Don Diego Vega vestia uma pequena faixa de tecido sobre os olhos e pronto: ninguém mais o reconhecia. Tinha virado o Zorro, sua identidade secreta. Batman, versão gringa e sem libido do herói de máscara, caprichava um pouco mais no disfarce, deixando só a boca de fora. Jim Carrey, quando punha uma máscara verde, adquiria o superpoder de dançar mambo e esbugalhar os olhos e assediar mulheres e acho que só.
Talvez a máscara fosse uma alegoria pra cocaína, percebo hoje.
Em junho de 2013, a máscara servia pra proteger do gás lacrimogêneo, mas pra imprensa transformava você num temido black bloc, aqueles delinquentes que acreditavam, sabe-se lá por que, que Sérgio Cabral era um ladrão e hospitais seriam mais úteis que estádios. Em Hong Kong, no ano passado, manifestantes usavam máscaras pra escapar do reconhecimento facial. “Atrás dessa máscara não tem um rosto”, dizia o V de Vingança, “tem uma ideia”.
Hoje, finalmente, a máscara já não quer dizer mais nada. Um sujeito mascarado, na rua, se tornou apenas um sujeito na rua —não se pode afirmar nada sobre ele, senão que está nas ruas e acredita na ciência.
Em compensação, um sujeito sem máscara, na rua, se rebaixou a uma espécie de animal. O rosto humano nu, desprotegido, tomou contornos monstruosos. Não sei quanto a vocês, mas eu prefiro ver um pinto na rua que ver um nariz. De todos os orifícios, a narina se tornou mais obscena.
Nunca imaginei que fosse ter tanta raiva ao me deparar com um queixo. Nunca senti tanto nojo de um lábio. Um sujeito que expõe suas mucosas, hoje, em praça pública, está dando um recado pro mundo: não me importo com nada nem ninguém. Não sei o que está acontecendo nem quero saber. Tenho fezes no lugar do córtex.
O único rosto amigável, nas ruas, é o que não se vê. “Persona” em latim quer dizer máscara. Daí vem a palavra pessoa, nome dado à nossa imagem pública, ou máscara social. Um sujeito sem máscara, hoje, deixou de ser uma pessoa. Virou gado.
Texto de Gregorio Duvivier, na Folha de São Paulo.
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