baixo, parecem igualmente em conflito. Obama disse na semana passada que acredita que o "experimento" no Estado de Washington e no Colorado devem ser permitidos, e o secretário de Justiça, Eric H. Holder Jr., disse na quinta-feira que os departamentos de Justiça e do Tesouro estavam desenvolvendo diretrizes para facilitar que as empresas legais de maconha obtenham serviços bancários, atualmente proibidos segundo a lei federal.
Mas ao mesmo tempo, um alto funcionário da DEA (agência federal de combate às drogas) expressou recentemente alarme pelo uso e acesso à maconha estarem se espalhando tão rapidamente.
Aqui em Yakima, uma cidade agrícola de vinho e maçãs, população 93 mil, cada lado na frequentemente emotiva reunião de duas horas da Câmara Municipal na terça-feira falou sobre risco. Os defensores da proibição disseram temer que bairros e padrões de vida prezados seriam prejudicados pelas empresas de venda de maconha recreativa. Os oponentes, incluindo alguns requerentes de licença para abertura de lojas de maconha, alertaram sobre o prejuízo econômico e pela responsabilidade legal em caso de uma proibição.
De noite, a votação não foi apertada –6 votos a 1 pela proibição completa do comércio de maconha.
A decisão de Yakima, disseram vereadores, foi reforçada pelo secretário de Justiça estadual, Bob Ferguson, que neste mês publicou um parecer legal não vinculante de que os governos locais deveriam proibir a maconha recreativa segundo a I-502, a iniciativa que legalizou a maconha para fins recreativos aprovada pelos eleitores de Washington em 2012. Os críticos disseram que o argumento de Ferguson fere a lei, que diz que a maconha deve estar disponível para todos os habitantes do Estado.
Mas mesmo antes de seu parecer, a resistência estava crescendo. Por todo Washington, moratórias ou proibições locais cobrindo mais de 1,5 milhão de pessoas –cerca de 1 entre 5 habitantes– estavam em vigor em meados de janeiro, segundo um grupo de pesquisa pró-legalização em Seattle, o Centro para o Estudo da Cannabis e de Políticas Sociais.
Em um nível mais amplo, alguns especialistas dizem que o surgimento de uma oposição à maconha legal pode levar a contestações legais que atinjam o coração das leis de legalização no Colorado e Washington– ou as confirmem.
Os especialistas esperam que as contestações legais às proibições locais venham de futuros operadores de comércio de maconha. Prevendo esses processos, algumas comunidades já estão alegando que contam com o direito legal de proibir vendedores e produtores legais, porque a droga continua sendo ilegal segundo a lei federal.
"A lei federal está acima disso", disse Bill Lover, um vereador de Yakima que votou pela proibição.
"Nós não achamos que eles vencerão", disse Alison Holcomb, a diretora de justiça criminal da União pelas Liberdades Civis Americanas de Washington, e líder do plebiscito de 2012. Ela acrescentou que precedentes legais para Estados que ignoram a lei federal remontam no mínimo ao fim da Lei Seca, quando muitos Estados simplesmente se recusam a aplicar a lei federal proibindo a venda de álcool. "Foi basicamente assim que a proibição do álcool foi derrubada", ela disse.
Um motor mais profundo para a oposição à maconha legal é a ansiedade a respeito de como a rápida expansão do comércio de maconha e acesso cada vez mais fácil à droga poderiam mudar as comunidades. Nenhuma das novas proibições locais afeta a posse de maconha para uso pessoal, que é legal no Estado de Washington.
"Isto não se trata de um adulto poder fumar um baseado", disse Sabet, da Abordagens Inteligentes para a Maconha. "Trata-se do amplo acesso, trata-se da mudança da paisagem de um bairro, da ampla promoção e divulgação, trata-se do acesso pelos jovens."
Os defensores da legalização dizem que devido aos eleitores do Estado terem aprovado um sistema que garante aos adultos acesso à maconha legal, eles pressionarão os reguladores e legisladores estaduais a cumprirem esse mandato, possivelmente pressionando pela adoção de penas contra os governos locais que autorizarem proibições,
Mas Dave Ettl, um vereador de Yakima que votou pela proibição, disse que estava disposto a correr o risco de penas, dizendo que considera manchada a promessa de receita tributária da venda de maconha.
"Esse é um dinheiro indigno de receber", ele disse.

Reportagem de Kirk Johnson para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Assim caminha a impunidade


Assim caminha a impunidade
Enquanto o mensalão petista foi julgado com celeridade, o dos tucanos recebe tratamento diferente
Meio na surdina, como convém a processos do alto tucanato, a Justiça livrou mais um envolvido no chamado mensalão mineiro. O ex-ministro e ex-vice-governador Walfrido dos Mares Guia safou-se da acusação de peculato e formação de quadrilha, graças ao artifício de prescrição de crimes quando o réu completa 70 anos. Já se dá como praticamente certa a absolvição, em breve, de outro réu no escândalo. Trata-se de Cláudio Mourão, ex-tesoureiro da campanha do PSDB ao governo mineiro em 1998. Ao fazer 70 anos em abril, Mourão terá direito ao mesmo benefício invocado por Mares Guia.
Vários pesos, várias medidas. Enquanto o chamado mensalão petista foi julgado com celeridade (considerado o padrão nacional) e na mesma, e única, instância suprema, o processo dos tucanos recebe tratamento bastante diferente. Doze anos (isso mesmo, doze!) separam a ocorrência do desvio de dinheiro para o caixa da campanha de Eduardo Azeredo (1998) da aceitação da denúncia (2010). Com o processo desmembrado em várias instâncias, os réus vêm sendo bafejados pelo turbilhão de recursos judiciais.
Daí para novas prescrições de penas ou protelações intermináveis, é questão de tempo. Isso sem falar de situações curiosas. O publicitário Marcos Valério, considerado o operador da maracutaia em Minas, já foi condenado pelo mensalão petista. Permanece, contudo, apenas como réu no processo de Azeredo, embora os fatos que embasaram as denúncias contra o PSDB mineiro tenham acontecido muito antes.
Se na Justiça mineira o processo caminha a passo de cágado, no Supremo a situação não é muito animadora. A ação contra Azeredo chegou ao STF em 2003. Está parada até agora. Diz-se que o novo relator, o ministro Barroso, pretende acelerar os trabalhos para que o plenário examine o assunto ainda este ano. Algo a conferir.
Certo mesmo é o contraste gritante no tratamento destinado a casos similares. Em todos os sentidos. Tome-se o barulho em torno de um suposto telefonema do ex-ministro José Dirceu de dentro da cadeia. Poucos condenam o abuso de manter encarcerado um preso com direito a regime semiaberto. Isso parece não interessar. Importa sim reabrir uma investigação sobre uso de celular, que aliás já havia sido arquivada. Resultado: com a nova decisão, por pelo menos mais um mês Dirceu perde o direito de trabalhar fora da Papuda.
Por mais que se queira, é muito difícil falar de imparcialidade diante de tais fatos, que não são os únicos. As denúncias relativas à roubalheira envolvendo trens, metrô e correlatos, perpetrada em sucessivos governos do PSDB, continuam a salvo de uma investigação séria. Isso apesar da farta documentação colocada à disposição do público nas últimas semanas. Vê-se apenas o jogo de empurra e muita, muita encenação. Alguém sabe, por exemplo, que fim levou a comissão criada pelo governo de São Paulo para supostamente investigar os crimes? Silêncio ensurdecedor. Mesmo assim, cabe manter alguma esperança na Justiça --desde que seja a da Suíça.
Depois da operação estapafúrdia na cracolândia e dos acontecimentos nas manifestações de sábado, ou o governador Geraldo Alckmin toma alguma providência para disciplinar suas polícias, ou em breve ele terá aquilo que todo governante sempre deveria temer: um cadáver transformado em mártir.


Texto de Ricardo Melo, publicado na Folha de São Paulo.

Início ou fim da crise na Argentina?


Em 23 de janeiro, o peso argentino desvalorizou-se 10% e foi a 7,75 por dólar –foi a 13 pesos no paralelo. No Brasil, falou-se em crise cambial.
Será isso mesmo ou, desde a posse, em novembro, do jovem ministro da Economia, Axel Kicillof, o país está no caminho de sair da crise?
A Argentina estava ameaçada do "eterno retorno" que caracteriza o ciclo populista de expansão seguida de crise financeira. O processo começa com uma crise de balanço de pagamentos, quando credores perdem a confiança e suspendem a rolagem da dívida externa. O país deixa de honrar débitos externos.
Em seguida ocorre a apreciação cambial (poucos anos), causada em boa parte pelo uso do câmbio para segurar a inflação, até que a taxa de câmbio alcance um "piso" correspondente a um deficit em conta corrente elevado, superior ao crescimento do PIB, que implica endividamento crescente do país.
Mas todos estão felizes: assalariados, rentistas e governo –aqueles porque suas receitas aumentaram artificialmente, este porque sua popularidade aumentou.
E a felicidade torna-se ainda mais alta, pois o governo, além de incidir em deficits em conta corrente irresponsáveis, entra em deficits fiscais igualmente irresponsáveis, atendendo às demandas dos eleitores.
Mas, alcançado o piso cambial, o país entra na fase de fragilidade financeira. Não entra em crise pois os credores externos, igualmente felizes, alimentam a bolha de crédito.
Ao mesmo tempo, a inflação se acelera devido às pressões de demanda, e o Banco Central, que não pode mais segurar a inflação com "âncora cambial", aumenta os juros para controlá-la –e também para atrair capitais que cubram o deficit em conta corrente.
Por mais alguns anos, o país vive na armadilha de juros altos e câmbio sobreapreciado, até que os credores novamente perdem a confiança, e a crise cambial se desencadeia.
Na Argentina, que não tem acesso ao crédito desde a crise financeira de 2001, a crise se consumará se houver o esgotamento das reservas em moeda estrangeira.
Entre 2003 e 2007, um peso próximo do equilíbrio competitivo (cerca de 3,7 pesos a preços de 2007) garantiu alto crescimento. Mas, a partir desse ano, a inflação se transformou em problema. O governo não resistiu ao populismo e segurou o câmbio para controlar a inflação.
Em consequência, o regime de alto crescimento acabou, enquanto o peso se valorizava e as reservas diminuíam. O resultado foi, há cerca de dois anos, a perda de confiança dos argentinos no peso e seu aumento violento no mercado paralelo. Era a crise que se delineava.
Ao chegar agora a cerca de 8 por dólar, o peso recuperou o equilíbrio competitivo, o governo diz que ele chegou ao nível desejado e, sem temer aumento do preço oficial do dólar, suspendeu restrições à compra de dólares, para reduzir o paralelo.
Se a estratégia de manter o câmbio no nível competitivo tiver sucesso, as expectativas de lucro crescerão, as empresas voltarão a investir, o superavit em conta corrente será recuperado e a Argentina sairá da crise. Mas terá ainda de resolver o problema da inflação, sem, naturalmente, recorrer ao mecanismo nefasto da âncora cambial. 


Texto de Luiz Carlos Bresser-Pereira, na Folha de São Paulo

domingo, 26 de janeiro de 2014

Mania de perseguição

De uns tempos para cá ocorre comigo um fato curioso: encontrar amigos ou conhecidos nas mais disparatadas ocasiões e nos mais inusitados lugares. Como que um Frestão me acompanha os passos, transformando carregadores de aeroportos em ministros de Estado, motoristas em poetas, camelôs em colunistas sociais.
Isso vem de repente. E dou de cara, por exemplo, com o Ferreira Gullar, descabelado e magro como o próprio, vendendo boletos de metrô em Buenos Aires. Aliás, em recente estada na capital argentina, tive um infindável e divertido desfile de amigos ou conhecidos que me acompanhavam pelas calles e me aliviavam a solidão.
Vi Ruy Castro passar de moto pela avenida de Maio; vi José Wilker fazendo empanadas numa empanaderia de Lavalle. Paulo Coelho era um cidadão calmo na fila de ônibus de Corrientes e Marcos Vinicios Vilaça tocava bandoneon numa orquestra de "moços cantores" da calle Maipu.
Dei de cara com Angeli de cicerone com Ziraldo. Era uma gentil mistura de Genoino, Maluf e Joaquim Barbosa. O Silvio Santos vendia fiambres na esquina de Tucumã com San Martin.
Vi o mestre Evanildo Bechara metido numa farda de suboficial da impávida guarda bonaerense, com apito, revólver, botas, esporas.
-- Mestre, o que faz aqui com este uniforme?
O mestre ordenou: "Circule, señor, circule!"
Quis abraçá-lo, ele meteu o apito na boca. Apareceram soldados. Pedi desculpas num dialeto em que entraram os poucos e mal sabidos idiomas que conheço e, antes que o negócio engrossasse, entrei num teatro.
Ao olhar para o palco, estanco lívido: no tablado fazendo um barulho infernal com os tacões dos sapatos, quebrando castanholas com os braços em arco, de costeletas fatais, olhar duro de quem enfrenta um touro --o nosso recente cardeal Tempesta dançava um fandango!


Texto de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo

Mudança de Obama na espionagem será apenas cosmética

ENTREVISTA - JAMES BAMFORD, 67
Mudança de Obama na espionagem será apenas cosmética
Especialista na NSA, jornalista diz que a agência sempre espionou todo mundo desde os anos 50, sem leis que a freassem
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON

As mudanças na espionagem dos EUA anunciadas pelo presidente Barack Obama são "cosméticas", e os países espionados "deveriam continuar muito preocupados".
Quem diz isso é um dos maiores especialistas externos da Agência de Segurança Nacional (NSA), o jornalista James Bamford, 67, que estuda a agência há 30 anos.
Ex-analista de inteligência da Marinha e ex-professor-visitante da Universidade da California em Berkeley, ele escreveu três best-sellers sobre a NSA. A trilogia serviu de base a um seriado sobre a agência, indicado para o Emmy, o Oscar da TV americana.
Leia trechos da entrevista:

Folha - O que o sr. espera que mude nos sistemas de espionagem da NSA?

James Bamford - As mudanças anunciadas por Obama são apenas cosméticas. Ele transferiu a esponsabilidade aos mesmos que deixaram a agência livre para fazer o que quiser: chefes da inteligência, Departamento de Justiça, Congresso. De 46 recomendações de mudanças feitas pela comissão independente nomeada pelo próprio Obama, o discurso só citou seis. Não vai mudar nada.

A NSA sempre foi poderosa desse jeito?
Era como um gorila enjaulado. Sempre foi enorme, com grande orçamento, e espionou todo mundo desde os anos 50 sem leis que a freassem. Em 1975, uma comissão do Congresso investigou seus abusos e criou a Fisa, o tribunal secreto que a controlava. Mas, depois dos atentados de 2001, o governo Bush deixou de lado a Fisa e aumentou o poder da NSA. A agência ficou fora de controle.

As grandes empresas do Vale do Silício são cúmplices da NSA ou obrigadas a cooperar?
No braço de ferro entre Vale do Silício e militares e espiões, estes levaram a melhor. As empresas de tecnologia precisam cooperar com ordens secretas, liminares secretas de um tribunal secreto. E têm seus servidores invadidos pela espionagem. O Vale do Silício vai precisar fazer muito mais lobby, já que está perdendo muito dinheiro.

Mas Obama disse que todo mundo espiona e que só os EUA estão sendo julgados.
Certa espionagem é necessária, e não reclamaria de espionarmos Coreia do Norte ou China, mas espionar aliados? A Petrobras? Isso não.
Todos os países gostariam de espionar uns aos outros, e diversos adorariam espionar a Casa Branca, mas essa comparação é falaciosa. As nove maiores empresas de tecnologia do mundo estão nos EUA. Um telefonema entre Bancoc e Laos provavelmente passará por algum cabo nos EUA. Não dá para comparar com o que outros países fazem.

Que atentados a NSA evitou?
A NSA não descobriu o atentado frustrado da Times Square nem o de Boston. Há um só caso descoberto, um taxista em San Diego que transferiu dinheiro para a Somália. Não justifica gastar US$ 10 bilhões por ano com isso.

O Brasil conseguiria se proteger dessa espionagem ou é quase impossível?
Nenhum governo sozinho vai conseguir driblar a espionagem americana. Só coletivamente, já que é o mesmo problema. Admiro a reação do Brasil, mas a resposta precisa ser tecnológica. Achar soluções e ser menos dependente dos americanos.

A opinião pública americana parece não dar muita atenção para o tema, e a maioria quer que Edward Snowden seja julgado. A segurança nacional ainda está acima de tudo?
Vivemos uma era de exibicionismo digital: a preocupação com a privacidade é menor do que nunca, e a maioria dos americanos não parece preocupada com a vigilância. Há uma crença forte de que o governo é benévolo e só quer nos proteger. Atitude ingênua, mas que permitiu as guerras do Vietnã e do Iraque. Éramos o bem contra o mal.

Então o efeito das denúncias de Snowden é limitado?
Daniel Ellsberg, que revelou os papéis do Pentágono, era um analista militar que defendia a Guerra do Vietnã. Chelsea Manning se alistou para lutar no Iraque. Os delatores podem ter má fama, mas estavam dentro do sistema, não gostaram do que viram e se rebelaram. Imagine quantas vidas não teriam sido salvas se um delator revelasse antes da invasão do Iraque que aqueles documentos da inteligência eram errados?

Obama apenas herdou o legado de Bush?
Aceitou os pedidos de militares e serviços de inteligência. Aumentou tropas no Afeganistão, o orçamento da CIA e o uso de drones. Não reduziu o legado de Bush.


Reprodução da Folha de São Paulo

sábado, 25 de janeiro de 2014

Fragilidade masculina move drama com história que remete a 'Dom Casmurro'


Fragilidade masculina move drama com história que remete a 'Dom Casmurro'


SYLVIA COLOMBODE SÃO PAULO

Os dois protagonistas de "A Origem do Mundo", de Jorge Edwards, são desterrados. Exilados políticos, têm a pátria como enevoada referência de seus valores ideológicos e do que foram seus amores de juventude.
Em sua memória, o Chile fora o endereço daquilo pelo que consideraram que valia a pena viver, as lutas de resistência contra a ditadura (1973-1990), o impulso das primeiras paixões.
Em Paris, são obrigados a reconstruir suas vidas no vazio, e com a necessidade de encontrar novamente uma razão para viver.
Enquanto o escritor Felipe Díaz se esvai numa vida de luxúria e bebidas, conquistando uma mulher a cada noite e colecionando suas fotos, o médico Patrício Illanes se ilude com a estabilidade do casamento.
A situação se mantém até a morte de Felipe, enterrando com ele a resposta da questão com a qual Illanes passaria a se torturar: teria o amigo tido um caso com sua mulher, Silvia?
Como evidência, ele tem apenas uma pequena foto 3x4, encontrada entre as coisas de Felipe. E, também, uma misteriosa imagem de uma mulher cujo rosto não pode distinguir, mas cuja pose emula o quadro "A Origem do Mundo" (1866), do pintor francês Gustave Courbet.
Illanes é invadido pela sensação de que foi traído e que é Silvia a personagem retratada na imitação do quadro.
O pensamento transforma-se em ideia fixa. A reação de Silvia ao ver o cadáver de Felipe, a lembrança dos encontros entre os três no passado, os telefonemas e mensagens de Felipe vão se juntando em sua mente como peças de um quebra-cabeças que acaba revelando o óbvio: Felipe e Silvia haviam sido amantes.
Instala-se um drama movido a ciúmes retroativos e mistério à la Dom Casmurro, o que não é de se espantar, uma vez que Edwards é um fã de Machado de Assis (1839-1908).
Representante de um grupo, a chamada Geração de 50 chilena, integrada, entre outros, por José Donoso (1924-1996), Edwards transpõe para "A Origem do Mundo" elementos que caracterizariam o estilo desse movimento, tendo como centro a tensão da vida nas cidades.
O romance é, também, um ensaio sobre a velhice. Illanes se apega à vida através desse mistério, como se essa caçada pudesse conter a desintegração do corpo. A luta ganha contornos patéticos e paranoicos, que Edwards explora com humor e ironia.
Até que, no final, o ponto de vista da narrativa passa de Illanes para sua mulher, mudando o jogo de observação e reforçando o verdadeiro tema do romance: a exposição crua da fragilidade masculina.

Letras e política dividem Jorge Edwards

Letras e política dividem Jorge Edwards
'A Origem do Mundo', lançado agora no Brasil, traz desilusão com o comunismo e homem consumido pelo ciúme
Mal visto pela direita e pela esquerda, o escritor e diplomata chileno não pensa em voltar ao seu país
LUCAS NEVESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PARIS

Não erra quem vê no escritor e diplomata chileno Jorge Edwards, 82, um Forrest Gump das letras e da política latino-americanas.
À maneira do personagem de Tom Hanks no filme homônimo --que conheceu presidentes e artistas--, Edwards frequentou o "grand monde" da cultura e do poder latinos a partir dos anos 1960. Tomou rum com Fidel Castro, deliberou com Pablo Neruda (1904-1973) na embaixada chilena em Paris e almoçou na companhia do presidente Salvador Allende (1908-1973) às vésperas de sua posse.
Desses encontros resultou a perda de crença na esquerda comunista que ronda "A Origem do Mundo" (Cosac Naify), romance de 1996 que ganha edição brasileira --apenas a terceira de uma obra com mais de 20 títulos, entre contos, romances, ensaios, perfis biográficos e memórias, que lhe valeram em 1999 o Prêmio Cervantes.
Apesar de as ilusões perdidas pautarem a interação dos personagens, a força-motriz da trama é mais prosaica.
Por ciúme, o médico Patricio Illanes, stalinista na casa dos 70, descerá aos infernos para apurar o suposto adultério da mulher Silvia. O amante seria o amigo do casal, Felipe Díaz, escritor rompido com o comunismo.
No curso da investigação, os volteios da imaginação do protagonista reacenderão sua volúpia, como se da ficção dependesse a vida.
"Toda ficção autêntica tem elementos autobiográficos", diz o escritor à Folha, em entrevista na sede da embaixada do Chile em Paris, hoje comandada por ele.
"Sem dúvida há algo de mim tanto no médico quanto nesse intelectual de uma ala mais anarquista, libertária da esquerda", afirma.

MACHADIANO

Os ecos de "Dom Casmurro" são claros, e Edwards reconhece a influência machadiana. Depois de descobrir o brasileiro por obra do amigo Rubem Braga (1913-1990), traduziu para o espanhol contos dele. Também ajudou a verter obras de Murilo Mendes, Drummond, Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes.
No mundo hispânico, o círculo de amizades incluiu, além do conterrâneo Neruda, o peruano Mario Vargas Llosa (autor do prefácio deste "Origem") e o colombiano Gabriel García Márquez. Companhias que serviram de respiro à sisudez da diplomacia.
"Um diplomata é um ator. Deve renunciar à sua personalidade. Escrever por duas horas sempre que possível me deixou impermeável aos coquetéis, reuniões intermináveis. Ser escritor me ajudou a viver e ser diplomata, a sobreviver", compara, sem disfarçar a falta de entusiasmo com a rotina na chancelaria.
Nem sempre a vida nas embaixadas foi desanimada: "Persona non Grata" (1973), sua obra mais conhecida, resultou de uma passagem de três meses pela representação chilena em Havana, no fim de 1970. Ali, dava um testemunho "in loco" (e em primeira mão) dos desmandos do castrismo, emitindo um alerta a Allende, alinhado com o governo da ilha.
A reação foi desfavorável de lado a lado. Edwards passaria quase dez anos longe de casa, entre Paris e Barcelona, rechaçado pela esquerda, malquisto pela ditadura de direita que a sucederia.
"Para um escritor que passou boa parte da vida fora, voltar seria morrer um pouco. O Chile é apático. Só há liberdade em teoria; todos têm medo do ridículo, da família, há prisões mentais, de espírito", diz. "Há um censor em cada chileno."
Por isso, ele planeja se radicar em Madri em março, quando se aposenta. Aos 82, tem sede de "nova experiência", como diz o título de um de seus primeiros contos.


Reprodução da Folha de São Paulo

Deus está de olho

Deus está de olho
Religiões vigilantes ajudaram a criar civilizações, defende livro
REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma dica da pesquisa de ponta em psicologia para quem organiza reuniões de condomínio: para minimizar a chance de que alguém tente passar a perna nos demais presentes, pinte um grande olho na parede do salão.
Parece ridículo, mas é um conselho apoiado por fortes evidências experimentais. Quando voluntários que participam de jogos nos quais há a chance de trapacear veem fotografias ou desenhos de olhos, a chance de que alguém burle as regras cai.
"Gente vigiada é gente bem comportada", diz Ara Norenzayan, pesquisador da Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá), e autor de "Big Gods" ("Deuses Grandes").
No livro, ainda sem versão no Brasil, Norenzayan argumenta que essa é a principal razão pela qual a maioria dos seres humanos em sociedades complexas acredita em divindades preocupadas com o comportamento ético: reais ou não, tais figuras ajudam a controlar a tentação de passar a perna nos outros.
Daí outra máxima cunhada por Norenzayan para explicar sua tese: "Para grupos grandes, deuses grandes".
Com "grandes" ele quer dizer deuses que sabem tudo e usam isso para punir malfeitores, e sociedades com dezenas de milhares de indivíduos ou mais. Isso porque são muito raros os grupos de caçadores-coletores (formados por, no máximo, algumas centenas de indivíduos) que creem em "deuses grandes".
Esse foi um dos fatores que motivou o pesquisador de origem libanesa a propor a ideia de que esse tipo de divindade só "evolui" em sociedades que alcançam determinada massa crítica de tamanho.
Em grupos pequenos, coisas como a proximidade de parentesco e o contato diário entre todos os membros seriam suficientes para manter quase todo mundo na linha.
Além da influência dos olhos sobre o comportamento de voluntários em laboratório, há indícios de que, quando as pessoas são influenciadas ao verem palavras com significado religioso numa tela de computador, seu comportamento em jogos que pagam dinheiro como recompensa melhora.
Além de trapacear menos, tendem a punir trapaceiros com rigor. Detalhe: tais palavras ("Deus", "oração" etc.) aparecem na tela por frações de segundo, e não são conscientemente percebidas.

LADO NEGRO DA FORÇA

Tudo isso parece muito bom, mas as pesquisas de Norenzayan e outros cientistas deixam claro que há um lado negro na maneira como os grupos que adoram "deuses grandes" se comportam.
A tendência a ser mais co-operativo costuma ser mais forte quando ajuda a melhorar a reputação da pessoa religiosa, indicam experimentos. E o comportamento mais ético em relação a quem pertence ao mesmo grupo religioso tende a ser compensado por uma competição feroz contra os de fora do grupo.
Também está longe de ser verdade a ideia de que não é possível ser ético sem crer em Deus. Algumas das sociedades mais pacíficas, prósperas e igualitárias do mundo, como as da Escandinávia, hoje têm predominância de ateus.
Norenzayan diz que isso se deve à força e à eficácia das instituições seculares nesses países. De fato, em nações desenvolvidas, o mesmo efeito trazido pelas mensagens religiosas pode ser obtido, em laboratório, com alusões a "tribunal" e "polícia".
Sociedades com instituições seculares confiáveis teriam "subido a escada da religião e, depois, chutaram-na para longe", diz o autor.