Jarvis Jay Masters, um homem negro e hoje quase sexagenário, teve uma infância muito pobre e cercada de abusos, abandono e violência. Aos quatro anos, era largado sozinho em casa e obrigado a "cuidar" de um recém-nascido (que acabou morrendo). Com essa mesma idade, escondido embaixo de uma cama com seus irmãos, viu sua mãe ser espancada por um traficante até não emitir mais nenhum som.
Como acontece com muitas das crianças que sofrem negligência e maus-tratos, aos 12 anos foi parar em uma instituição para menores infratores; aos 19, acabou preso em San Quentin por assalto a mão armada; aos 23, foi condenado à morte por um crime pelo qual ainda tem esperança em provar sua inocência (participar de uma conspiração para assassinar um guarda).
Apesar de estar trancafiado em um presídio há mais tempo do que lhe foi possível conhecer a vida lá fora (e de ter passado mais de 20 anos em confinamento absoluto), Jarvis se tornou um grande expoente quando o assunto é liberdade.
Ele conheceu o budismo através de livros, passou a meditar diariamente e a se corresponder com o mestre Chagbud Tulku Rinpoche, que anos depois o visitou no presídio para uma cerimônia de empoderamento.
Hoje Jay Masters é também um mestre budista e ensina, através de livros e cartas que troca com centenas de jovens, tudo o que sabe sobre compaixão, paz e mente equilibrada. Como ele consegue isso em um ambiente permeado por tanta violência, dor e descaso é o que torna sua figura e essa obra tão interessantes.
Para começar, ele diz que estar preso talvez tenha, de certa forma, lhe salvado. Do jeito que caminhava a sua vida, ele, assim como aconteceu com seus irmãos e sua mãe, já estaria morto há algum tempo. Lendo o livro, percebemos também que pela maneira como ele diz "decorar", limpar e arrumar sua pequena, escura e úmida cela, ali o mestre budista tem, pela primeira vez, a possibilidade de um lar. Seus amigos na prisão são uma espécie de família possível.
Pensar no copo sempre meio cheio pode ser um clichê, mas para não enlouquecer ele precisou se agarrar a esses lugares-comuns. Aos leitores brasileiros, o segundo parágrafo da nota do autor começa assim: "Quando acordamos de manhã, nenhum de nós, independentemente de cor, raça, gênero e posição social, tem certeza de que vai voltar para casa à noite". Quem, afinal, controla a própria vida? Jarvis aprendeu com seu mestre e hoje ensina a todos: lar é onde o nosso coração está.
Para mais informações sobre a campanha pela libertação Jarvis Jay Masters, visite o site www.freejarvis.org.
Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo.
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