quinta-feira, 5 de abril de 2012

A Polônia volta a ser lembrada por sua colaboração com a CIA

A Polônia volta a ser lembrada por sua colaboração com a CIA

Piotr Smolar



O caso dos prisioneiros secretos da CIA, por muito tempo retido como interesse do Estado, volta a assombrar a Polônia. Na terça-feira (27), o jornal “Gazeta Wyborcza” revelou que o ex-chefe da agência de inteligência, Zbigniew Siemiatkowski, foi indiciado como parte de um inquérito sobre a existência de um centro de detenção americano na Polônia, entre 2002 e 2003. Por essa prisão teriam passado islamitas, no contexto da “guerra contra o terrorismo” iniciada após os atentados do 11 de setembro de 2001.

A procuradoria não quis confirmar essa informação, mas o indiciado se encarregou disso, explicando que ele se recusaria a depor diante da Justiça em nome da segurança nacional. Siemiatkowski está sendo processado por “privação ilegal de liberdade” e “uso de castigos corporais” contra prisioneiros. Portanto, o Estado polonês é suspeito de ter tolerado a tortura, praticada por agentes estrangeiros.

Esse indiciamento foi pronunciado no dia 10 de janeiro, em total discrição, pela procuradoria de Varsóvia. Esta também teria reunido elementos suficientes para pedir ao Sejm (Câmara Baixa do Parlamento) o comparecimento do ex-premiê Leszek Miller (SLD, ex-comunista) diante do Tribunal do Estado, em função da época dos acontecimentos. Mas não houve tempo para isso, pois Varsóvia foi preterida em prol da procuradoria de Cracóvia, por razões não explicadas.

A Justiça polonesa vem investigando desde 2008 o trânsito e a detenção de prisioneiros da CIA em seu território. Por muito tempo as investigações permaneceram em ponto morto. Mas houve uma aceleração no final de 2011, pois a agência de inteligência, pressionada pelo Tribunal Supremo, por fim transmitiu à procuradoria os documentos sobre a colaboração com os americanos. Ali foi revelado que os poloneses autorizavam o uso do aeroporto de Szymany, no norte do país, e de uma construção na base militar de Stare Kiejkuty.

As autoridades polonesas não teriam tido conhecimento dos atos de tortura contra os prisioneiros, segundo a versão oficial. Mas o próprio fato de fechar os olhos para as práticas das forças americanas parece altamente contestável, de um ponto de vista moral, jurídico e político. O local de detenção foi utilizado um ano depois dos atentados de 11 de setembro.

A Fundação Helsinki para os Direitos Humanos obteve os documentos das autoridades aéreas estabelecendo a frequência e a proveniência dos voos. “O primeiro data de 5 de dezembro de 2002 e vinha de Bangcoc, o último de 22 de setembro de 2003, levando a bordo cinco pessoas depois de aterrissar vazio”, explica ao “Le Monde” o professor Adam Bodnar, da Fundação Helsinki.

Segundo ele, teria havido no total entre 6 e 8 detentos nas mãos da CIA que passaram pelo centro de detenção, um pavilhão situado na base de Stare Kiejkuty. “Isso precisava de uma forte coordenação entre alfândega, autoridades aéreas e militares. Não era caso para três pessoas. As autoridades políticas certamente estavam a par disso.” Inclusive da tortura? “Não se pode afirmar com certeza”, explica Bodnar, “mas o próprio fato de deter pessoas ilegalmente durante quase um ano é uma violação da Constituição”.

Em 2011, dois prisioneiros na base de Guantánamo (Cuba), Abou Zoubeida - ex-braço direito de Osama Bin Laden - e o saudita Abd al-Rahim al-Nashiri, envolvido no ataque contra o navio americano USS Cole no Iêmen, foram reconhecidos como “vítimas” pela Justiça polonesa. Uma etapa-chave, que permite justificar o avanço das investigações.

Aliada histórica dos Estados Unidos, a Polônia sempre considerou Washington como seu principal parceiro e a melhor garantia de sua segurança. Aceitar as atividades secretas da CIA em seu solo era, para o governo da época, uma espécie de prova de amizade. Isso explica o constrangimento geral dos dirigentes políticos, para além das tradicionais divergências, mesmo que o governo fosse então de esquerda e, o atual, de direita.

O presidente da época, Aleksander Kwasniewski, e o primeiro-ministro Leszek Miller negaram obstinadamente a existência de uma prisão secreta. Quando o Direito e Justiça (PiS), o partido dos irmãos Jaroslaw e Lech Kaczynski, chegou ao poder em 2005, ele bloqueou os inquéritos, sobretudo o do Parlamento Europeu. A Lituânia e a Romênia também são acusadas de terem prestado assistência aos serviços americanos. Coincidência: no dia das revelações do “Gazeta”, uma audiência pública foi realizada sobre esse mesmo assunto no Parlamento Europeu, dentro da comissão de liberdades cívicas, justiça e assuntos internos.

Na Polônia, o avanço da investigação provocou uma onda de choque política. Janusz Palikot, cujo movimento obteve um desempenho inesperado (9,8%) nas legislativas de outubro de 2011, considerou que o caso era “uma vergonha para a Polônia”, que não podia ser “uma cortesã”. Leszek Miller, por sua vez, ressaltou que sua acusação veio justamente quando a coalizão governamental titubeava, em razão da reforma das aposentadorias.





Tradutor: Lana Lim

Reportagem do Le Monde, reproduzida no UOL.


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