Não há sonho de 2016 nas favelas
RIO DE JANEIRO - Preparando-se para a Olimpíada de 2016, as autoridades do Rio celebraram o projeto de um "Parque Olímpico" futurista, com vilas para os atletas e áreas verdes à beira de uma lagoa.
Só havia um problema: as 4.000 pessoas que já moram lá, numa ocupação ilegal que existe há décadas, e que a prefeitura deseja extinguir.
Elas se recusam a sair e levaram sua luta à Justiça e às ruas, tornando-se uma grande pedra no sapato do governo.
"As autoridades acham que progresso é demolir a nossa comunidade só para eles poderem receber a Olimpíada durante algumas semanas", disse Cenira dos Santos, 44, dona de uma casa na favela, conhecida como Vila Autódromo.
"Mas eles se surpreenderam por resistirmos."
Para muitos brasileiros, realizar a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 é a expressão máxima da elevação do país no cenário mundial, um símbolo do poderio econômico e da presença internacional recém-obtidos pelo Brasil no cenário global.
Mas alguns dos trunfos que levaram à democrática ascensão do Brasil como potência regional -a vigorosa expansão da sua classe média, a sua imprensa independente e as crescentes expectativas da sua população- estão atormentando os preparativos para ambos os eventos.
"Esses eventos deveriam celebrar as realizações do Brasil, mas está acontecendo o contrário", disse Christopher Gaffney, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
"Estamos vendo um padrão insidioso de pisotear os direitos dos pobres e de estouros nos gastos que são um pesadelo."
Os moradores de algumas favelas estão se unindo para resistir, da melhor forma que encontram.
Eles usam câmeras de vídeo e as redes sociais para transmitir seu recado. E às vezes conseguem a ajuda da vibrante e engajada imprensa brasileira.
Uma rede de ativistas em 12 cidades estima que até 170 mil pessoas poderão ser desalojadas por causa da Copa e da Olimpíada.
"Ninguém é reassentado se não for por uma razão muito importante", disse Jorge Bittar, secretário municipal de Habitação do Rio.
Muitas das comunidades ameaçadas de despejo estão na zona oeste do Rio, onde as favelas persistem em meio a vastos shoppings e condomínios ladeados por palmeiras.
"A lei brasileira está se adaptando à realização dos Jogos, ao invés de os Jogos se adaptarem à lei", disse Alex Magalhães, professor de direito da UFF.
Uma das disputas mais acirradas envolve a desocupação da Vila Autódromo para dar lugar ao Parque Olímpico.
"A Vila Autódromo não tem infraestrutura absolutamente nenhuma", disse Bittar. "As ruas são de terra, a rede de esgoto dá direto na lagoa."
Muitos na Vila Autódromo discordam. Alguns têm casas espaçosas construídas por eles próprios. Goiabeiras fazem sombra nos quintais. Várias garagens têm carros estacionados.
Os moradores levaram sua luta à internet, postando on-line vários vídeos de acaloradas discussões com as autoridades.
Eles começaram a trabalhar com promotores para solicitarem liminares contra a desocupação, mas dias atrás sofreram uma derrota judicial.
Os jornalistas entraram na briga, noticiando que a prefeitura carioca pagou R$ 19,9 milhões a duas empresas por terrenos onde moradores da Vila Autódromo seriam reassentados; as duas empresas fizeram doações eleitorais para o prefeito Eduardo Paes, que negou qualquer irregularidade, mas imediatamente cancelou a compra.
Ainda assim, as autoridades dizem que pretendem remover a comunidade para dar espaço a ruas ao redor do Parque Olímpico, deixando os moradores à procura de uma nova estratégia para resistir à retirada.
"Somos vítimas de um evento que não queremos", disse Inalva Mendes Brito, professora na Vila Autódromo.
"Mas talvez, se o Brasil aprender a respeitar a nossa opção de ficarmos nas nossas casas, a Olimpíada afinal será algo para comemorar."
Colaboraram Erika O'Conor e Taylor Barnes, reportagem
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