sexta-feira, 13 de abril de 2012

Exilados esperam recriar área cristã na Turquia


Exilados esperam recriar área cristã na Turquia

Susanne Güsten
Em Idil (Turquia)


Escalando os escombros daquela que já foi sua cidade natal, Robert Tutus apontou para o local mais adiante na estrada onde ficava a casa de sua família. "Este é o local onde meu pai foi assassinado", ele disse. "Dois homens se aproximaram dele enquanto ele voltava para casa certa noite, e o mataram com uma bala na cabeça."

Seu pai, Sukru Tutus, foi o último prefeito cristão de Azeh, conhecida como Idil em turco, uma cidade no sudeste do país cujo cristianismo remonta os tempos dos Apóstolos.

Um mês após o assassinato, que ocorreu em 17 de junho de 1994, o restante da população cristã da cidade, várias centenas de pessoas na época, reuniu seus pertences e fugiu em busca de asilo na Europa Ocidental, segundo Tutus.

A partida marcou o fim da era cristã em Azeh, que contava com um bispo já no século 2º e foi lar de uma população cristã de vários milhares até o final dos anos 70.

Apenas ruínas espalhadas na encosta restam da cidade deles atualmente, enquanto acima, prédios de concreto em mau estado se erguem para formar a nova cidade de Idil, habitada pelos curdos e árabes locais, assim como por alguns poucos administradores turcos em cargos temporários no leste.

E há Tutus, 42, acampado em um apartamento em um desses prédios, enquanto tenta retomar as propriedades de seu pai e reconstruir sua casa entre as ruínas na encosta. "Esse é o nosso lar, lar do povo siríaco", disse Tutus. "Nós não desistiremos."

O planalto de Tur Abdin, no qual Idil se encontra aninhada entre a planície síria e as cadeias de montanhas do sudeste da Turquia, é o coração histórico da igreja Ortodoxa Siríaca, cujo patriarca residiu aqui até as tensões com a república turca o obrigarem a se mudar para a Síria em 1933.

A região ainda é pontilhada por igrejas siríacas como Mor Gabriel, que foi fundada no ano 397 e é um dos mosteiros em atividade mais antigos do mundo. Mas fora os monges, restam muito poucos siríacos.

Há um século, eles chegavam a 200 mil aqui, segundo a União Siríaca Europeia, uma organização da diáspora. Aproximadamente 50 mil sobreviveram aos massacres de cristãos anatolianos durante a Primeira Guerra Mundial, quando o povo siríaco compartilhou o destino dos armênios. Hoje, não mais que 4.500 cristãos siríacos, que falam um dialeto local da língua aramaica assim como árabe, turco e curdo, permanecem em Tur Abdin.

Em Azeh, que resistiu ao sítio dos vilarejos curdos ao redor por meses em 1915, o esforço final na antiga disputa pelo poder na cidade teve início em 1977, quando o prefeito Sukru Tutus foi derrotado pelas autoridades turcas naquela que seu sucessor, Abdurrahman Abay, hoje reconhece abertamente que foi uma eleição fraudulenta.

"O comandante militar, o juiz, o governador do distrito –eles me encorajaram a concorrer e me ajudaram a vencer", disse Abay, chefe da poderosa tribo curda Kecan, enquanto tomava um chá em Idil. "Após a eleição, eu recebi um telegrama do Egito, de Anwar el Sadat. Ele dizia: 'Eu o parabenizo pela conquista muçulmana de Idil'."

A tomada provocou uma mudança dramática na demografia da cidade, que foi concluída em 1994, com os curdos dos vilarejos vizinhos se mudando para ela, enquanto as famílias siríacas vendiam seus imóveis e se juntavam ao crescente fluxo de emigração cristã de Tur Abdin para a Europa.

Hoje, 80 mil siríacos de Tur Abdin vivem na Alemanha, 60 mil na Suécia e 10 mil cada na Bélgica, Suíça e Holanda, segundo estimativas da União Siríaca Europeia.

Tutus encontrou asilo político na Alemanha, juntamente com sua mãe, seis irmãs e três irmãos, todos, com exceção de um, obtendo de lá para cá a cidadania alemã e se estabelecendo lá.

Uma década depois, ele foi um dos primeiros exilados a aceitar o convite público do governo turco para os siríacos voltarem para casa. Ele foi feito em 2001 sob pressão da União Europeia e repetido em várias ocasiões.

Apesar de ter passaporte alemão, Tutus passa grande parte de seu tempo em Idil, onde está supervisionando a restauração da igreja de Santa Maria e no ano passado fundou uma Associação para a Cultura Siríaca.

"Nossa meta é manter a língua e a cultura siríaca viva em Idil, e lembrar às pessoas que este é o lar dos siríacos", disse Tutus.

Apesar do escritório da associação ter sido atacado com uma bomba incendiária neste ano, Tutus permanece determinado. "Nós queremos que o mundo veja que os siríacos ainda vivem aqui", ele disse.

É um desejo que ele compartilha com centenas de siríacos pioneiros por todo Tur Abdin, que voltaram do exílio na Europa nos últimos anos, em uma tentativa de retomar sua herança e abrir o caminho para o reassentamento cristão na região.

Na aldeia de Kafro, a 50 quilômetros a oeste de Idil, os aldeões que saíam para caminhar sob o sol da primavera, em sua rua pavimentada de pedras no mês passado, se reuniam ao redor de um carrinho de bebê para paparicar seu ocupante. Eles admiravam Nahir Demir de um ano de idade, a primeira criança de sua família nascida em Kafro desde que a aldeia siríaca foi abandonada por ordem do Exército Turco, em 1994.

"Meu pai foi o último a partir", disse Aziz Demir, 45, prefeito da aldeia recém-reconstruída. A ordem para evacuar, ele recordou, ocorreu no auge da luta entre o exército e os rebeldes curdos na região.

Mas quando a permissão para voltar foi emitida em uma breve diretriz burocrática pelo governo turco, em 2001, os siríacos de Kafro voltaram correndo da Europa para reconstruir sua aldeia e reassentar seus filhos em uma terra ancestral que nunca viram.

Uma dúzia de casarões modernos de pedra calcária agora se ergue sobre as ruínas da velha aldeia de Kafro, completas com jardins murados e banheiros com azulejos cor-de-rosa, construídos com as economias de toda uma vida dos siríacos que voltavam após trabalharem muitos anos em fábricas na Alemanha, Suíça e Suécia.

Seis anos após a chegada dos primeiros caminhões de mudança, a população de Kafro é de aproximadamente 50 pessoas e aumentando, apesar dos riscos. Tanto a perspectiva de ensino quanto de emprego é ruim nesta região empobrecida, onde os vizinhos curdos são pastores de ovelhas e vão de mula ao mercado.

"Nós sabíamos que não seria fácil e sabíamos dos riscos", disse Israel Demir, 46, construtor dos casarões e pai do pequeno Nahir, assim como de três filhas adolescentes trazidas de Goppingen, Alemanha, em 2006. "Mas também sabíamos que era nosso dever."

Esse dever, disse Demir, é o de assegurar o futuro do povo siríaco. "Eu sinto uma grande responsabilidade, em relação aos meus filhos e em relação ao meu povo, de proteger nossa terra natal para as futuras gerações", disse Demir em uma entrevista em Kafro, no mês passado.

"Porque eu sei que quando um povo deixa sua terra, seu lar, ele não tem escolha a não ser assimilar. Nós podemos ver que está acontecendo com nossas famílias na Europa e na América. Há o risco de que, em poucas décadas, os siríacos deixem de existir."

Demir pagou um preço pessoal por sua missão no ano passado, quando mal escapou com vida após ser baleado por pastores curdos, enquanto tentava impedi-los de trazer seus rebanhos para pastar nas terras da aldeia.

Mas nem a hostilidade dos moradores locais e nem a falta de apoio das autoridades turcas o deterá, ele disse.

"Eu estou tentando abrir a porta para o retorno de nosso povo", ele disse. "Eu escancarei a porta. Agora os outros devem decidir se seguirão meus passos e passar por ela."

Na aldeia vizinha de Enhil, Fehmi Isler, 50, teve uma visão mais sóbria do futuro enquanto olhava da torre do sino da igreja da aldeia para as dezenas de casas recém-restauradas, uma delas a sua. "Apenas os mais velhos voltarão, aqueles que nasceram e foram criados aqui", ele disse.

Dormente no inverno, Enhil ganha vida na Páscoa com a chegada de 300 a 400 exilados siríacos da Europa Ocidental, que restauraram as casas de suas famílias nos últimos anos para usarem como casas de férias.

"Mas os jovens não virão, e quem pode culpá-los?", disse Isler. "Não há nada para eles aqui, exceto pasto para o gado e carne de vaca."

Isler, que estava em Enhil para enterrar uma tia, que morreu em um asilo de idosos em Augsburg, Alemanha, para atender seu último desejo, disse que seus próprios cinco filhos só vieram uma vez da Alemanha.

"Sem Internet, sem celulares, sem piscina –sem nenhuma chance", ele disse. "E as mulheres curdas gritam com as meninas para demonstrarem modéstia e se cobrirem."

Em Idil, Tutus está igualmente cético a respeito de suas chances de sucesso em persuadir a diáspora siríaca a voltar para Idil. Com a guerra em andamento entre os rebeldes curdos e o Exército turco, é uma batalha morro acima, ele disse.

"Todo mundo fala em voltar, mas é apenas conversa", ele disse. "Eu estou aqui lutando pelo nosso retorno, mas eles permanecem sentados firmemente lá."

Até mesmo a esposa de Tutus, uma siríaca, e seus filhos, com 11 e 7 anos, não virão, preferindo permanecer em Frankfurt após o susto que passaram durante uma visita a Idil. "Houve um apagão e troca de tiros na rua à noite", disse Tutus. "Depois disso, eles se recusam a voltar."


Tradutor: George El Khouri Andolfato


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